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Imagem: Rembrandt – detalhe de autorretrato (1659)
[/vc_column_text][vc_column_text]Um passeio pela concreta contemplação de Rembrandt. Marlon Anjos nos fala sobre o estilo de pintura e a profunda problematização do “eu” no mestre holandês.
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“Un hombre se propone a la tarea de dibujar el mundo. A lo largo de los años puebla un espacio con imágenes de provincias, de reinos, de montañas, de bahías, de naves, de islas, de peces, de habitaciones, de instrumentos, de astros, de caballos y de personas. Poco antes de morir, descubre que ese paciente laberinto de líneas traza la imagen de su cara.”
Jorge Luis Borges, no epílogo de El Hacedor (1960).
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O nome Rembrandt, além de qualquer outro, tornou-se sinônimo de valor. Na 31 Jane Street, entre a Oitava Av. e lendária Rua Hudson, encontra-se um dos melhores Hotéis de NY, e seu nome é Rembrandt. Pouco ou nada que lembre o mestre holandês é conservado no local. Esse nome surge como signo ao agregar noções diferentes, embora convergentes, de valor.
Seu nome era Rembrant Harmenszoon van Rijn. Harmenszoon significa que era filho de Harmen, van Rijn se refere ao local em que sua família morava, perto do rio Reno. Por razões misteriosas adicionou o “d” silencioso à sua assinatura, passando a assinar Rembrandt em 1633. Ele, Rembrandt, elevou o autorretrato como seu modo de expressão artística fundamental, gerando uma forma de biografia íntima. Produziu dezenas de autorretratos. O motivo dessa produção é misterioso. Ele também se inseria em outras pinturas que realizou, como se testemunhasse, por meio da pintura, a própria história acontecendo em tempo real.
Procurava ser um modelo no sentido teatral, contemplando a si mesmo e se apresentando como tal. Sabia que os acontecimentos humanos são por natureza observáveis, e sua figura, assim como a de outras pessoas, surgem como num palco em todas as suas pinturas.
O autorretrato foi um meio que permitiu a autoinvenção do artista como ator dentro da cena. Assistiu como espectador a sua teatralização no espaço do atelier. A representação teatral não só é observada do seu interior, do ponto de vista do ator, mas também do exterior, do ponto de vista do espectador.
Para performar em seu atelier, comprava lotes completos de vestimentas antigas. Uma maneira de construir identidade social numa sociedade de rápidas mudanças, assim se escondia por trás da ideia de modelo. Como modelo de suas pinturas, em apenas um dos exemplos, pintou a si mesmo entre os que crucificaram Jesus. Sabia que não seria absolvido devido à vida que levou, e não foi ludibriado com a ideia de salvação.
Em traje renascentista celebrou o seu casamento afortunado e as vantagens que obtivera ao desposar Saskia, filha de um burgomestre holandês. A união feliz de um artista que se casa com uma mulher de categoria superior à dele foi exagerada, existe tensão entre as figuras, mas Rembrandt parece não se importar e até parece zombar e rir de sua esposa, que está sentada em seu colo, pelo prejuízo financeiro que a aguarda após essa união. Talvez essa seja apenas uma brincadeira íntima entre jovens recém-casados, pois Rembrandt era filho de moleiro e sua esposa de família abastada.
Tal como Shakespeare, ele era capaz de penetrar fundo na pele de todos e saber como se comportaria em todas as situações. Isso é evidente para quem olhar com atenção para as representações de cenas mitológicas e bíblicas que produziu.[/vc_column_text][vc_single_image image=”6737″ img_size=”full” alignment=”center”][vc_column_text]
Rembrandt e Saskia (como o filho pródigo).
Óleo s/ tela, 16 X 13 cm
Gemäldegalerie Alte Meister, Staatliche Kuntsammlunge
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Ele problematizou a personalização humana ao nível de Shakespeare. O efeito do trabalho de Rembrandt foi levar outros artistas a desejarem se passar por ele, o paradigma da individualidade foi imprimir a necessidade de se distinguir, isolar-se e ser fiel a si mesmo e em suas obras corporificar o seu “eu”. Não de forma romântica e jocosa como um artista excluído e rejeitado pelo mundo, mas um “eu” que ele mesmo inventou e encenou em seu atelier, demonstrando que sua oficina era um palco, e todos que ali passavam eram atores interpretando papeis sociais. Ele criou um modo de ser e estar aqui. Identificar e reconhecer esse “eu” chamado Rembrandt que ele inventou e registrou recobrindo com tinta é um jogo que a sua pintura oferece.
Mas nem tudo poderia ser invenção, pois nem mesmo a Mona Lisa poderia sempre sorrir. Testemunhou seus 4 filhos morrem, assim como a morte de sua esposa e de cada uma das suas amantes. O luto foi perpétuo em sua vida.
Rembrandt viveu além de sua renda, dilapidando a sua fortuna como na parábola do filho pródigo. Em 1656 declarou insolvência, estava em ruínas, foi obrigado a fazer um acordo com o tribunal para evitar falência. Vendeu sua rica coleção de antiguidades a preços irrisórios. Quatro anos depois, foi proibido de vender como pintor pela guilda de pintores de Amsterdã.
Em 1655, em trajes de pintor, não mais vestido como um nobre renascentista, surge seu rosto em grande parte na sombra, o que contrariava os retratos da época, pois retratar em meia-luz era a forma de representar os melancólicos e os perturbados. Seu rosto é apresentado em seus últimos anos, não um belo rosto, mas um rosto em que o tempo trabalhou, vagarosa e cuidadosamente, como um artista: gravando linhas com calma e sem rancor, inserindo o peso dos anos em cada goma de sua fase. Rugas, rubores, flacidez, vincos e, aparentemente, uma boca flácida, já sem dentes, formam um Rembrandt decrépito.[/vc_column_text][vc_single_image image=”6736″ img_size=”full” alignment=”center”][vc_column_text]
Rembrandt. Autorretrato com boina, 1655.
Óleo sobre painel, 48,9 x 40,2 cm.
Museu Kunsthistorisches
[/vc_column_text][vc_column_text]Vários autores afirmam que Rembrandt pintou a si mesmo sem vaidade. Discordo desses autores. O autorretrato é pura vaidade. Ele deveria admirar até a sua imperfeição, e fez dessa forma pois sabia que era universal. Desejava que seus autorretratos fossem admirados da mesma forma que as imagens de santos e deuses mitológicos.
Em 1655 ele nos entrega uma pose frontal direta. Essa é a face de alguém real, uma face tangível. Deve ter se observado sinceramente num espelho sem se preocupar em posar ou em se embelezar. Percebemos o olhar penetrante de um pintor que examina atentamente as feições sempre disposto a aprender mais sobre mistérios humanos.
Qual é o objeto de seu olhar e quão profundo ele pode ver? Para quem ele olha? Para nós? Para si mesmo? Para a arte que ele criou?
O seu olho não é apenas uma ferramenta analítica, é também o olhar de alguém que implora simpatia, o seu corpo exala calor e, também, o seu sofrimento e solidão. O artista solitário que ele inventou na tela persistiu.
Quando a vida partiu de seu corpo, em 1669, não deixou outros bens além de suas roupas sujas e seus utensílios de pintor. Foi enterrado como indigente em um túmulo sem identificação em Westerkerk. Sua lápide não carregou o seu nome.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]