[vc_row][vc_column][vc_column_text]No Interrogatório deste mês, encontre-se com a fotografia do paraibano Numo Rama, em uma aula do que o ato de fotografar, em toda a sua poesia, realmente significa.
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“Certa vez um curador e pesquisador conhecido disse que meu trabalho remete aos anos setenta. Acho muito contemporâneo. Minha fotografia é rupestre, primitiva. Vejo poesia nas formas primárias.”
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Como, onde, quando e por quê
– Encontro com a fotografia
Acredito nos primeiros momentos que o encontro com a fotografia é um encontro com inquietudes. Um dia você segura a câmera e através do “olhar” desse instrumento começamos a ver tudo que nos chama atenção. Em um outro momento, tudo que é importante para você passa a ser compartilhado com a câmera, uma extensão de seu próprio corpo. O fotógrafo começa a acontecer quando quando sofre essa mutação. Daí, através da linguagem, o outro é alcançado, um vínculo passa a existir, assim, como agora nessa entrevista esse processo está acontecendo. Capturar algo com sensibilidade tem mais sentido quando amparado por um posicionamento ideológico. Quando você desloca esse manifesto em direção ao outro, isto gera reações num outro “olhar” sensível. Sem mil palavras para tentar dar sentido ao que antes valia mais que mil palavras que sempre foi o papel da grande fotografia.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
– Nos sertões
Os Sertões são muitos, precisam ser apresentados corpo a corpo. Daí rasgo, num velho land rover, algumas veredas e mostro para estranhados de outras bandas do mundo os sentidos que esse chão dá na vida das criaturas que aqui habitam, estou criado aqui e tenho que ser grato por ser parte disto tudo.
Por outro lado, o sertão tem alimentado muito corpo estranho em busca de sentido fotográfico, mesmo depois viram as costas e vão para seus redutos se encharcar de aplausos. Não entenderam onde estiveram. Infelizmente vejo as gerações contemporâneas de fotógrafos com discursos de pouco apelo. Meios dominados. Daí vem a teorização da imagem em excesso por pessoas que não sabem fazer fotografia. Acho importante a teorização das coisas. No caso da fotografia todo mundo pensa que pode fotografar e um terceiro justificar com um longo discurso o sentido da imagem. Fala-se muito e tentam explicar com malabarismo o silêncio gritante que deveria ter uma imagem.
– Formação, se é que tenho alguma…
Certa vez um fotógrafo explicador de fotografia perguntou-me qual era minha formação. Disse que não sabia, mas se ele quiser posso descrever num couro de bode todos os tópicos de minhas deformações. Há muito sofrimento na busca da formação como reconhecimento em detrimento do conhecimento. Nesse sentido você se distancia do que é mais importante: de você mesmo. Qualquer ser humano é universal, não tem escolha, mas a consciência sobre isso é um árduo processo de conquista do individuo. A formação cobrada pela sociedade é um processo externo que na maioria das vezes esmaga e distancia o ser do processo interno, onde o ser carreira predomina. Comecei filosofia, mas tive que dar uma parada por causa do rancho e dos cavalos, talvez eu termine. Só passei a entender um pouco sobre a razão depois que passei a trabalhar cavalos. Acabei descobrindo que no mundo do cavalo há um tipo de razão: a razão de ser cavalo. Para domar é importante entender isso. Tem que “falar” com o cavalo como cavalo. Nesse mundo de sábios, sou feliz sendo cavalo às vezes, viu?
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♦ Como você definiria o que faz? Você se considera um fotógrafo?
Defino como um manifesto sustentado por imagens. Uso a fotografia como meio para compreender meu próprio meio. Posiciono-me diante de uma necessidade de compreender um determinado tema e busco, sem infindáveis teorias sobre o conceito da imagem, fotografar o que penso. Na verdade tudo acontece com muita simplicidade. Muitas vezes encontro pessoas que não são do meio, mas dizem sentir algo forte quando veem meu trabalho. Isso é muito bacana.
♦ Domar e treinar cavalos e pensar a fotografia. Como se dá essa convivência, e como ela se reflete no que você produz?
É a mesma coisa. Tudo se mistura. O cavalo se comunica através de uma sutil linguagem corporal. Na fotografia acontece pela captura geométrica de uma determinada coisa. Corporificar a geometria aproxima humanidades de tuas ideias. As pessoas complicam muito e já que vivemos uma grande necessidade de reconhecimento, muitos fotógrafos se tornamos frágeis perante qualquer coisa que venha facilitar uma possível projeção de seu trabalho. Se tornam um tipo de funcionário de um conceito generalizado, conduzidos por um grupo restrito de pessoas que fazem acontecer essa fotografia. O fotógrafo sai com a câmera para ilustrar esse conceito e fotografa nessa tendência. Gerada por um conforto discursivo e visual. Há pessoas bem interessantes nesse meio, mas saem de sua linha de conforto para possíveis imersões em determinado território onde o artista atua. Daí se produz uma fotografia para poucos e com vastos gostos.
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♦ Quem são os seus personagens; de onde eles vêm?
São pessoas como eu, como meus irmãos, pais, tios. Somos todos assim personagens de nós mesmos. Não podemos fugir disto. Tudo isso é de uma beleza descomunal, acredite. Fotografo um nordeste de pessoas fortes. Um mundo onde tento juntar toda humanidade sob as sobras densas que recortam as existências de um povo e uma região marcada por preconceitos e tiranias silenciosas de políticos sem-vergonha, mas onde há muita esperança e um desejo imenso de ser feliz. Amo isso aqui e todos são bem vindos. O sertao nao é meu, apenas moro aqui e pertenço a ele. É assim.
♦ Li em outra entrevista que você considera o ensaio Ana Cristina como sendo uma ‘poesia dura’. Poucos fotógrafos encaram a própria fotografia como sendo um tipo de poesia. Fale sobre isso.
Certa vez um curador e pesquisador conhecido disse que meu trabalho remete aos anos setenta. Acho muito contemporâneo. Minha fotografia é rupestre, primitiva. Vejo poesia nas formas primárias. O ensaio Ana Cristina, antes de qualquer coisa, foi um encontro com pessoas reais e fortes, depois surgiram imagens. Vi aquela realidade, bem ao lado de minha casa, se dissipando ao fim de alguns anos. Em vinte anos não mais teremos essas cenas de um nordeste primitivo que é para mim tão real quanto a poesia. A poesia pode ser cortante ou tão lírica quanto um sonho de uma criança.
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♦ Analógico ou digital; colorido ou preto e branco. Fale sobre as suas preferências técnicas e os motivos por trás de suas escolhas.
Acredito na força de uma imagem. Uma boa imagem te cala por um momento, depois é que tentamos encontrar palavras para discuti-la. Ou não precisa discuti-la. A técnica que materializa uma fotografia diante dos olhos não importa muito. Faço analógica e uso equipamentos muito simples. Aproveito as deficiências de minha câmera para realçar minha impressão pessoal nas imagens que realizo. Uso muito panorâmico, assim posso abraçar melhor meus temas. A gente cresce por essas terras com muito espaço em volta e o formato panorâmico realça essa estética alargada que é característica próprio do sertão. Gosto de um silêncio gritante e meditativo nos ensaios. Sem muita palavra, se não seria escritor.
♦ Como surgem as temáticas para os seus ensaios? Você projeta a série antes de iniciar o trabalho ou as conexões se formam depois?
Antes de pegar na câmera e partir de encontro ao tema, vivo um envolvimento mental com o assunto, componho, crio narrativas, imagino diálogos. Quando eu estiver mergulhado no tema não quero mais dúvidas, só preciso buscar, com muita calma, as imagens que irão revelar com simplicidade e síntese um manifesto pessoal, sem impor verdades ou pressa de suprir a necessidade de mercado. Não penso nisso. Vivo um mundo muito pessoal na fotografia. Sou muito pouco fotógrafo, apenas tenho a necessidade de ver pessoas ou coisas de uma maneira mais pessoal. Daí uso a fotografia para posteriorizar momentos que de alguma maneira chamaram minha atenção.
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♦ Principais influências e heróis?
O homem vive sob influências. As minhas são incontáveis. Gandhi, admiro muito. Talvez o maior fotógrafo vivo seja Joseph Koudelka. Nao sei como está seu mental hoje depois de tanto assédio e sucesso. Mas gosto de sua política na fotografia. Ele sabe se colocar muito bem. Koudelka consegue de vez em quando parar e silenciar com imagens esse frenético turbilhão de pessoas produzindo compulsivamente imagens. Escolhe temas que gosta e não tem pressa. Talvez tenha sido, na fotografia, a maior influência que já tive.
♦ Em que você está trabalhando agora? Quais são os projetos futuros?
Estou envolvido primeiramente com movimento Alumiar de Fotografia voltado para discutir em vários campos a abordagem sobre nossos valores através da imagem. Ajudar os fotógrafos a se posicionarem com mais propriedade sobre o que se comprometam a discutir. É um movimento muito aberto. Nosso primeiro convidado foi nosso querido Orlando Azevedo. Temos no meio do sertão um espaço para mostra, onde recentemente lançamos o livro Céu de Luiz, do fotógrafo Tiago Santana.
Já na fotografia estou com dois projetos simultâneos pela primeira vez. A maior comunidade de ciganos Calon está localizada no meu estado, Paraíba. Esse projeto é longo e muito interessante. não sei quando vou terminar. O outro é sobre a homossexualidade nos sertões. Também um projeto longo e cuidadoso. Existe um mundo homossexual não pensado nessa região em que predomina o macho arcaico, predador de direitos e cheio de medos. Vou de encontro a esses temas, como quem vai encontrar amigos. Não julgo. As diferenças são o grande meio e a fotografia um instrumento amigo para entender isto tudo.
♦ Existe algo que você sempre quis responder e nunca te perguntaram?
Não, na verdade não tenho. No dia que me perguntarem, talvez eu não saiba como responder. Não mesmo assim?[/vc_column_text][vc_single_image image=”5101″ img_size=”full” alignment=”center” onclick=”link_image”][/vc_column][/vc_row]