InterrogatórioPor aí

Interrogando John Felice Ceprano

imagem: foto do artista feita por Harry Turner (2019)

Interrogamos John Felice Ceprano, escultor que já faz parte da paisagem nas Remic Rapids em Ottawa, Canadá. Confira abaixo a entrevista exclusiva.


“Os interesses do público nas rochas equilibradas permitem uma relação com o ambiente e com a terra como provedora de vida, que requer a nossa proteção. A gratidão e a surpresa do público servem como inspiração também para mim, então a experiência é circular.”

Como, onde, quando e por quê.

Do começo? Isso foi há muito tempo, mas vamos lá. Bom, eu comecei em Providence, Rhode Island, em 1947, e tive uma ótima infância sendo o filho único de pais muito gentis e amáveis. Com 10 anos de idade, decidi tornar-me meteorologista, e eles me compraram toda uma estação climática, e eu desenhava mapas de tempo duas vezes por dia, religiosamente. Eu gostava de estudar matemática e ciências, e também desenho e caligrafia. Meu primeiro emprego foi como pintor de letreiros ainda no colégio.

Em 1966, comecei uma graduação em Física, mas passados dois anos iniciei uma graduação em Belas Artes na Universidade de Rhode Island, e recebi uma bolsa em 1970. Ainda em 1970, visitei o Canadá pela primeira vez e me apaixonei pela abundante beleza natural dessa terra, e me estabeleci em Ottawa em 1973.

Durante os anos 1970, aquarelas e monotipos eram super divertidos, e em 1982 decidi fazer um Mestrado em Fotografia no Rhode Island College, com um estágio em História da Arte. Continuei o estudo em fotografia na Universidade de Ottawa até 1990.

Mas em 1986, descobri a ‘escultura de rochas equilibradas’ em Remic Rapids, no Ottawa River. Era um ligar isolado e quieto na época, e por isso fiquei muito surpreso quando a mídia local veio me entrevistar em 1987. Recusei dar a entrevista, mas o operador de câmera era tão engraçado que acabei aceitando, apenas por diversão. Assim que a matéria foi ao ar, muitas pessoas foram atraídas para esse lugar, e a partir de então haveria um público.

Em 1989 eu recebi uma concessão do Canada Arts Council, que na verdade submeti como uma brincadeira. Continuei a fazer o projeto em todo verão durante os anos 1990, e o governo federal ofereceu um contrato para o projeto em 1998. Logo comecei a fazer esculturas permanentes em pedra, que eram como as esculturas equilibradas, mas com a adição de gravuras e empreiteiras paisagísticas.

A Ottawa Rock Art Inc. foi fundada em 2009, com o intuito de produzir o ‘art of rock balance’ nas Remic Rapids juntamente com artistas de performance e workshops, bem como projetos de esculturas permanentes.

O projeto recebeu um Prêmio de Excelência, Espaço Público & Espaços Cívicos da cidade de Ottawa em 2015, e em 2017 o local das Remics Rapids foi denominado como ‘parque cultural’, e foi parte dos destinos da comemoração do 150° Aniversário do Canadá.

Vou começar perguntando sem rodeios: por que rochas?

Em 1986 eu descobri as Remic Rapids enquanto andava de bicicleta ao longo do Ottawa River. Fui atraído pelo som das corredeiras e pela vasta paisagem natural. O primeiro dia foi simplesmente de meditação e desfrute da água e do sol. No entanto, o rio tinha retrocedido muito já na segunda visita, expondo um raso leito de calcário e abundantes pedras por toda a parte. Minha curiosidade voltou-se a elas, e ao final do dia havia criado o primeiro trabalho de land-art. Organizei as pedra numa linha, como uma represa, para canalizar o rio até um local seco, apenas por diversão. Sem querer, a linha de pedras refletiu a distante silhueta da cidade. Assim foi plantada a semente da inspiração, e assim falaram as pedras.

A prática em Meditação, somada ao estudo do Taoísmo e do Xamanismo, desde os anos 1960, criou esse interesse em viver uma ‘vida balanceada’, e as pedras viraram uma manifestação física desses valores. Equilibrar pedras era como equilibrar a mim mesmo, desligando o ‘diálogo interno’.

Como você se sente com o seu trabalho sendo parte não só de paisagens tão bem conhecidas, mas também de tantas performances de outros artistas?

As Remic Rapids eram, em 1986, um local favorito de festas noturnas. Eu construía as esculturas durante o dia e elas eram destruídas à noite. Então cada dia era uma experiência nova e divertida. Senti-me logo obrigado a ‘ajeitar o lugar’, e inocentemente virei seu zelador. Esse trabalho é hoje dividido com muitos outros, protegendo esse local mágico como uma comunidade.

De 2012 a 2014 a Ottawa Rock Art hospedou a BAWI, Balanced Art World International, com artistas do ‘rock balance’ e da land-art vindos desde o Japão, Europa, Brasil, Estados Unidos & Canadá. O conceito do festival se originou na Itália em 2011, e continua em muitos lugares. Virou um tipo de movimento, e há muitos artistas equilibradores de pedras ao redor do mundo, que se estabeleceram na ‘arte do equilíbrio’.

Quando você sabe que um trabalho seu está pronto?

Quanto se torna equilibrado com as outras esculturas e com todo o espaço da instalação. Espaços abertos são equilibrados de maneira igual, como são as pedras. Meu lema é que “tudo tem que se encaixar naturalmente, como se estivesse lá desde sempre.” Aí está pronto.

Fale sobre a sua produção em outros meios. Eles se relacionam de algum jeito com as suas esculturas em pedra?

Eu gosto dessa pergunta porque é uma que tive que desvendar. As esculturas são muito impessoais, enquanto a pintura e a fotografia são muito pessoais. Um equilíbrio entre 2 e 3 dimensões, bem como entre público e privado.

Desde que comecei nas práticas de arte em 2 dimensões, a composição sempre foi uma parte essencial de qualquer obra.

Uma dimensão afeta a outra, mas como isso acontece não é tão óbvio como podem achar. Eu nunca pintei as esculturas; outras pessoas o fazem muito bem. Mas as pinturas que faço são influenciadas pelas esculturas. Cada projeto de uma temporada influencia as mudanças na pintura realizada durante os meses de inverno. Todo ano é um desafio estar rodeado por gente durante 8 meses, para então estar sozinho no estúdio por 4 meses. É tipo uma viagem esquizóide bipolar que não entedia nunca, haha.

Colour Farm (2016)

Se alguém te dissesse que a escultura e a pinturas são mídias obsoletas, o que você diria?

Eu diria que eles não sabem nada sobre arte… O mistério estará sempre lá, e nós apenas permitimos que ele aconteça, isso é a criação! Alguns dos meus lemas… “vá fazer e não se importe”; “se você se importa, vai ser tedioso”; e “busque a alegria, não o conforto.”

O que é uma boa obra de arte para você?

Ela tem que estar viva! Fui jurado algumas vezes, e quando o trabalho aparece na tela, a resposta se dá em até 5 segundos. Ou ela permanece lá como um peixe morto, ou salta por todos os lados como um amigável cachorro.

Quem você considera serem os grandes artistas de hoje?

Há dois, Richard Serra & Christo. As “Torqued Ellipses”de Serra são uma algumas das experiências artísticas mais poderosas do século XX. No entanto, meu escultor favorito é Rodin. Ambos estão baseados no equilíbrio.

“Saffron Flags” de Christo e Jeanne-Claude estão entre as artes públicas mais poderosas que esse time criou desde os anos 1970. Também um líder em land-art.

Como as pessoas reagem ao seu trabalho? É inesperado em alguma maneira?

O público viu isso primeiro como uma diversão, e uma experiência ‘não arte’, que permitia que as pessoas tentassem elas mesmas. Eu posso concordar facilmente com essa lógica, porque sempre acreditei que há um artista latente em cada pessoa. Ninguém me ensinou a fazer ‘esculturas de pedras equilibradas’, então nenhum professor é necessário… uma experiência muito libertadora para qualquer um. Os interesses do público nas rochas equilibradas permitem uma relação com o ambiente e com a terra como provedora de vida, que requer a nossa proteção. A gratidão e a surpresa do público servem como inspiração também para mim, então a experiência é circular.

Quais são suas principais influências e heróis?

Carlos Castaneda é o Numero Uno. Por que um antropólogo? Bom, ele forneceu a percepção da terra como um ser autoconsciente, que oferece energia e bem estar. Sua relação com um xamã foi a inspiração mais iluminadora para meu estilo de vida e de trabalho.

Número dois seria Lao Tzu e o Taoísmo. O Taoísmo fornece a essência do equilíbrio, da harmonia, e da orientação com a natureza e os seres humanos. O equilíbrio das rochas talvez nunca fosse realizado sem essa prática, que começou ao mesmo tempo em que descobri Carlos Castaneda nos anos 60 e 70.

Posso incluir Jimi Hendrix, que tive sorte suficiente de assistir gratuitamente no centro da primeira fila em 1968? Eu fui dominado por seu som e poder, e deixe que tudo isso fluísse naturalmente, “como castelos feitos de areia que se desmancham eventualmente no mar” (“like castles made of sand that melt into the sea eventually.”) (sic)

Como você se relaciona com o termo ‘Arte Ambiental’? Você se considera parte disso?

Bom, já que tempo & clima permanecem sendo um hobby, e que o ambiente é a minha casa… O termo ‘Arte Ambiental’ não funciona para mim, então prefiro ‘Arte Pública’. Parece cobrir muito mais território e artistas ‘de todo o tipo’.

Quais são suas principais referências culturais?

As First Nations, ou povos indígenas, das Américas do Norte, Central e do Sul. Em particular o povo Innuit do norte do Canadá. Seu folclore e estilo de vida são muito respeitados. Devo incluir os filósofos da China Antiga, e a minha herança cultural Italiana, que é parte vital da minha personalidade.

Existe algo que você sempre quis responder e nunca te perguntaram? Se sim, por favor responda. =)

‘Ah, ei você, Ceprano, quem é você?’

Minha resposta:

‘Eu sou você num outro tempo.’

HA*

Veja mais em: http://www.jfceprano.com/


ENGLISH VERSION

How, where, when and why.

From the beginning? That was a long time ago, but here we go. Well, I began in Providence, Rhode Island, back in 1947, and had a great childhood as an only child, and my parents were very kind and loving. By the age of 10, I decided to become a meteorologist, so they bought an entire weather station while I drew weather maps religiously twice a day. I enjoyed studying math and science, but also drawing and became a calligrapher, my first job was as a sign painter while in high school.

In 1966, I began a degree in Physics, but after 2 years, began a Fine Art degree at the University of Rhode island, and received an arts scholarship in 1970. Also in 1970, I visited Canada for the first time, and fell in love with the abundant natural beauty of the land, and settled in Ottawa in 1973.

During the 1970’s, water-colours and mono-types were great fun, and in 1982, decided to do an MA in Photography at Rhode Island College, with a Graduate Assistantship in Art history. I continued study in photography at University of Ottawa until 1990.

But, 1986, I discovered ‘rock balance sculpture’ at Remic Rapids, on the Ottawa River. It was an isolated and quiet place at the time, so I was very surprised when the local media interviewed me in 1987. I refused to do the interview, but the camera man was so funny, that I accepted, and just had fun with it. Once it was aired on tv, the site attracted a lot of people, and there was now an audience.

In 1989, I received a Canada Arts Council grant, for the project, which was actually submitted as a joke. I continued to do the project every summer through the 1990’s, and the federal government offered a contract the project in 1998. I soon began making permanent rock sculptures, which were like the balanced rock sculptures, with the addition of carving and landscape sub-contractors.

Ottawa Rock Art Inc., was established in 2009. The mandate of the company was to produce the ‘art of rock balance’ project at Remic Rapids with performance artists and workshops, as well as the permanent sculpture projects.

The project received an Award of Excellence, Public Place & Civic Spaces from the city of Ottawa in 2015, and in 2017, the Remic Rapids site was designated a ‘Culture Park’ and the project was part of Canada’s 150th Anniversary destinations.

I’ll begin by asking you bluntly: why rocks?

In 1986, I discovered Remic Rapids while I was riding my bicycle along the Ottawa River. I was attracted to the sound of the rapids and the wide open natural landscape. The first day was simply a day of meditation and enjoying the water and sun. However, upon the second visit, the river had receded substantially, exposing a flat limestone riverbed, and an abundance of rocks everywhere. My curiosity turned to the rocks, and by the end of the day I had created the first land art work. I arranged the rocks in a line, like a dam, to channel the river to a dry location just for fun. Unintentionally, the line of rocks reflected the distant city skyline. Thus, the seed of inspiration was planted, and thus spoke the rocks.

A practice in Meditation, plus study in Taoism, and Shamanism since the 1960’s, created the interest to live “a balanced life”., and the rocks became the physical manifestation of those values. Balancing rocks was like balancing myself and turning off the “internal dialogue”.

How do you feel about your work being part of well-known landscapes and of numerous performances by other artists?

Remic Rapids in 1986, was a favourite night time party place. I’d build the sculptures during the day, and they’d be destroyed every night, so each day was a new and fun experience. I soon felt obliged to ‘clean up the place’, and innocently became its’ steward. That stewardship today is shared with many others, and protect this magical site as a community.

From 2012 to 2014, Ottawa Rock Art hosted BAWI, Balanced Art World International, with rock balance and land art artists attending from Japan, Europe, Brazil, USA, & Canada. The festival concept originated in Italy in 2011, and a continues in numerous locations. It has become somewhat of a movement, and there are many stone or rock balance artists all over the world who have established themselves in the ‘art of balance’.

When do you know a work of yours is complete?

When it becomes balanced with the other sculptures and entire space of the installation. The open spaces are equally balanced as are the rocks. My quote is “that everything has to fit together naturally, looking like it has been there forever.” Then it is complete.

Tell us about your production in other medias. Do they relate in any way with your rock sculptures?

I like this question because it is one I have had to figure out. The sculptures are so impersonal, while the painting and photography are very personal. A balance between 2 & 3 dimensions, as well as public versus private.

Since I began in the 2 dimensional art practices, composition has always been essential part of a any work of art.

One dimension does effect another, but how it does so is not so obvious as one may think. I have never painted the sculptures, other people do that rather well. But, the paintings I do are also influenced by the sculptures. Each season’s project influences the change in painting during the winter months. It is a challenge each year to go from being surrounded by people for 8 months, to being alone in the studio 4 months. Kind of a schizoid bi-polar ride which is never boring, ha ha.

If someone told you that sculpture & painting are obsolete medias, what would you say?

I’d say they know nothing about art… the mystery will always be there, and we just allow i to happen, that is creation!. A few quotes I live by… “go do and don’t care”, “If you care, it get’s dull”, and “seek joy, not comfort”.

For you, what is a good work of art?

It has to be alive! I’ve been on a few juries, and when the work shows up on the screen, the response is within 5 seconds. It either lay there like a dead fish, or it jumps all over me like a friendly dog.

Who do you consider a great artist today?

There’s two, Richard Serra & Christo. Serra’s “Torqued Ellipses” is some of the most powerful art experiences of the 20th c. Yet, my favourite sculptor is Rodin. Both rely upon balance.

Christo and Jeanne-Claude’s “Saffron Flags” is among many powerful public art powerful productions this team has created since the 1970’s; also a leader in land art.

How do people react to your work? Is it in any way unexpected?

At first, the public saw it as a playful, and a ‘not art’ experience, which allowed people to try it for themselves. I can agree with that logic very easily, because I have always believed there is an artist waiting in every person. “No one taught me how to make ‘balanced rock sculptures’, so no teacher is required… a very liberating experience for anyone. The publics’ interests in the balanced rock sculptures allows a relationship with the environment, and the earth as a provider of life, which requires our protection. The publics’ gratitude and wonder serve as an inspiration for me as well, so the experience is circular.

Who are your main influences and heroes?

Numero uno is Carlos Castaneda. Why an anthropologist? Well, he provided the perception of the earth as a sentient being, and that it offers energy and well being. His relationship with a shaman has been the most enlightening inspiration for my work and life style.

Number two is Lao Tzu and Taoism. Taoism provides the essentials of balance, harmony, and guidance with nature and human beings. The balancing of rocks may never have been realized without this practise, which began at the same time as discovering Carlos Castaneda in the 60’s & 70’s.

Can I add Jimi Hendrix, whom I was fortunate enough to see for free, front row centre in 1968? I was overwhelmed by his sound and power, and allowed everything to flow naturally, “like castles made of sand that melt into the sea eventually.” (sic)

How do you relate to the term ‘Environmental Art’? Do you consider yourself part of it?

Well, since the weather & climate remain a passionate hobby, and the environment is my home. The term ‘Environmental Art’ doesn’t work for me, so I like the term ‘public art’, it seems to cover a lot more territory & artists ‘all sorts’.

What are your main cultural references?

First Nations, or indigenous peoples, from North, Central & South America. The Inuit people of Northern Canada in particular, their folk lore and life style is highly respected. I have to add Ancient Chinas’ philosophers, and my Italian cultural heritage., which is a vital part of my character.

Is there something you always wanted to answer and nobody ever asked you? If yes, please answer it. =)

‘Ah, hey you, Ceprano, who are you?’ My answer…’ I am you at another time.’

HA*

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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1 Comment

  1. OBRIGADO…. Bello lavoro* Well Done*

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