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Experiência Anárquica: a arte de Larissa Schip

Refletir sobre a minha produção como artista é entender o tempo e o espaço em que vivo hoje. Por isto começo com um trabalho recente, apresentado na conferência Revoltas do projeto Cosmopolíticas em 2020.

 

Conjunto Habitacional, 2020, série de fotografias, apresentado na conferência Revoltas (acesse aqui) do projeto Cosmopolíticas em 2020


Conjunto Habitacional é um trabalho que foi criado em meio à pandemia do COVID-19. Estando dentro de um apartamento em um prédio com características semelhantes a um conjunto habitacional, percebe-se que o espaço privado é um privilegio para poucos. E, em paralelo, traça uma reflexão sobre diferença ou semelhança entre a máscara que usamos para se proteger do vírus que se espalha pelo planeta e a máscara usada em um contexto de militância, seja de proteção em relação a polícia ou de identificação estética de movimento político.


 

Sou artista visual desde 2014-15, um processo que começou no curso de Artes Visuais na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), porém antes disso me tornei uma mulher, me descobri lésbica, me vi na classe média, mas fui criada na periferia de Curitiba, me tornei ativista aos 18 – e lá se vão 10 anos de rua, leitura, fala e escuta. Conclui que fui criada para ter ideais, e mais tarde descobri que não se tem ideais, se vive ideais, se é. O meu processo criativo está enraizado nas ficções performáticas nas quais me encontro.

 

Marcha das vadias cwb 2015, 2015-16, vídeo documentário autorretrato, 5′ 4, apresentado na I Mostra de Artes do II Seminário de Estudo Históricos da Universidade Federal do Paraná, 2019


Marcha das vadias cwb 2015 é um registro de rua do movimento feminista que dá nome ao trabalho. Com o objetivo de refletir sobre os corpos que falam, o vídeo é uma leitura do desenho das palavras. O corpo palavra se torna símbolo de resistência, que em movimento e repetição, ainda que respeitando a individualidade de cada membro, geram força política.


 

Meu verdadeiro interesse pela história da arte durou cerca de seis meses, um período entre sair do ensino médio e entrar na graduação. Não é que eu não goste da história, eu só não me identifico. Melhor, não me identificava. Isso mudou quando conheci uma outra história, que também é história da arte, mas que só identificamos como história da arte feminista. Como uma grande teia de aranha, são artistas mulheres que me fazem enxergar uma forma de produzir – Carolee Schneemann, Louise Bourgeois, Anna Maria Maiolino, Regina Jose Galino, Barbara Kruger, Nan Goldin, Eugenia Vargas Pereira, Ana Mendieta, Francesca Woodman e muitas outras às quais faço referências no meu trabalho –, presumo que para ser artista é necessário ver, consumir arte e ser sensível a vivencias diárias.

A história como teia está atrelada a experiência de culturas, e não a uma repetição de uma tradição, como acontece na linhagem patriarcal. A teia envolve um trabalho minucioso e intimista que mistura o privado com o público e o íntimo com o social. A história da arte convencional é patriarcal, a arte feminista é uma ruptura do paternalismo artístico, é uma transgressão, o surgimento de uma outra história da arte e para arte, que está diretamente ligada à existência politica não normativa.

 

Palimpsesto, 2018, lambe performance, 250 x 600 cm, exposição Palimpsesto na 2º Mostra do Programa de Exposições do CCSP, São Paulo SP em 2019


Palimpsesto é uma performance em forma de lambe-lambe, em que uma série de frames retirados do registro em vídeo de um ato performático formam um texto-imagem, em que fios são linhas e palavras. Escrevendo um texto em processo contrário: um corpo em fluxo que pretende escapar das palavras.


 

Sempre me falaram que sou muito sensível. É verdade que muito me toca, mas talvez seja só a percepção de que a maneira como nós humanos nos organizamos seja um tanto estranha. Virginia Woolf declarou não ter pátria, por ser mulher. Paul B. Preciado decidiu-se por ter um apartamento em Urano devido às suas condições de gênero e vivências políticas. Para transcender a este mecanismo de organização de estado que me foi imposto, prefiro acreditar em uma grupalidade feminista, na anarquia dos animais e no encontro dos afetos.

 

Território nenhum, 2018, publicação de artista, 13 x 20,5 cm, exposição Bicho em trânsito na galeria Airez, Curitiba – PR em 2018


Território nenhum é composto por fotografias impressas em transparência. As imagens formam uma linha cinematográfica entre o meu corpo, corpos de cães e territórios vazios, que se somam pelo efeito do material. Sem pátria ou mesmo localização esses corpos territórios não tem limites ou fronteiras.


 

Galinhas anarquistas, 2021, vídeo, 19’33, apresentado na conferencia Animalismos do projeto Cosmopolíticas em 2021


Galinhas anarquistas é um vídeo que revela princípios anarquistas a partir de um olhar da relação animal. O vídeo propõe uma viagem, uma busca por um devir. No vídeo percorremos diferentes regiões para encontrar galinhas. Em paralelo, uma conversa entre duas pessoas que tentam sintetizar o que é o afeto que sentem uma pela outra. Durante a conversa fica claro que há uma impossibilidade: descrever um sentimento acaba por criar uma racionalização da vivência, quando na verdade os próprios participantes percebem que sentir trata de outra linguagem que não pode ser descrita em palavras. À medida que os humanos vão se aproximando de suas conclusões, as galinhas vão se somando a eles, demonstrando o seu convívio, que apesar de estarem presas em um território determinado, estão livres em suas relações animais.


 

Talvez por não gostar desse ambiente que vivemos, trabalho muito com instalações, encontro no vídeo uma forma de recortar o mundo e nos livros uma maneira de dar um pequeno espaço meu para o outro.

 

Bicho em trânsito, 2018, gifart-instalação, 7′, exposição Bicho em trânsito na galeria Airez, Curitiba – PR em 2018


Bicho em trânsito é um trabalho composto por cinco gifs art– loops infindáveis de animais domésticos andando para trás. Junto as imagens um áudio ambiente, fazendo uso de vozes de apps eletrônicos, são leituras de reportagens retiradas da internet, que contam situações em que animais, em sua maioria selvagens, pararam o trânsito de carros e humanos em rodovias e ruas das cidades. Esses áudios, apesar de serem várias reportagens diferentes, exercem o mesmo loop continuum dos gifs, pelo seu conteúdo e forma repetitivos. O trabalho é a relação humano versus animal, ou a relação humana convergente ao animal. Entre a domesticação, o selvagem, a anarquia, o trânsito do corpo em movimento, da ação de transitar, da liberdade do não lugar em comparação e quase ironia ao trânsito de seguir em limite determinado pela via estado.


 

Ver.tigem, 2017-18, livro de artista, 21 x 14,8 x 0,8 cm, exposição Palimpsesto na 2º Mostra do Programa de Exposições do CCSP, São Paulo SP em 2019


Ver.tigem trata de uma ação de catarse, em que me aproprio de trechos de livros de literatura. Retirando as palavras e reorganizado um novo texto composto por todas estas – e somente estas – palavras, formando o livro. Em seguida o livro propõe que o leitor, em uma espécie de jogo, repita o ato, ou seja, recorte as palavras agora em Ver.tigem e forme um novo livro. Como uma negação de todo discurso dado.


 

Refletir sobre a minha produção como artista é entender o tempo e o espaço em que vivo hoje. Por isto termino com uma imagem de um trabalho recente que deseja para si e para o outro uma experiência anárquica. Observando o micro, a praga, em nosso mundo, um outro ecossistema.

 

Te desejo anarquia / Te desejo, anarquia, 2020, Instalação, 6,00 x 4,50


Te desejo anarquia / Te desejo, anarquia, se desenvolve como algo que se prolifera, o musgo, um filo cosmopolita. O cosmopolita ou cidadão do mundo é uma pessoa que deseja transcender a divisão geopolítica que é inerente às cidadanias nacionais dos diferentes Estados e países soberanos. O trabalho é composto por fotografias em transparência e pinturas em plástico, a tinta de um lado rugosa imita a proliferação do musgo, do outro reflete conforme, a luz do ambiente, o seu entorno e por consequência o expectador se vê refletido, se soma aos musgos com o efeito da transparência. Observar um devir vegetal, ou uma organização diferente da nossa, que em harmonia se desenvolve.


 

Larissa Schip
12 de abril de 2021

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