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Sobre a vagina na rodoviária e outras mutilações de genitálias na história da arte

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Em plena Bienal de Curitiba, um ato de censura. Marlon Anjos comenta o caso da obra alterada de Tom 14 na Rodoferroviária de Curitiba, e também fala um pouco sobre a censura da genitália na história da arte.[/vc_column_text][vc_column_text]

“Assim, a história mostra não apenas situações de grande ignorância com a preservação e a conservação das obras, mas também de desprezo.”

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          Mulher estilizada irá abraçar a rodoviária, do artista Tom 14, retrata partes do corpo feminino: os olhos, as mãos, os braços e também a vagina. Tudo de maneira singela e modesta, na qual o artista se utiliza de uma paleta cuidadosamente selecionada, beirando a monotonia. De qualquer forma, é possível entender a obra como um nu artístico, um nu que, excluindo qualquer pilosidade, não pode ser entendida como vulgar.  

 

          Na primeira semana do mês de novembro, o jornal estadual Gazeta do Povo publicou um fato ocorrido nos lances de escadas do terminal rodoviária de Curitiba. A intervenção artística, que faz parte da Bienal de Curitiba, foi motivo de polêmica, pelo fato da vereadora Julieta Reis (DEM) sentir um dissabor ao observar uma fotografia da obra. Ela, assim, solicitou à administração da URBS a seguinte intervenção; o trabalho deveria ser arrumado ou apagado, pois a representação do canal do órgão sexual feminino nas paredes da ala interestadual não era adequada. (CASTILHO, 2015)

 

          A respeito disso, o blogueiro André Machado comenta – e revela – ainda outro fato: a mesma vereadora ainda intenta propor uma moção na Câmara Municipal pela remoção das estátuas do homem e da mulher nus da praça 19 de dezembro, já que ambas as enormes estátuas estão com as genitálias expostas ao olhar de milhares de pessoas que transitam por aquele movimentado lugar da cidade. (MACHADO, 2015)

 

          O artista Tom 14 relatou ao jornal Gazeta do Povo: “Alterei a obra na última sexta-feira (30) com sentimento de renovação e esperança. É uma flor agora e era uma flor antes. Dedico essa obra a qualquer pessoa que não consiga sentir o que isso representa por causa da censura”. (CASTILHO, 2015)

 

          A intolerância, amiúde, é o aporte da iconoclastia. É comum, de tempos em tempos, a destruição de ícones de sociedades conquistadas, uma nítida forma de supressão e dominação. Era um dever de progênies de soldados subjugar os inimigos, concedendo-lhes perdão ou humilhar seu orgulho ao destruir seus ícones. Assim, a história mostra não apenas situações de grande ignorância com a preservação e a conservação das obras, mas também de desprezo.

 

          Ao que sabemos, os cristãos tinham uma maior predileção pela iconoclastia:

[/vc_column_text][vc_row_inner][vc_column_inner width=”1/2″][/vc_column_inner][vc_column_inner width=”1/2″][vc_column_text][…] “Não fará nenhuma imagem”. A proibição bíblica é nítida, E era uma vergonha ter que ser lembrado disto pelos judeus e os muçulmanos. Como todo movimento de reforma, a iconoclastia se apoia num fervor belicoso, e o sinal de convocação para a luta já está à espera: derrubemos os ídolos, queimemos as imagens. (BESANÇON, 1994, p. 203)[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

           Vale lembrar que os iconoclastas não são contra a arte. As obras atacadas não são necessariamente destruídas, mas, muitas vezes, incorporadas após serem repaginadas. Em muitos casos substitui partes ou obras inteiras por motivos florais ou animais, em outros, oculta-se parte espúrias da representação adulterando o original.

 

          O Concílio de Trento (1545-1563), como uma resposta à Reforma, foi um documento criado para assegurar a unidade da fé e o dogma eclesiástico. A arte foi eleita como um dos principais domínios do Concílio, sujeita à incisiva censura e controle. Contudo, as técnicas artísticas, como a perspectiva, eram benquistas.

 

          Uma fronteira foi instaurada contra a lascívia “contida” nas obras de arte. Luxo e luxúria eram os primeiros parasitas que deveriam ser reprimidos e combatidos da liturgia. A censura ao apelo carnal constituiu o aclive mais notório da intervenção da igreja. As intervenções tiveram como alvo as pinturas e esculturas que retravam o nu, masculino ou feminino, com ênfase em obras que não poupavam a exposição da genitália ao observador.

 

          Tal movimento permitiu intervenção no que pode ser reconhecido como um dos ícones da pintura mundial. Em 1559, O Papa Pio V, encarregou uma missão a Daniel de Volterra (1509-1566), discípulo e colega de Michelangelo (1475-1564), a cobrir as representações de genitálias na obra O juizo Final (1537 -1541), do autor florentino. Tal episódio risório lhe renderia o epíteto de braghettone – Bragas pudicas.

 

          Contudo, não foi a única, nem sequer a mais impetuosa intervenção. As medidas disciplinadoras aprovadas pelo Concílio de Trento tiveram efeitos conservadores e de incalculável retrocesso, após condenar a nudez em obras religiosas. Todas as imagens ou esculturas foram visadas, exceto o Davi de Michelangelo, por motivos desconhecidos.

 

          Assim, as representações das genitálias em pinturas são cobertas, as esculturas são mutiladas; as imagens das genitálias são substituídas ou revestidas com folha de figueira, razão pela qual a censura purgatória contra o nu ter ficado conhecida como: Campanha da Folha de Figueira.

Para se pensar na quantidade de obras alteradas, bastaria contar a quantidade de pinturas ou esculturas que apresentam o sexo coberto por folhagens.   

 

          No entanto, ao que tudo indica, a encomenda saiu pior do que o soneto – para emprestar a expressão de Bocage utilizada pela vereadora – pois as folhas que cobriam a representação do sexo mutilado, ou a sua maioria, proviam de um mesmo atelier e de poucas ou de uma única matriz. Obrigando as obras que possuem tamanhos variados a serem vestidas com a pudica roupa íntima de tamanho único, sem a devida preocupação em obedecer as medidas adequadas às esculturas: P, M ou G. Reza a lenda que os falos continuam guardados nas igrejas. Vale informar que muitas esculturas acabaram não resistindo a castração e estilhaçaram.

 

          Uma rápida observação permitiu afirmar que a atitude frente ao corpo se inverte em determinadas épocas. Se outrora a figura humana significava a pureza e perfeição, motivo honrado e honroso por aqueles que acreditavam ter sido feito à imagem e semelhança do criador, vemos que novamente o corpo é considerado algo impuro, tentação, osso e carne do pecado, algo que deve ser purgado.

 

          Devemos perceber que a arte é perigosa e sujeita à censura ou ao controle político, não tendo liberdade plena, como muitos gostariam de acreditar. O controle e a dominação da arte não vêm do conhecimento histórico, e sim de uma crença. Devemos estar alertas a respeito das motivações dos censores. Pois a potência artística sempre esteve alojada em labirintos penitenciários, partilhando espaço com seu próprio rival, o limite.

 

 

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Referências

 

BESAÇON, Alain: A Imagem Proibida: Uma História Intelectual da Iconoclastia. Trad. Carlos Sussekind. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 632p.

 

CASTILHO, Cristiano: Sob Pressão Artista Altera Obra que Retratava Vagina em Parede da Rodoviária de Curitiba. Gazeta do Povo [Curitiba, PR] 04/11/2015. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/artes-visuais/sob-pressao-artista-altera-obra-que-retrata-vagina-em-parede-da-rodoviaria-de-curitiba-6rszynk0t0nzr7okfq5n79nn6 acesso: 04/11/2015

 

MACHADO, André: Vereadora Julieta Reis (DEM) Vai Propor Remover Também o Homem e a Mulher Nus da Praça 19 de Dezembro? Blog do André Machado. [Curitiba, PR]. 04/11/2015. Disponível em: http://www.blogdoandremachado.com.br/2015/11/04/vereadora-julieta-reis-dem-deve-propor-remover-o-homem-e-a-mulher-nua-da-praca-19-de-dezembro/ acesso: 04/11/2015

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Marlon Anjos
Mestre em artes visuais. Neoísta.

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