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Imagem: detalhe dos controversos Girassóis Yasuda de van Gogh (1888?), cuja autoria ainda é debatida.
[/vc_column_text][vc_column_text]O enorme peso da dúvida entre a falsificação e a veracidade. Saiba mais sobre os problemas de autenticidade que acompanham as diversas obras de Vincent van Gogh, e como eles impactam o universo das artes e o mercado. Por Marlon Anjos.
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“Eu esqueci de perguntar que tipo de absolvição você deseja.
Existem três possibilidades: a absolvição definitiva, a absolvição aparente e o adiamento por tempo indeterminado”.
Franz Kafka, O Processo
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Vincent van Gogh (1853-1990), o mais celebrado e mistificado artista, gênio incompreendido que vendeu pouco em vida – acreditam que ele tenha vendido apenas uma obra ao seu irmão, Theo –, e cujas obras atingem hoje preços recordes, e que faz com que museus e galerias do mundo inteiro recebam milhões de pessoas quando sua obra está em exposta, está associado, principalmente, à série girassóis:
“Você sabe que Jeannin tem a peônia, Quost tem o hollyhock, mas eu tenho o girassol, de certa forma” – revelou para seu irmão Theo, na carta 573. Para Vincent, os girassóis, mais do que uma identificação, simbolizam a gratidão em meio a um grito de angústia, como definiu a sua irmã na carta 856. Segundo o historiador holandês Jan Hulsker (1907-2002), um dos principais estudiosos de Vincent, que publicou o catálogo Raisonné de sua obra em 1978, revisto em 1989, e novamente revisto e ampliado em 1996, sugere que a série de girassóis, talvez mais do que qualquer outra de suas pinturas, fizeram-no conhecido em todo o mundo. Cita ainda que muitas vezes são as únicas obras com as quais ele é identificado. Para David Brooks (1961-), que estudou por décadas a obra de van Gogh, responsável por um catálogo raisonné virtual do artista, ele teria pintado onze quadros sobre a temática dos girassóis em toda a sua vida, dos quais apenas dez podem ser visitados atualmente, pois um foi destruído pelo fogo durante a segunda guerra mundial. Especialistas discutem a possibilidade de algumas destas obras serem, em realidade, falsificações. O mais controverso “van Gogh” é a pintura conhecida como os Girassóis Yasuda – apontada como uma falsificação por Hulsker.
Uma das duas obras em posse da National Gallery foi posta em leilão, em Londres, pela Christie’s em 1987 e comprado pela Yasuda Fire and Marine Insurance Co. por US $ 39,9 milhões, o maior valor pago por uma obra até então.
Martin Bailey afirma que quando a obra foi associada como sendo uma falsificação, milhões de dólares entraram em jogo, assim como a reputação da casa de leilão que comercializava a obra. Os encargos mais extremos vieram de Benoit Landais. Seu sucesso em manchetes foi convidativo a uma indústria de amadores entusiastas que argumentavam, uns com os outros, sobre a obra enigmática. O motor do mundo da arte entrou em movimento. Especialistas foram atraídos para a briga. Suspeitas sobre falsificações de van Gogh atingiram obras em alguns dos melhores museus do mundo e provocaram debates entre especialistas. A opinião entre a autenticidade das obras foi dividida, e sobre algumas obras, como o Girassóis Yasuda, ainda recai a dúvida. Em resposta a estas dúvidas crescentes, muitos museus retiram as obras suspeitas de van Gogh da vista do público ou manifestaram “autenticidade inquestionável” de suas obras em acervo. O Museu Van Gogh, por exemplo, retirou quatro obras de exposição e submeteu-as a uma completa bateria de exames para atestar suas autenticidades.
Contudo, os Girassóis Yasuda tem levantado suspeitas, não só porque a pintura não é mencionada nas cartas de van Gogh ou no inventário de suas pinturas que foi elaborado logo após sua morte, mas porque sua proveniência pode ser rastreada até Émile Schuffenecker (1851-1934), pintor amigo e admirador de Vincent.
Émilie Schuffenecker foi um pintor que conheceu Paul Gauguin (1848-1903) quando ambos estavam trabalhando no mercado de ações em Paris. Como Gauguin, Schuffenecker abandonou o comércio de ações e dedicou-se à arte. Ficou conhecido por ser um colecionador precoce das obras de van Gogh e outros pintores do modernismo. Vale mencionar que Schuffenecker comprou o que é hoje mencionado como Girassóis Yasuda quatro anos após a morte de Vincent, ou seja, em 1894. Alguns esboços e desenhos provam que Schuffenecker estudou cuidadosamente as obras de van Gogh que estiveram em sua posse. O Museu Van Gogh tem uma cópia realizada por Schuffenecker, em pastel, do autorretrato de Vincent com orelha enfaixada. É importante destacar o fato dele copiar um autorretrato, e não uma outra obra qualquer. Sabe-se também que ele produziu um esboço de A Arlesiana, que foi recentemente descoberto na Frick Art Reference Library, em Nova York. Cumpre informar que Schuffenecker modificava e finalizava as obras de van Gogh que considerasse incompletas. Isso nos obriga a pensar que, em se tratando de autenticidade nas obras de van Gogh, deveríamos primeiro recorrer à porcentagem de “original” nas obras do artista holandês, visto que seria difícil balizar em que medida ocorreram intrusões por Schuffenecker, e qual a profundidade de seus atos. Cita-se ainda que desde o final dos anos 1920, Schuffenecker é suspeito de ter imitado e realizado falsificações das obras de outros artistas contemporâneos, incluindo Vincent.
Além do exposto, o motivo pelo qual torna-se especialmente difícil detectar muitos falsos van Gogh, segundo o jornalista Timothy Ryback, é que algumas obras fraudulentas foram pintadas durante a vida do artista ou imediatamente após a sua morte e, assim, entraram no mercado em simultâneo com muitos originais. Isso leva a pensar que a suposição geral de que o gênio de van Gogh não foi reconhecido até pelo menos quinze anos após a sua morte não é verdadeira. Após o falecimento de Vincent, em 1890, Theo recebeu muitas cartas de condolências, inclusive de vários artistas: Paul Gauguin, Camille Pissarro (1830-1903), Claude Monet (1840-1926), Armand Guillaumin (1841-1927), Georges Seurat (1859-1891), Paul Signac (1863-1935) e Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). Dentro de uma década após a sua morte, colecionadores e o público em geral começaram a apreciar suas obras. Ocorreram grandes exposições do artista holandês e o comércio de suas obras floresceu, e isso trouxe juntamente uma enxurrada de obras falsas para o mercado. Para somar pontos ao conto, acredita-se que umas das primeiras exposições da obra de van Gogh tenha sido realizada por Schuffenecker, em 1901.
Sabe-se que a afirmação de que o quadro Girassóis Yasuda em realidade era falso partiu da renomada especialista em arte Geraldine Norma. Após a compra da obra pela Yasuda em 1987, Norma declarou que a obra foi forjada por Schuffenecker, informando também que não havia menção à obra nas cartas de van Gogh ou em qualquer outra coleção de sua família. A sua argumentação foi apoiada pelo também renomado especialista Antonio de Robertis, que argumentou que o tamanho da tela, o estilo, o rótulo nas costas da moldura, junto à falta de assinatura na obra corroboraram a conclusão de que a obra fosse, de fato, uma falsificação. Se ainda isso não fosse suficiente, sete outros especialistas, incluindo Jan Hulsker e o polêmico Thomas Hoving, dentre outros, reiteraram a acusação. Pode-se dizer que foi a primeira vez que tantos especialistas juntos apontaram que uma mesma obra em realidade é falsa.
Diante desse diagnóstico eminente, parecia que a obra seria relegada a ignomínia, o mesmo que ocorre quando uma obra de renome em uma instituição de prestígio é apontada como sendo falsa.
Contudo, os vendedores da pintura sempre negaram que a obra fosse uma falsificação. Mas não negaram que Schuffenecker tocou na pintura, afirmando que ele deve ter restaurado a obra, e, assim, fez pequenas adições à peça. Também não quiseram balizar a porcentagem da intrusão de Schuffenecker. Mesmo as reivindicações e inconsistências técnicas e estilísticas contidas na obra foram rebatidas. Especialistas representantes do Van Gogh Museum afirmaram que era possível encontrar “erros” similares em outras obras genuínas do mestre holandês, o que não desprestigiava a obra, e muito menos poderia ser uma prova de sua inautenticidade.
O relatório conhecido como The Tokyo Sunflowers foi escrito pelo curador Louis van Tilborgh e pela chefe de conservação e restauro Ella Hendriks, em conjunto com o instituto de Chicago. Alegaram que há sim alguma documentação sobre o quadro e trata-se de uma obra genuína. Citou-se ainda que tinha havia ocorrido um grande equívoco quando associaram a obra de van Gogh a uma falsificação.
Cumpre informar que esse caso foi extremamente turbulento e viral. Quase todos os grandes jornais mundiais escreveram ou reportaram a mensagem. Porém, quando a obra foi aceita como genuína em 2002, não houve muito barulho sobre o caso. E desde então, pouco se comenta sobre a obra.
Contudo, temos que refletir que, às vezes, uma obra de arte pode ser tão encantadora a nível de poder cegar as pessoas para o seu contexto e a sua real natureza. Da mesma forma que tomamos um Meegeren como sendo um autêntico Vermeer, podemos nos confundir com a atribuição de algumas obras notórias. Se o fantasma da dúvida ainda paira sobre a obra, ou se a voz dos renomados críticos ainda será ouvida, não se sabe. No entanto, temos em vista que o mundo da arte é constantemente bombardeado com afirmações de que determinadas obras em realidades são falsas. E que a obra de van Gogh produziu uma série de especialistas dispostos a reclamar a atribuição. O debate em torno das obras do artista holandês não parece que irá se encerrar tão cedo.
Contudo, nem tudo está perdido. Ao longo dos últimos dez anos, dezenas de novas obras foram aceitas como tendo sido realizadas por van Gogh, e um caderno com 69 desenhos atribuídos ao pintor holandês foi afirmado como inautêntico. Resta agora aguardar os próximos veredictos.
Atualmente, reivindicações estão sendo feitas de que falsificações ocupam lugar de destaque em muitos dos principais museus do mundo, incluindo as grandes instituições como o Metropolitan, Musée d’Orsay, e, claro, não menos importante, o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, o MASP. Nem mesmo as obras do Van Gogh Museum parecem livres do peso da dúvida.
O Rijksmuseum, em Amsterdã, recebe a cada ano cerca de 150 pedidos de autenticação da obra do artista holandês, mas apenas uma pequena fração disso é sobre obras já consideradas genuínas. Ou seja, pinturas ainda não conhecidas estão surgindo. van Gogh pode ainda estar “produzindo” pinturas, mas pouco das pinturas que já produziu são levadas a escrutínio.
Por fim, se a dúvida ainda não se fizer presente no que diz respeito à atribuição das obras de van Gogh, aconselho que se faça uma visita ao acervo do MASP. No labirinto de cavaletes de vidro criado por Lina Bo Bardia, entre um Rembrandt e um Botticelli, ambos duvidosos, encontram-se dois “van Gogh”: Natureza Morta com Flores, 1884-1885 e a Arlesiana, 1890 (uma das joias do MASP), duas obras que não foram mencionadas no catálogo de Raisonné de Vincent, escrito por Hulsker em 1997.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]