Visuais

A virose múltipla do ser

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Imagem: Romero Brito, Frida (2012) 

[/vc_column_text][vc_column_text]Informações, conceitos, correntes de música, moda, ideologias, políticas e arte. E que arte surge numa sociedade que se debate constantemente num meio virtual, em meio a intermináveis ondas de ‘viralizações’ de jeitos de pensar?


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“Há dois tipos de artistas que mais são atingidos por essas ondas viróticas das redes sociais: o artista designer-hipster e o artista engajado com alguma causa bacana e popular.”

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Algo há de engraçado nesse conceito internético de ‘viral’, essa virose exclusiva dos nossos tempos que produz bandas e vídeos e clipes e etc., que estouram de um dia para o outro nas ondas da internet, arrebanhando fãs que clicam e compartilham e que, mesmo sem se darem conta das ações dos seus dedinhos no mouse, movimentam milhões de dólares nesse mercado virtual de propaganda e de fabricação de novas estrelas. Viral, a tendência fulminante dessa ágora contemporânea que é a internet, reestrutura as cadeias da criatividade dos novos e “antenados” (gíria do meu tempo, já um pouco demodê) jovens.

 

Embora seja um conceito bastante aplicado ao meio audiovisual, principalmente em plataformas como o YouTube, ‘viralizar’ conteúdos é um sintoma que se espalha rapidamente por outros âmbitos do conviver sócio-digital através de redes sociais como, basicamente, o Facebook e o Twitter. Para termos uma ideia do poder de movimento e concretização de ideias que circulam por esses meios, é só pensarmos nos protestos que aconteceram no Brasil em junho de 2013. Um exemplo prático de uma mobilização viral que carregou milhões de pessoas para as ruas, que protestavam contra os motivos diversos (e de acordo com muitos críticos, protestavam sem saber bem o porquê, acionados pela pólvora do viral). Geralmente disparada por um evento singular qualquer (no caso desses protestos o gatilho foi o aumento das passagens de transportes públicos em todo o país), a viralização de conceitos e comportamentos sociais passa diretamente por questões polêmicas, como aborto e feminismo, como vegetarianismo e cultura nerd-pop. O público adere a essas filosofias por entrarem em contato com essas grandes ondas de conceitos; aderem-se a ideologias, e se envolvem com elas, mesmo que em muitos casos apenas virtualmente. Usando como pano de fundo essa autopublicidade proporcionada pelas redes sociais, geralmente aliadas ao ‘correto’ ou ao mainstream do bem-pensar, conceitos e ideologias viralizam-se tanto quanto clipes de Justin Bieber ou do Gangnam Style. Basicamente, as pessoas sentem-se bem em estarem ligadas a movimentos bacanudos.

 

Ou será que você, ainda há poucas semanas, não era um Je suis Charlie?

 

(ou talvez um Je ne suis pas, a viralização da corrente contrária)

 

Nas artes visuais isso apresenta um sintoma bastante parecido.

 

Tal como a imagem das ondas que usei mais acima, que vão e vem, trazem coisas à praia e as levam embora logo em seguida, pode-se ver artistas indo e vindo, caindo no gosto popular como um deus brilhante redescoberto e sumindo logo depois. E, do modo como vejo as coisas, há dois tipos de artistas que mais são atingidos por essas ondas viróticas das redes sociais: o artista designer-hipster e o artista engajado com alguma causa bacana e popular.

 

A ironia hipster de uma juventude que não tem muito a oferecer culturalmente, embora com um acesso a informações incomparável na história do planeta, devora-se na auto-referência pop remasterizada em designs inovadores e cool. É uma classe artística formada por marketeiros e designers com olhos no mercado; ou, como são chamados em Buenos Aires, ‘homens-banda’, gente mantida numa eterna adolescência, que pinta, desenha, photoshopeia, anima, desenha sites, têm banda de rock alternativo, inova no design e assiste a desenhos animados. Pode ser definida como uma arte da ironia, da autofagia, que reconstrói Leonardos e Michelangelos de ‘jeitos nunca antes vistos’, em pasta de dente Tandy, em cubos de açúcar ou em M&M’s. Agrada aos olhos, deixa a desejar em sentido.

 

Há também o artista moderno instalador, que desenvolve instalações incríveis para o pessoal se chocar com peças absurdas e se divertir em espaços urbanos ou de museus reapropriados de maneiras incríveis. Geralmente funciona como uma moda, a exposição circo onde você pode ocupar o picadeiro por alguns minutos e tirar fotos para o seu Instagram.

 

O artista designer-hipster vem e vai em ondas com novidades embora produza uma arte esvaziada pela ironia, vazia também em sentido, que se converte em vislumbre kitsch para os olhos esfomeados do Facebook, que o consome e passa ao outro. A estética pop dos 15 minutos de fama, do viralizar, e do pronto esquecimento.

 

O artista engajado, por outro lado, é geralmente um artista buscado no passado e que se encaixe nos padrões socialmente aceitos e debatidos em dias atuais. Não posso deixar de colocar em primeiro lugar, no contexto sul-americano de onde escrevo, a mexicana Frida Khalo, a artista mais viral dos últimos anos. De uma certa maneira hipster-irônica, Frida encarna a simpatia menos pelo que pintou do que pelo que foi e fez. Latino americana de uma vida ferrada, estrela de movimentos como o feminismo, seu próprio rosto virou arte viral. Há exposições circulando de gente do mundo todo que pintou seu rosto; existem exposições de fotos de sua vida particular.

 

E isso é o que importa em figuras como Frida. Esvazia-se a sua própria arte, que cai em termos de importância frente a ela mesma, enquanto seu rosto kitschificado reproduz-se, tal como uma Mona Lisa americana, em montanhas de bolsas, carteiras, camisetas, cases para notebooks, acessórios, enfeites.

 

Mas a viralização de conceitos de arte também provoca efeitos negativos que é difícil saber de onde vieram. Romero Britto é um bom exemplo de arte viral negativada. Ele é o naif comercial, o big brother da arte brasileira, o arqui-inimigo da cultura erudita, odiado principalmente pelos rios de dinheiro que ganha com suas estampas que na verdade nem importam se são boas ou ruins. Ele é viralmente ruim; essa é a opinião que conta.

 

Mas penso que talvez a arte esteja um pouco perdida entre esses tipos que tratei acima. Dissolvida entre designers e marketeiros, mercado, ideologias e pré-julgamentos, a arte some em seu significado um pouco mais etéreo. De obsessivamente inovadora e compulsivamente pessoal, subjetiva, cada um faz a sua, e todos maravilham-se por um brevíssimo momento com todas.

 

Museus se aproveitam do viral. Exposições tais como as recentes de Escher e das fotos pessoais de Frida Khalo no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, atraíram multidões, e ambas mantiveram a produção dos artistas num segundo plano. Às vezes com diversão, às vezes enriquecendo contas de Instagram com instalações super bacanas, e às vezes mostrando a vida pessoal de uma heroína da vida moderna e um símbolo para a geração.

 

As coisas são assim, e é difícil determinar de alguma maneira a arte que se produz hoje em dia, fora das ondas virais.

 

Tal como um surto de ebola, padecemos uma epidemia de Fridas Khalos Romeros Brittos.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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