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“Lívia e os Piá de Prédio”, 10 anos depois: como foi feito o primeiro disco dos piás que hoje já são síndicos

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Nossa ilustre convidada Lívia Lakomy conta a história de Lívia e os Piá de Prédio, banda curitibana dedicada a cantar Curitiba. E não houve hora mais oportuna para isso, já que estamos no mês de aniversário da cidade e a banda está completando 10 anos com o lançamento de uma música e clipe inéditos, que você poderá ver aqui!


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“Eu poderia recorrer aqui à velha máxima do escritor Jamil Snege, que uma vez bem resumiu a cidade ao dizer que, para se tornar invisível em Curitiba, basta ter talento. O fato é que não nos tornamos invisíveis (significa isso que não tínhamos talento?)”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Durante as entrevistas com a banda “Lívia e os Piá de Prédio” – não que tenham sido muitas – sempre tínhamos umas frases prontas que sabíamos que iam dar destaque. Nada mais natural: éramos jornalistas que em comum tínhamos apenas uma paixão por Curitiba, pelos Beatles e o fato de que não sabíamos tocar nossos instrumentos. Se a música não ia ser o ponto forte, a assessoria de imprensa ia ter que dar conta do recado.

 

Então falávamos sempre que éramos não uma banda, mas um bando, de Curitiba e para Curitiba, e que o que fazíamos era algo no estilo cante sua vila e serás universal.  E mais! Se os Beatles cantavam sobre Penny Lane, por que não poderíamos cantar sobre o Água Verde? E por que Curitiba não poderia ter sua Garota de Ipanema na Guria de Família que passeava pelo Parque Barigui? Afinal, cada cidade tem o bardo que merece. Uma absurda ambição misturada com autofagia que só uma banda curitibana dedicada a tocar músicas apenas sobre Curitiba poderia alcançar. Considerando que sempre nos classificamos como uma banda fadada ao fracasso, até que nos demos bem. Shows, capa de jornal, covers por outras bandas, festivais locais, dois discos independentes, pelo menos uns dezessete fãs.

 

No próximo 29 de março Curitiba completa oficialmente 325 anos e “Lívia e os Piá de Prédio” completa 10 anos do seu primeiro show – foi um evento de gala para pouquíssimos convidados realizado, muito apropriadamente, no salão de festas do prédio do guitarrista. A decoração foi feita com bexigas. Depois do show teve bolo e cantamos parabéns para a cidade e para a banda.

 

Dois meses depois nosso primeiro disco foi lançado no Largo da Ordem, com show esgotado no Memorial de Curitiba.

 

Os piás de prédio – Gustavo, Márcio, Marcelo – hoje já são praticamente síndicos e dois já são pais de uma nova geração de curitibanos, que espero que cresçam em uma cidade em que ainda se possa fazer arte e dar risada.

 

A banda está inativa há mais tempo do que foi ativa mas, pelos piás e por todos que nos ajudaram nessa, quis marcar a data com música nova e contar um pouco dessa história, da sua origem até o primeiro show.[/vc_column_text][vc_single_image image=”6701″ img_size=”” alignment=”center”][vc_column_text]

A logo na capa do primeiro disco: “Lívia e os Piá de Prédio” (2008). A foto original foi tirada do primeiro andar do prédio histórico da Santos Andrade, onde eu cursava o primeiro ano de direito. A logo foi trabalhada em cima da foto pelo Gustavo, guitarrista da LPP.

[/vc_column_text][vc_column_text]Lembro do exato instante em que a “Lívia e os Piá de Prédio” surgiu. A minha maior preocupação no momento era não ser esmagada pela multidão curitibana que se aglomerava para ver o show do Weezer no Curitiba Rock Festival. Era setembro de 2005. Eu estava amontoada no meio da pista, fazendo meu melhor para anotar de maneira legível a letra de “Piá de Prédio” que chegou inteira, redonda, na minha cabeça. Eu tinha um gosto amargo na boca do Campari que tinham distribuído de graça na entrada do festival. Só fui decifrar meus garranchos em casa, no dia seguinte:

 

“você era um cabeludo do largo

pra ressaca do bar do alemão mas nem café amargo

mas tudo mudou, não tem mais remédio

você virou um piá de prédio”

 

Na época eu havia recém-voltado de uma viagem curta ao Canadá, a primeira vez que saía de Curitiba sem pai nem mãe – praticamente uma adulta (com cartão de crédito para emergências). Era uma viagem que deveria ter ampliado minha visão de mundo, mas tinha acabado por me dar uma ideia ainda mais provincial das coisas. Foi durante esta viagem que eu conheci a banda Les Cowboys Fringants, que se propunha a tocar músicas em francês de Québec, sobre assuntos de Québec e para as pessoas de Québec: eles tinham zero interesse em atrair o público fora da sua província. Justamente por isso, parecia que seus fãs eram ainda mais devotados. Me tornei um deles e voltei com toda a discografia na mala, uma québécois das araucárias.

 

Também tinha acabado de ser lançado o documentário celebrando os dez anos do disco “Definitely Maybe”, do Oasis, e na minha cabeça ainda meio adolescente a principal lição do filme vinha de Digsy, um personagem periférico que era amigo da banda e que tinha virado tema de música. Segundo ele, após “Digsy’s Dinner” ser lançada ele nunca mais teve que pagar por um drink na sua cidade natal de Manchester. Aquilo me pegou em cheio. Talvez eu não tivesse talento para conquistar o mundo, mas não ter que pagar por drinks na minha própria cidade? Essa era uma ambição até que possível. Eu nem bebia muito, era uma perfeita guria de família que não ia levar nenhum fã ou bar à falência.

 

Creio que foi por isso que, naquele sábado, quando todos os indies de Curitiba se reuniram para ser estonteados por uma banda da Califórnia, eu acabei tendo minha revelação enquanto os paranaenses do Charme Chulo tocavam a música “O que é que foi, piá?”. Junto comigo na pista estava o Márcio, futuro percussionista da banda que viria a se chamar “Lívia e os Piá de Prédio”.

 

Nos próximos dias lembro de escrever “Ferry Boat” – a saga de um casal separado pela baía de Guaratuba durante o Carnaval – , “Submundo Autofágico” – sobre a fama cruel que Curitiba tem de (des)tratar seus artistas, uma música que acabou ressoando tanto que foi regravada pel’A Banda Mais Bonita da Cidade –,  “Arquitetura” – um passeio pelos clichês visuais da cidade – e “Mil Novecentos e Setenta e Cinco” – sobre a neve tão inesquecível que mesmo quem ainda não tinha nascido em 1975 se lembra de a ver caindo:

 

“hoje eu sinto que tudo é tão leve

quanto aquela neve de mil novecentos e setenta e cinco

e que tudo seja como deve: breve, sucinto

como a neve de mil novecentos e setenta e cinco”

 

Foi só quando escrevi “Setenta e Cinco” que percebi que estava fazendo algo diferente e, possivelmente, novo para mim. Algo no estilo dos Cowboys Fringants, que eu ouvia sem parar.[/vc_column_text][vc_video link=”https://www.youtube.com/watch?v=mxGZ-eUnfpU”][vc_column_text]

Clipe de “Mil Novecentos e Setenta e Cinco”: dirigido e editado por Yanko del Pino com base em imagens de arquivo próprio retratando a neve de 17 de julho

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Explico: naquela época ainda não havia vídeos infinitos no youtube sobre o que era ser curitibano, brincando com “vina”, “penal” ou o “leite quente” (difícil acreditar, mas o youtube começou naquele mesmo ano). Políticos do Paraná ainda não tinham deturpado a expressão “piá de prédio” xingando uns aos outros em casos que iriam parar na Justiça. Não havia como assistir a um show de stand-up comedy em que alguém tirava sarro da nossa cara curitibana. Mas fazer graça do jeito de ser de Curitiba já não era novidade há muito tempo. Não era lá algo fácil de ser fazer, mas também não era muito complicado.

 

E se as primeiras músicas da Lívia e os Piá de Prédio realmente puxavam mais para o cômico, com “Setenta e Cinco” descobri que dava para pensar um pouco mais a fundo o tema de Curitiba. Dava para fazer mais do que contar piada (não que a piada fosse ser deixada de lado, claro!).

 

Eu já conhecia a obra de gente como Dalton Trevisan, Paulo Leminski e Cristóvão Tezza, mas percebi que se quisesse ficar feliz com o que estava fazendo ia ter que ler e conhecer muito mais. Confesso que me bateu a dúvida: será que eu queria mesmo investir tanto tempo e empenho em um projeto que, sejamos sinceros, não ia levar a nada? Afinal, a própria graça e ironia de criar uma banda que só cantasse sobre Curitiba era justamente que a cidade tinha a fama de não dar a mínima para seus artistas locais. Mas o estrago já estava feito, não adiantava parar pra pensar depois de já ter escrito cinco músicas.

 

Não lembro bem quando foi que mostrei as músicas para os piás que logo viriam a se tornar os “piás de prédio”, mas não demorou muito. O Márcio, claro, estava presente no show do Charme Chulo que deu origem à música “Piá de Prédio”. Ele não era propriamente um músico, mas como era um apaixonado por música e Curitiba, carismático, inteligente e tinha ritmo, foi elevado a percussionista. Foi uma ótima decisão: no final de brincadeira de banda já estava fazendo viradas na bateria. Era o único de nós que não tinha crescido em um prédio, mas ninguém usava isso contra ele. Na época já dava sinais de que ia ter uma carreira de sucesso no rádio, fazendo a ponte com jornalistas e sendo meio que o orador da banda.

 

O Gustavo talvez fosse a escolha mais óbvia para tocar numa banda, por ser alguém que sabia tocar bem o seu instrumento: a guitarra. Era a cabeça, a organização da banda, sabia o que estava fazendo. Ao contrário do resto de nós, ele entendia do equipamento, para que servia um pedal e cada um dos mil cabos, perguntava o tom das músicas e não se frustrava quando eu descrevia um acorde como “tipo um dó, só que com o minguinho nessa casinha aqui e eu não bato a corda de cima com o dedão ó…”. Um cara de paciência aparentemente infinita. Confesso que boa parte das nossas conversas sobre a banda naquela época acabava de algum jeito no assassinato do John Kennedy – nossa teoria preferida na época. O que posso dizer? Éramos uma banda de nerds felizes em ser um bando de nerds.

 

E falando em nerds, tínhamos ainda nosso baixista, o Marcelo. Que também tocava saxophone. Dois instrumentos! E ainda por cima tinha a vantagem de fazer dois cursos de faculdade, o de jornalismo e o de história. Foi assim, inclusive, que ficamos amigos: por dois anos, antes de eu debandar da história para o direito, nós fazíamos os dois cursos juntos e por isso passamos horas e horas conversando na cantina quando as aulas eram (inevitavelmente) canceladas. O Marcelão tem aquela coisa de ser a espinha dorsal da banda, assim como o baixo, e ao mesmo tempo ser o alívio cômico por vontade própria. O piadista mais confiável e responsável do primeiro planalto. O cara que escreve a tese sobre o Rocha Pombo mas todo ensaio brincava (?) que não conseguia lembrar os (dois) acordes de “Polska Punk!”.

 

E enquanto a banda tomava forma e começava a ensaiar, eu lia e lia e lia. Devo ter passado por todos os sebos do centro de Curitiba, pela Biblioteca Pública, a Casa da Memória e centenas de sites (e alguns bares). Li sobre o Barão do Serro Azul, sobre a Gilda, sobre a imigração polonesa, sobre a Maria Bueno, sobre o projeto de construção do aeroporto, sobre a fundação da Universidade. Escutei muito também: irlandeses cantando sobre whiskey e imigrantes de ucranianos cantando sobre campos de refugiados de Chernobyl, baianos que tinham vindo ao sul “pela lei da gravidade” e também muitos, muitos bichos do Paraná.

 

Passamos mais de um ano só brincando de ter uma banda até descobrir um estúdio cujo dono era músico da velha guarda e topava cobrar barato de uma piazada que escrevia sobre a cidade. Graças a esse cara – o Bhorel da Ziriguidum Pfóin – conseguimos gravar um disco amador, independente, barato. Nossas sessões de gravação foram quase todas feitas em sábados de manhã, talvez o horário menos rock ‘n roll da semana, quando acordávamos cedo para tentar fechar três ou quatro horas de estúdio e depois almoçar no Kharina ou no Marcellu’s, dependendo das finanças e da fome. Quando percebemos que o material estava tomando forma era o começo de 2008 e resolvemos marcar o show no salão de festas do Gustavo, uma espécie de teste. Escolhemos o aniversário de Curitiba por se tratar de um deadline meio óbvio, mas ao mesmo tempo divertido. Nos demos uns meses a mais para terminar o disco e marcamos um lançamento arrumadinho no Memorial de Curitiba para maio.

 

Foi a partir deste show que alcançamos o tal sucesso curitibano, que já chamei aqui de sucesso fadado ao fracasso. Felizmente isso está mudando, por mais divertido que seja brincar com essa ideia. Eu poderia recorrer aqui à velha máxima do escritor Jamil Snege, que uma vez bem resumiu a cidade ao dizer que, para se tornar invisível em Curitiba, basta ter talento. O fato é que não nos tornamos invisíveis (significa isso que não tínhamos talento?). Muitas coisas boas vieram do nosso primeiro show e do primeiro disco e eu pude, inclusive, conhecer muitas das pessoas que eu pesquisei e que eu admirava de longe e ouvir que elas admiravam o trabalho da LPP – ou pelo menos se divertiam com ele.

 

O que mais pode uma artista curitibana querer a não ser tentar desesperadamente ir no banheiro do bar 92 graus mas não conseguir por que poetas que você admira ficam vindo conversar e dizer o quanto gostam do seu disco e você é burguesinha bem-educada demais para cortar a conversa? Nada. Não há mais nada que se possa querer da vida. A não ser… Bem. Fico pensando no Digsy, amigo dos caras do Oasis, e penso: bem que um desses poetas podia ter me oferecido pagar um drink. Até hoje a única bebida de graça que tomei na conta de “Lívia e os Piá de Prédio” foi aquela amostra grátis de Campari no Curitiba Rock Festival de 2005, antes do show do Weezer. E vejam só no que deu.[/vc_column_text][vc_column_text]

 MÚSICA NOVA: POETA MALDITO

[/vc_column_text][vc_video link=”https://www.youtube.com/watch?v=zGsTrAP3B0E”][vc_column_text]

Carinho & ironia por Curitiba: a mesma mistura que fez de “Lívia e os Piá de Prédio” uma banda satisfeita em ser fadada ao fracasso.

[/vc_column_text][vc_column_text]Vale dizer logo de cara: “Poeta Maldito” não é uma música da banda “Lívia e os Piá de Prédio”.

 

Diria que é mais uma música sobre a LPP, ou talvez para a LPP, ou quem sabe no estilo LPP. Foi escrita há anos mas nunca gravada – a banda já estava inativa, os piás já casados com empregos sérios, eu meio perdida e indo morar fora, Curitiba e o Brasil ficando sem muito bom-humor para se fazer música bem-humorada.

 

Guardei a letra no caderninho por muito tempo, mas há alguns meses me toquei que a LPP ia completar 10 anos e não me contive.

 

Com uma ajuda de um pessoal gente boa, lanço aqui a música e o clipe – com arte de Francis Iwamura – como uma singela celebração dos 10 anos desde que a banda apareceu para o mundo… curitibano. A vontade de me explicar é sempre grande, mas depois de já escrever tanto, deixo que letra e música terminem a celebração.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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1 Comment

  1. Texto sensacional! Um orgulho de ter participado dessa banda 🙂

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