[vc_row][vc_column][vc_column_text]Allan Falcone, colunista convidado em nossa coluna de artes Visuais deste mês, comenta o momento particular do ofício do publicitário nos dias de hoje. Amarrada entre um passado de livre pensar despudorado e um presente de imposições cada vez mais morais, para onde exatamente caminha a propaganda?[/vc_column_text][vc_column_text]
“Se antes travamos homéricas batalhas com os anunciantes pelo senso do real, por acreditar que os consumidores são inteligentes e maduros o bastante para digerir os nuances de cada mensagem, hoje subestimamos a capacidade do público de rir da vida.”
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Olhar para o passado e buscar o que há de positivo não significa estar preso a ele. Pelo contrário, denota uma preocupação real e imediata com o presente. E com o porvir.
Entre os tolos que arrogam a si o encargo de parar o tempo com as mãos e os que desejam viver sem raízes, mando ambos às favas.
A memória traz responsabilidades inescapáveis.
Não sou saudosista, mas, ao menos profissionalmente, gostaria de ter desfrutado as sutilezas de outros tempos.
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Escolhi a propaganda por acaso, mas me apaixonei por ela de propósito pois descobri em tão ilustre e desmerecida atividade um foco de resistência da liberdade de expressão.
Um livre pensar que encontra continuidade na virtuosa tradição brasileira dos despudorados. Desde Machado de Assis, passando por Nelson Rodrigues até os Trapalhões.
Na arte de propagandear marcas, essa árvore genealógica gerou alguns bastardos interessantíssimos. Como as tartarugas de chocolate com ofensas na ponta da língua ou a esposa que mete o pau no maridão em horário nobre porque ele escolheu a lavadora errada.
Hoje, além de perder a oportunidade de criar campanhas para marcas de cigarro – na época em que se fumava nos programas de TV e nas salas de aula o que, vejam, não estimo pelo ato em si mas pela simbologia implícita – assisto a uma silenciosa e bem-intencionada (admito) mudança de paradigma na profissão do publicitário.
Costumávamos ser os melhores amigos da iniciativa privada. Vendedores com glamour, tempo pra pensar e ferramentas mais sofisticadas. Trabalhávamos no lado mais divertido do capitalismo, com a consciência limpa.
Não mais. O publicitário caminha para se tornar um justiceiro social. Um soldado do exército dos benfeitores anônimos que apenas ocupa um posto estratégico para realização de tarefas moralmente superiores.
O par problema de marketing X problema de comunicação (ou seja, vender no curto prazo X construir imagem), foi substituído pela falsa esperança de que, a cada trabalho, deve-se resolver os problemas do mundo, além dos problemas do cliente. Como se coubesse logo a nós um tão pesado fardo.
Nosso co-irmão, o jornalismo, foi pelo mesmo caminho e não anda nada bem. Aliás, nem mesmo anda; manca. Não apenas, nem principalmente, mas também por isso. Por ceder à novilíngua do politicamente correto e se fechar hermeticamente em discursos recheados de conceitos-fetiche e senhas agregadoras de militância, que não traduzem a vida como ela é.
Sentindo-se excluído, o humor nacional também cedeu à onda, dando origem à insólita espécie do humor a favor. Aquele de nádegas flácidas, que se regozija em puxar o saco de autoridades mas é incapaz de insultar o amigo gordo. Aos que não entram na dança, resta a guilhotina moral.
Se antes travamos homéricas batalhas com os anunciantes pelo senso do real, por acreditar que os consumidores são inteligentes e maduros o bastante para digerir os nuances de cada mensagem, hoje subestimamos a capacidade do público de rir da vida.
Absorvemos a premissa revolucionária de que o mundo deve ser entendido a partir do ideal, sendo a realidade tangível e factual apenas uma fase transitória.
Até ontem reclamávamos da mão pesada de quem tirava alguns comerciais do ar. Agora não há mais a quem culpar, nem recorrer. Nos tornamos os nossos maiores censores. Nós somos as senhorinhas carolas e os radicais histéricos.
O tempora, o mores em que a ética é filha do discurso, a quem foi dado poder de condenar ou absolver. Caráter e conduta pessoal não mais valem sem as palavras corretas.
Nos deixamos dominar pelo medo do constrangimento e do erro e o que resta é apelar a uma realidade artificial onde, antes de mais nada, se confere a opinião de todos os possíveis interlocutores, tirando daí uma média aritmética.
Um fenômeno como esse, que primeiro abateu a cultura, a língua portuguesa, as artes e o jornalismo, chegou enfim às nossas mesas. Isto me faz pensar que daqui uns 10 anos será bastante difícil criar para qualquer cliente sem ofender a algum grupo específico. Principalmente quando se usa humor, o fiel escudeiro da propaganda criativa brasileira.
A exemplo do antigo conceito dos cigarros Carlton, a liberdade publicitária tende a se tornar um raro prazer.
Deste ponto de vista, o futuro não tem graça.
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