InterrogatórioPor aí

Interrogando Sheila Leirner

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Imagem: Normal Rockwell – Crítico de arte (1955)

[/vc_column_text][vc_column_text]A R.Nott Magazine entrevistou a importante curadora, jornalista e crítica de arte brasileira, Sheila Leirner. Saiba um pouco mais sobre a sua visão de pontos da arte contemporânea e do papel do crítico e do curador. Entrevista por Marlon Anjos.


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“Sem um programa estético “transgressivo”, a arte contemporânea evidentemente não pode ser chamada de arte contemporânea. É outra coisa: decoração, exercício formal, programa lúdico, prática aleatória ou reiterada, etc.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Como, onde, quando e por quê.

 

 

Um pouco da minha história até hoje (com alguns detalhes saborosos, devo dizer) está no prelo e deve sair, pela Editora Perspectiva, no segundo semestre. Muitas crônicas contam o meu caminho e também os percalços. Há histórias pitorescas, algumas com personalidades conhecidas, outras não. Todas vividas. Relato certos contatos com artistas, exposições, momentos pessoais e históricos…. Há também um pouco de crítica, contos, fábulas e reflexões. Talvez seja melhor esperar pelo livro.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ “É bem verdade que se torna cada vez mais raro encontrar motivos para entusiasmo na arte dos nossos dias”. Frase sua. Por gentileza, explique:

 

 

 

A vantagem de estar vivo é poder mudar de ponto de vista. Na época em que declarei isso, de fato vivíamos num momento de impasse, após um grande florescimento. Duro, duro. Desde então, não sei bem por que razão, talvez eu mesma tenha mudado igualmente, as coisas mudaram bastante. Apareceu um novo vigor, diversas saídas, novos artistas; visitei outros ateliês, fiz contatos estimulantes, organizaram-se originais e vibrantes exposições. De alguns anos para cá voltamos a encontrar motivos para entusiasmo, felizmente.

 

Tanto que já em 2013, escrevi uma crítica muito positiva sobre a 13a Documenta e no ano seguinte cheguei a traduzir pequenos trechos do livro de Enrique Vila-Matas “Kassel no invita à la lógica” (agora já traduzido no Brasil), onde ele relata as suas impressões sobre esta exposição e a arte contemporânea que ele “redescobriu” e o marcou profundamente. Diz ele: (…) “Kassel me havia concedido dias gloriosos transmitindo-me entusiasmo e criatividade assim como um desmentido categórico do fim da arte contemporânea. Fim? De minha parte, não vi senão esplendor. E certas mudanças que aproximavam esta arte da vida. Não fui eu que aprendi com as obras de Tino Sehgal, Ryan Gander e Janet Cardiff que a arte é ‘o que nos acontece’, que a arte passa como a vida e que a vida passa como a arte?”

 

Vila-Matas sentiu, de fato, o que eu mesma havia sentido e… escrito.

 

♦ Para você, qual é o estado da arte atual?

 

 

As exposições internacionais, quando são bem-feitas e representativas como a 13a Documenta, são um barômetro. Veremos a próxima que começa este mês. Quando são exangues e pouco representativas como a última Bienal de São Paulo, não são nada. De qualquer maneira, é impossível generalizar. Não existe um “estado da arte atual”. Apesar da mundialização, das interações e interinfluências, em arte existem situações artísticas muito diversas e cambiantes, dependendo do lugar e dos grupos sociais, étnicos, geopolíticos. Há situações mais promissoras, outras menos, outras ainda onde nos sentimos em “beco sem saída”. Há também estados de efervescência, porém totalmente circunstanciais e imprevisíveis, em países específicos como alguns da África, e a China há alguns anos. Acabo de voltar de Moscou, onde estive para a sua primeira “Trienal de arte contemporânea”. Fiquei muito impressionada com a vitalidade e originalidade da ação artística na Rússia em sua totalidade – mais de 40 cidades, desde o Mar Báltico até o Oceano Pacífico. A jovem arte russa, por exemplo, ela promete! E não me parece circunstancial.

 

 

♦ Você vê o artista contemporâneo como sendo capaz de transgredir regras?

 

 

Sem um programa estético “transgressivo”, a arte contemporânea evidentemente não pode ser chamada de arte contemporânea. É outra coisa: decoração, exercício formal, programa lúdico, prática aleatória ou reiterada, etc. Segundo a etimologia crítica do termo, o artista que a faz tampouco pode ser chamado de “artista contemporâneo”. Então, a sua questão deixa de ser uma pergunta para se tornar figura de linguagem. Ela fica como se você me perguntasse se “vejo o artista contemporâneo como sendo capaz de ser um artista contemporâneo”, o que é um paradoxo.

 

 

♦ Maria Bonomi afirma que há quatro críticas: “a bem paga, a mal paga, a verdadeira e a falsa”. Você concorda? Qual o lugar da crítica e do crítico de arte na contemporaneidade?

 

 

Concordo com a Maria em número, gênero, grau e cada vez mais. A crítica de arte é, como poucas, uma “profissão de fé”. Eu sempre disse e mantenho: este trabalho é incompatível com a “atividade alimentar”. Não é agradável dizer e ouvir isso, e quem sou eu para julgar, mas penso sinceramente que se alguém quer ser um crítico ou um “curador crítico” isento, deve viver de outra coisa. Na minha opinião, críticos de arte e curadores deveriam fazer todo o possível para não ter que depender deste tipo de trabalho, condição sine qua non para que sejam respeitados.

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Há inúmeros exemplos mas lembro sempre o de José Geraldo Vieira (1897 -1977) que foi crítico em jornal, e ganhava a vida como médico. Uma pessoa maravilhosa, íntegra, jamais “comprometida” – bem diferente dos atuais “empregados culturais” autônomos ou não, que escrevem e trabalham apenas de acordo com o que ganham, com as viagens às quais são convidados, etc.

 

E tem mais: críticos e curadores críticos não podem ser livres apenas de partis pris estéticos. Em seu trabalho, eles têm que dispensar igualmente tudo que lhes é externo: família, camaradagem, ligações afetivas, privilégios, salários, comissões, remunerações, etc. Do contrário, a qualidade e probidade da análise irão sofrer. Talvez seja esta a razão pela qual a crítica e a curadoria crítica estejam em declínio, face a uma produção artística que continua vigorosa em muitos aspectos.

 

Mas, atenção! O principal é saber não misturar as coisas. Não é porque estejam em declínio que, enquanto mediadoras entre a arte e o público, o lugar delas, a sua importância e necessidade, não sejam, desde sempre, exatamente os mesmos.

 

 

 

♦ Qual obra de arte você alteraria sem pestanejar?

 

Jamais eu me permitiria alterar algo que foi concebido e realizado por outra pessoa. Obra de arte ou não.

 

 

♦ O poeta e escritor Guy de Maupassant disse que “os grandes artistas são aqueles que impõem à humanidade a sua ilusão particular”. Você concorda?

 

 

Concordo, sim. Porque conhecendo um pouco a obra e a ligação de Maupassant com os seus gigantes particulares que foram Zola e Flaubert, “impor” não quer dizer obrigar a humanidade a “engolir” a ilusão dos grandes artistas. Quer dizer que estes, de certa forma, efetuam transformações na humanidade por meio (ou a partir) de sua visão pessoal. Nesse sentido, os grandes nos obrigam, isto sim, a ver as coisas de uma maneira diferente daquela que estamos habituados.

 

 

 

♦ Qual o grande equívoco que as pessoas cometem ao falar de você?

 

Penso que é o mesmo que elas cometem com todos que possuem um trabalho “público”, sejam eles escritores, artistas plásticos, jornalistas, atores de cinema, não importa.

 

Trata-se do equívoco de misturar a pessoa pública à pessoa particular, o seu trabalho à sua personalidade, as suas ideias exteriores à sua intimidade psíquica. Mas esse é um erro no qual as próprias pessoas públicas (que não possuem preparo) também podem cair, misturando elas mesmas o que se fala sobre elas e o trabalho delas, com elas próprias.

 

Tudo é uma questão de narcisismo (e projeção) tanto do lado do público quanto do lado da pessoa pública. Pois a consequência nefasta do narcisismo é exatamente essa: o amálgama entre obra e autor. O espectador ou leitor, cujo modelo (viciado) de compreensão do outro é este, julga a pessoa pública erradamente. E as pessoas públicas, cuja compreensão de si mesmas também é esta, não suportam críticas.

 

Assim, o efeito é perverso. O público não gosta (ou gosta exageradamente) de pessoas públicas não raro por maus motivos e as pessoas públicas geralmente deixam-se atingir, tanto por críticas negativas quanto por excessivos elogios, também por maus motivos, tornando-se ou amargas ou ilusoriamente satisfeitas de si, podendo frustrar-se num piscar de olhos.

 

O círculo vicioso (pode-se dizer, “neurótico”) de projeção recíproca que se forma entre o público e a pessoa pública é, a meu ver, o grande equívoco que deveria ser evitado, de ambos os lados. Tive a sorte de descobrir e refletir muito sobre isto ainda no início de minha carreira, com – por incrível que pareça – a leitura das experiências de Baudelaire, enquanto crítico de arte. Hoje posso dizer que ele me vacinou.

 

 

♦ Você sente real admiração por algum personagem da história?

 

 

Claro! São tantos e diversos na história passada e presente que prefiro não enumerar. Além do que, detesto “listas”. Porém, admiração por personagens históricos, sim, possuir mitos jamais. Ao contrário, desde jovem, por intuição talvez, sempre me irritam as pessoas que enaltecem mitos, embora só tivesse descoberto o motivo dessa irritação na maturidade. Não faz muito tempo, não lembro em que leitura, descobri que apenas personalidades extremamente egocêntricas fabricam mitos. E por uma simples razão: como ninguém os interessa, além de si mesmos, só suportam mitos, e precisam deles, para não ficarem sozinhos com seus botões. Escrevi até mesmo uma pequena reflexão que resume isso: “se você quiser saber quem são os egocêntricos entre os seus amigos, primeiro descubra os que veneram mitos. E, depois, verifique se isso acontece justamente porque eles nunca encontram pessoas mais dignas do interesse deles do que eles mesmos. Então… fuja!”

 

 

♦ Qual foi o grande autor que você descobriu? Qual foi o grande autor que você ainda não descobriu?

 

 

Tanto quanto com os personagens históricos que admiro, os autores que descobri na vida, e os que ainda não descobri, são tão numerosos que não dá para citar. E mesmo se desse, como já disse, prefiro não fazer “listas”. Porém, a minha impressão é sempre de que justamente os autores que descubro são aqueles que nunca descubro. Quanto mais os leio, mais percebo que não os conheço. Com a arte é a mesma coisa: quanto mais descubro, mais vejo que não descobri nada.

 

 

♦ Qual é o papel do curador hoje?

 

 

O mesmo de sempre. A única coisa que muda é a arte. E se você me permitir, pularei a pergunta. Já respondi tantas vezes a esta questão que, se responder de novo, corro o risco de me repetir.

 

 

 

♦ Fale aqui sobre o que você sempre quis falar, com toda a liberdade, ou responda aquilo que nunca te perguntaram. 

 

 

O que quis falar, falei e continuo falando, com toda liberdade. Quando escrevo, seja qual for o assunto, o meu sentimento é sempre de responder ao que nunca me perguntaram, mas dizendo coisas que, imagino, algumas pessoas gostariam de ouvir. Espero não estar errada, porque este é o único estímulo que possuo em meu trabalho.

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Marlon Anjos
Mestre em artes visuais. Neoísta.

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