Nos últimos meses recebi, com alguma surpresa, contato de alguns estudantes a respeito da carreira artística. Como crescer? Como entrar no mercado? Você dá algum curso? Como viver de arte? Eu não sei exatamente em que momento pareceu que eu teria as respostas.
Eu não tenho. Mas vou compartilhar um pouco do que aprendi até aqui.
- Seja um artista com sua própria voz.
Os primeiros passos são os mais difíceis. Você precisa:
– Saber fazer
– Decidir o que quer dizer
– Produzir obras unindo o que você sabe fazer e o que quer dizer
– Ser reconhecível.
Para alcançar os pontos é preciso produzir de maneira incessante, diariamente, se permitir experimentar, se jogar ao erro, refazer a mesma obra 3, 4, 5 vezes. Aprenda com outras pessoas, procure outros artistas com práticas diferentes da sua. Faça tudo, desenhe tudo, se mantenha curioso. É nessa etapa que a maioria dos artistas desiste: não importa quão talentoso seja, desenvolver sua própria voz leva tempo, dinheiro e energia.
2. Você precisa ser visto. Mas isso não vai te dar dinheiro.
Eu sei, é um sonho: ter alguém vendendo suas obras e recebendo seus clientes enquanto você produz. Quando você começa, a galeria é o Oasis que você procura para se tornar um artista profissional.
Mas a realidade é que para vender a ponto de conseguir viver e sustentar a própria produção você precisa ser reconhecido como profissional, e estar em uma galeria é apenas uma etapa disso. Existe todo um percurso de validação que passa pelos pares, pelos críticos de arte local, pelos jornalistas, e claro, pelo público.
A galeria pode facilitar seu reconhecimento ou prejudicar. Estar no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas não te leva a lugar nenhum. Um galerista que não tem boas relações com os críticos locais, que escolhe pessoas que produzem “releituras” de artistas em voga, que atrai apenas o público leigo não vai ser de muita serventia para sua carreira.
O risco de ter sua produção voltada à opinião de um galerista ruim é cair no ostracismo antes mesmo de subir. Faça seu jogo, mostre a sua cara, frequente os vernissages, mas saiba a hora de dizer não.
- Não seja um artista “de verdade”
Ao andar distraído por galerias, mostras e museus, você corre o enorme risco de cair em uma discussão sobre o que é arte. “Arte de verdade”, “arte com alma” são jargões que não dizem quase nada, mas ótimos para demonstrar a falta de conhecimento de quem usa.
“Arte de verdade” para o público leigo pode ser apenas uma obra que ele entende, ou pode ser qualquer coisa feita pela persona teatral que ele imagina como artista.
Se você chegou até aqui, precisa entender o meio no qual está inserido. Quais são as estruturas que sustentam a carreira artística, quem são as pessoas para quem você deve dar atenção. Leia críticos de arte, sociólogos, antropólogos, artistas consagrados. Veja quantos documentários for capaz de encontrar. Ressignifique o jargão e crie um sentido seu.
Há quem pense que essas leituras corrompem a alma do artista: O artista, esse ser intocado pela ganância humana, deve permanecer em seu estúdio, ignorante da realidade ao redor, rodeado de caos, sujeira e mulheres*, sem jamais ceder aos impulsos do capital – até o dia de sua consagração em um leilão da Sotheby’s.
Se você não é herdeiro do pai da psicanálise, essa vai ser uma persona difícil de sustentar. Ninguém vai bater à sua porta pedindo para pintar um quadro da rainha da Inglaterra com milhares de libras esterlinas em mãos, não importa o quão talentoso você seja.
- Continue nadando
Debata. Produza. Pense. Participe. Conheça pessoas. Entenda o que está sendo produzido ao seu redor. Movimente.
Vai dar boa. Ou não.
*Nada vende mais que um peitinho**
**desde que o peitinho seja pintando/esculpido por um homem.