Visuais

Sobre a experiência digital e a The Wrong – New Digital Art Biennale

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Imagem: Adam Pizurny – Dance of Life

[/vc_column_text][vc_column_text]Guilherme Zawa, responsável pela galeria Airez, e Vinicius F. Barth, co-editor da R.Nott, comentam o fenômeno da arte digital e a experiência proporcionada pela Subli_me / The Wrong – New Digital Art Biennale, exposição que rolou em Curitiba entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018 com curadoria de Flávio Carvalho.


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“Foi uma mostra de átomos para estruturar a experiência de pixels e bytes. Experimentação era palavra de ordem. Veremos ainda quais hipóteses a arte digital vai levantar a si mesma e para quais questões ela vai propor ainda mais perguntas.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Em 1950 Donald Judd realizou uma espécie de movimento que anteviu uma espécie de esgotamento das artes visuais conquanto lugar de indagação filosófica respaldada nos processos de criação artísticos. A consequência foi o movimento minimalista que apontava para lacunas de desenvolvimento hipotético para a arte. Muito aconteceu do manifesto/ensaio “Objetos Específicos” de 1964 até a década de 80, quando Harold Cohen colocou o robô AARON para pintar. John Cage propôs uma paleta de música concreta com sons cotidianos, Gordon Matta-Clark com pedaços de prédios, Cildo Meireles com garrafas de coca-cola.

 

De lá para cá a arte digital aperfeiçoada e democratizada ganhou espaço no campo da representação e da valorização das ideias sobre o objeto artístico. Entretanto, ela ainda apresenta novas possibilidades para as potencialidades da prática que antevê o conceito.

 

Ainda há todo um campo a ser descoberto, já que o digital ainda é algo novo em folha e os potenciais ainda recém foram tocados pela superfície do transmidiático e da experimentação por parte do público. De qualquer maneira, a paleta digital parecer vir a favor dos artistas que levantam hipóteses apresentadas sistematicamente ao seus processos de trabalho.

 

Ademais, a paleta digital atua com leveza e velocidade semelhante a sublimação de ideias através do sistema de sonhos da psiquê. As formas são fluídas e há o movimento que permite o não-congelamento dos significados. Há ressignificações sem fim que dão possíveis saídas a cadeias de pensamento. Tanto para o artista no ato de fazer quanto para o observador no ato de criar uma ilha de meditação diante de uma obra (ou dentro dela).

 

Há velocidade para se mudar de ideia e possibilidades de inúmeras versões. Em se trabalhando com o processo e não com o conteúdo, isso pode ser via para o artista metaforizar ideias durante a materialização do desejo e da volição nos caminhos tomados.

 

Em dezembro de 2017 uma embaixada da The-Wrong New Digital Art Biennale foi montada na AIREZ Galeria de artistas independentes em Curitiba e recebeu Leandro Catapam, Sayuri Kashimura, Guilherme Zawa, Hebert Baioco, Livenoisetupi, Dina Karadzic, Adam Pizurny, Mattis Dovier, Looping Lovers e Connor Sherlock, sob a curadoria de Flávio Carvalho. Foi uma mostra de átomos para estruturar a experiência de pixels e bytes. Experimentação era palavra de ordem. Veremos ainda quais hipóteses a arte digital vai levantar a si mesma e para quais questões ela vai propor ainda mais perguntas.

 

Guilherme Zawa

[/vc_column_text][vc_gallery type=”image_grid” images=”6560″ img_size=”full”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Para Curitiba, a participação na Bienal de Arte Digital intitulada The Wrong foi um passo muito importante para a afirmação da cidade como potência criadora e centralizadora tanto de ideias como de novas produções a nível mundial. Embora a capital paranaense seja uma cidade predominantemente conservadora, ela é capaz de mostrar uma outra face que parece um pouco mais rebelde, um pouco mais safada, principalmente no campo das artes visuais. Tímida ainda, às vezes um pouco desajeitada, mas perfeitamente ordinária quando quer. A presença de Curitiba na Bienal The Wrong se deve principalmente ao Subli_me curador Flávio Carvalho, uma das curiosas criaturas que habitam as entranhas de Curitiba desde sempre, e também a Guilherme Zawa, o capitão da galeria Airez, que abrigou a mostra. Numa cidade também conhecida pela falta de cooperação entre a “classe” artística (se é que pode-se chamar isso de “classe”), a ação desses dois personagens faz com que os eventos aconteçam num sentido oposto: atira-se primeiro, pergunta-se depois. Foi assim também com a corajosa resposta dada dentro da galeria Airez ao caso do Queermuseu em 2017, com a exposição Queer Quarrel. E assim, Curitiba parece ver algo acontecer, sem saber muito bem como.

 

Alguns comentários sobre a exposição Subli_me: The Wrong.

 

A “arte digital”, embora esteja há décadas acontecendo em circuitos paralelos ao redor do mundo, ainda se veste com a aura da novidade. Talvez isso se deva à sua relação íntima com o avanço tech/digital, incessante e cada vez mais acessível e poderoso, e também com o seu insistente distanciamento das Artes consideradas acadêmicas. Mas o uso de novos aparatos, como telas sensíveis ao toque e óculos de realidade virtual (que foi um sonho alimentado durante décadas pelos homens do século XX, finalmente sendo realizado agora), continua abrindo todo um universo de possibilidades para a criação artística. Claro, assim como toda nova mídia, é necessário um tempo de assentamento, de entendimento, e mais do que tudo, é necessário o trabalho de uma grande mente para mostrar realmente do que uma nova mídia é capaz. Martin Scorsese chegou a comparar o recém-chegado cinema 3D com o surgimento do Technicolor na década de 1930, o que aponta para um novo e duradouro caminho de novas invenções dentro da linguagem do cinema. Ou seja, não tem por que acharmos que a mídia digital dentro das artes não sofrerá um destino semelhante. Ainda estamos, inevitavelmente, engatinhando no terreno das possibilidades.  Algumas dessas investidas estiveram na Subli_me: The Wrong.

 

Destaco rapidamente alguns trabalhos que me chamaram a atenção, seguido de algum comentário que – espero – possa contribuir para a discussão toda.

 

Uma das coisas que mais saltam aos olhos dentro desse tipo de exposição é o fato de o discurso da arte digital estar voltado – às vezes em demasia – para si mesmo[1]. Ou seja, voltado para o fenômeno tecnológico ou para discussões pontuais que podem-se tornar facilmente datadas, como a obsessão por tecnologia e a sua consequente escravidão – ai, isso é tão Black Mirror!, ou para o gosto apelativamente retrô. Uma série de ótimos trabalhos que concentra os dois elementos é a dos alemães do Looping Lovers, cuja mídia usada é a animação em gif exibida em pequenos tablets. Embora a discussão esteja concentrada nos elementos que elenquei acima, as animações são de alta qualidade, com cores vibrantes e limpas, e movimentos extremamente suaves e delicados, o que torna a observação bastante agradável.

 

Inside, do francês Mattis Dovier, também aposta no uso do audiovisual retrô e reúne diversos elementos de distopia, de games e de futurismo, o que remete imediatamente o espectador a trabalhos como Ghost in the Shell (1995) e Matrix (1999) – e no meu caso, sabe-se lá por que, a Space Quest II (DOS, 1987). A França, conhecida por ser um dos polos da produção de ficção científica de alta qualidade, está muito bem representada através do trabalho de Dovier. Para mim, esse foi um dos grandes momentos da exposição. Já a brasileira Sayuri Kashimura nos convida a habitar o seu próprio espaço de produção através dos óculos de realidade virtual. Uma técnica promissora e que renderá interessantes frutos num futuro próximo.

 

Um trabalho como o da croata Dina Karadžić, que brinca com a inserção do espectador-usuário no ambiente da deep-web, me parece esbarrar numa questão de arte “geek para geeks”. Embora, conceitualmente falando, seja um trabalho bastante curioso, não se pode negar que ele requer um nível de envolvimento que pessoas pouco ligadas à área cibernética muito provavelmente não demonstrarão. O mesmo me ocorreu com Condor, do canadense Connor Sherlock, que te convida a percorrer, com o uso de um joystick, numa visão em primeira pessoa, uma cidade neon-cyberpunk a lá Blade Runner. Bastante envolvente em sua atmosfera, Condor pode te segurar por horas para que você o percorra e o decifre – me ocorre: você já pensou em ver Myst (PC, 1993) como uma obra de arte? Por que existe uma certa fixação com a estética da nostalgia? Para quem, realmente, essas obras falam?

 

Döppelganger-Babydisco, de Leandro Catapam, um trabalho que também usa a mídia do gif, está definido exatamente como “neoclassicismo vaporwave”, o que me criou um glitch mental durante a visita. O que diabos significa isso? Bom, como acabei de comentar, existe a questão da fixação nostálgica, o que, em resumo, define o vaporwave, que é um movimento criado por comunidades online no início desta década de 2010 e que se relaciona intimamente com os anos 1980 (em geral a sua parte mais brega), e também com videogames, com cultura pop, geek e nipônica. Uma das características definidoras de sua estética é o uso de bustos e rostos de esculturas em estilo clássico, ao modo de Giorgio de Chirico, misturados a computadores e ambientes digitais. Pois bem, isso seria o neoclassicismo vaporwave, que não tem nada a ver com o movimento europeu do neoclassicismo da virada do século XVIII para o XIX.

 

 

Ademais da construção dos trabalhos, muitas vezes excepcional, e da apreciação estética, a questão da terminologia confusa da arte digital demonstrou, pelo menos aos meus olhos enquanto eu estava refletindo conceitualmente sobre os trabalhos, uma trilha direcionada principalmente pela autofagia, pela auto referência e pela nostalgia. A meu ver, isso estreita um pouco os horizontes temáticos da produção. Mas se pensarmos de uma maneira lógica como faz o otimista Scorsese, isso não é um problema, é apenas o primeiro passo. Como as artes em tempos atuais direcionam-se completamente pelo subjetivo individual, e não mais por escolas coletivas de estilos compartilhados, talvez esse seja mesmo um vislumbre do futuro numa exposição que une obras que, apesar de compartilharem o status de “arte digital”, nada têm a ver uma com a outra, estética e conceitualmente falando. Não tenho como dizer que isso seja bom ou ruim. É, para mim, apenas curioso.

 

Espero que a The Wrong continue a visitar essa minha cidade com grandes curadorias, como foi no caso da Subli_me, e mal vejo a hora de que os artistas rompam as barreiras impostas pelos discursos dos seus próprios materiais e atinjam, com toda a força que tiverem, o humano.

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No mais, meus maiores cumprimentos a Flávio Carvalho e Guilherme Zawa.

 

Vinicius Ferreira Barth

 

 

[1] A pintura, após dezenas de séculos de história e de obras fundamentais, começou a voltar-se declaradamente para si mesma, em termos de metaprodução e reflexões sobre os próprios materiais, apenas no séc. XX. Fica a questão para se pensar. Isso não tira todos os méritos dessa produção digital.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_empty_space height=”52px”][vc_video link=”https://vimeo.com/172887289″ align=”center”][/vc_column][/vc_row]

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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