Ruído

A estética do viral

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Depois de décadas e mais décadas de discos de ouro, de platina, top 10, Billboard e etc., a indústria musical se constrói hoje a partir do viral, dos cliques e visualizações. O que é a Estética do Viral em épocas de fama cada vez mais efêmera?


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“Nos últimos anos o grande marco de qualquer nova banda ou músico é se projetar a partir de um grande número de visualizações na rede. Viralizar é como alcançar o antigo ‘disco de ouro’”.

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Viral é o atributo de ser vírus, esses que são os menores e mais perigosos agentes infectantes que se têm conhecimento. Um vírus não vive propriamente, mas rouba a vida alheia para se reproduzir e perpetuar seu DNA, para fazer durar de geração em geração seu código genético.

 

Nos últimos anos o grande marco de qualquer nova banda ou músico é se projetar a partir de um grande número de visualizações na rede. Viralizar é como alcançar o antigo “disco de ouro”. É habitar a fama que nos é dada nestes dias de virtualidade, é fazer imortalizar o DNA de sua música. Neste sentido, a grande meta, o mega objetivo destes artistas, é construir um caminho para esse sucesso nas redes, uma maneira de se tornar conhecido, a receita para viralizar. Surge então uma nova estética e uma também nova crítica musical, que aqui chamamos de estética do viral.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

O modelo que se consagrou no século de ouro das grandes gravadoras, e até mesmo nos selos independentes, foi o formato do single. Uma música, um hit, que era disponibilizada para as rádios venderem o restante da mercadoria que era o álbum completo, e após isso garantir o sucesso da turnê. Por décadas esse modelo é que valeu. O single não está morto, mas foi adequado pelos novos valores da rede, principalmente o valor que possui uma clicada e uma curtida. A música que surge destas viralizações está ligada a uma ferramenta que magnetiza os clicks mais do que qualquer outra coisa.

 

Nesta corrida maluca pelos clicks encontramos pseudo-celebridades, antigos artistas retomando sua obra, artistas já famosos em outras plataformas tentando também se estabelecer na rede, pois ser clicado é ser visualizado, e ser visualizado é ser lembrado. Vale tudo para o marcador de visualizações virar. Este é um fato inegável: música boa ou ruim, todos querem viralizar, pois o artista deve ir onde o povo está.

 

Essas são as bases que sustentam a estética do viral: publicar, curtir, compartilhar, a fórmula da conquista pelo espaço virtual. Sustentam também uma nova crítica que não passa mais pelo viés de revistas especializadas em música, mas sim resenhas pessoais, relatos individuais de pessoas normais espalhadas por aí, em qualquer canto digital. Dentro deste espectro das viralizações, não ousamos por hora, tratar do que é bom ou ruim, somente do que é compartilhado muitas vezes, pois o que é constantemente compartilhado se torna bom na lógica das redes sociais.

 

Mas surgem algumas questões. De certa forma estamos retornando para o acontecimento da fama como somente um meio de divulgação da arte, pois é isso o viral em última instância? Um mecanismo, um meio para se tornar conhecido, e não uma forma de se tornar bom, com qualidade para revolucionar?

 

Surgem destas questões novas tentativas, novas plataformas para tentar colher algum fruto monetário desta fama, mecanismos para traduzir em bens materiais essa fama virtual, pois, como salientamos, para um click não existe qualidade. Existe sim a necessidade de se compartilhar.

 

Porém, existem alguns artistas que ainda procuram uma fama diferente. Uma suposta “boa fama” que alguns músicos procuram nada mais é do que o não esquecimento, o se perpetuar por gerações. Criar um universo de atemporal, anacrônico, trans-temporal de sua obra. Viralizar na internet pode ser isso também.

 

O lado negro desta atmosfera de clicks é que eles de nada podem valer no futuro, como se fosse uma bruma que logo se dissipará, na eminência de uma nova onda que está pra surgir. Mas não para adeptos da estética do viral. Estes apostam que a linguagem das redes e o feedback da clicada estão aí pra durar. Apostam na própria capacidade de renovação intrínseca à volatilidade da internet. Respondem às críticas ostentados pelo novo paradigma digital: ame-o ou deixe-o!

 

Não é de hoje que a arte se relaciona com a fama. Já se escutava na poesia da Ilíada a busca de Aquiles pela fama eterna, a glória da sua vida e morte repetida na obra de arte. Ser Aquiles é o que todos almejam na música, a glória dos acordes imortais, que em nosso tempo, passam pelo compartilhamento das diversas redes.

 

Alguma alma irônica diria: não seria a Ilíada uma obra que somente se repetiu muito através do tempo, clicada e compartilhada por muitos?

 

Repete-se tanto o bom quanto o ruim, apenas repete-se.

 

Todo cuidado é pouco para um viral não se tornar virose.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Juliano Samways
Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

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