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Imagem: Dresden, 1945
[/vc_column_text][vc_column_text]Vinicius F. Barth apresenta a obra digital Tróiades – remix para o próximo milênio, de Guilherme Gontijo Flores. Saiba mais aqui a respeito desse monumento à destruição.
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“Penso que para o morto
pouco importa
se recebeu exéquias”
[/vc_column_text][vc_row_inner][vc_column_inner][vc_column_text]Estou tratando sobre a obra Tróiades na coluna de literatura, como que me intrometendo numa coluna sempre tão bem representada pelo seu colunista oficial, mas a verdade é que o gênero disso que trago, ou o campo de conhecimento desse trabalho, é ainda pouco definível por ser novo, e ainda assim tão antigo. A obra é de autoria do nosso colunista Guilherme Gontijo Flores, e o meu trabalho é apresentá-la na edição deste mês.[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Tróiades – remix para o próximo milênio é um poema-site, disponível em www.troiades.com.br. É uma rara, e talvez única, transformação de uma página web ela mesma em obra de arte, sem ser um showroom de uma produção em série, sem ser um portfolio. Poderia ser também uma obra visual. Poderia ser também uma escultura; a primeira digital. Poderia ser, e é, tudo isso junto. Mas prefiro encarar as Tróiades como um monumento. Como seu próprio texto de apresentação diz, um monumento ao massacre interminado da história. De Tróia até nós mesmos, nossa história conhecida e tudo o que somos nessa constante contemporaneidade, Tróiades nos obriga a ver o pior. Não de um jeito sensacional ou divertido como o de tabloides, de baixaria como no Datena, de emoção e honra grandiloquente como no soldado Ryan. Vemos ali tudo o que já é bastante conhecido, de domínio público, disponível de graça em qualquer internet, mas que não queremos ver. Trata-se de uma obra dedicada a expor, sem assumir lados, a ruína do homem causada pelo homem, a escravidão indeterminada do ser por ele mesmo.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Seu modo de funcionamento sustenta-se sobre três pilares: o texto, a imagem e o som. Em todos eles Guilherme opera da mesma maneira: recortando, traduzindo livremente, remanejando e remontado. A obra, uma colcha de retalhos de fragmentos mil, compõe-se de pedaços de tragédias antigas, de música (bastante) contemporânea, de palavras de um pensador alemão, de diversas e horrorosas fotografias do século passado, mas que poderiam ser de qualquer ponto da história. Não interessa, no fundo, que tragédias são ou que pensador alemão é esse. Assim como as fotografias, são pedaços que fazem parte de um discurso interminado (interminável) de destruição e arrebatamento.
Além disso, Guilherme fornece as referências com um cuidado acadêmico cirúrgico – e artisticamente responsável, eu diria – e faz uma apresentação do propósito dessa obra. A plataforma digital escolhida está justificada também, assim como o conteúdo, retirado, muito significativamente, do wikicommons, esse grande domínio público que pode nos fornecer esse tipo de conhecimento macabro, sombrio, e dolorosamente necessário. Se quiser saber com detalhes de que se trata cada pedaço usado na obra, clique em “Sobre” no site e faça-o. Mas diante do conteúdo principal, isso é mera formalidade. Leia a obra, ao menos uma vez, integralmente na sua Página Inicial.
Feita a apresentação, passo ao comentário, ainda que breve.
Tróiades é uma obra que incomoda do começo ao fim, e é mais do que seguro dizermos que foi feita exatamente para isso. A música é um ruído insuportável que nos faz recordar apenas a destruição – inclusive você já deve ter ouvido ruídos parecidos em instalações de museus de arte contemporânea, duvido que com o mesmo efeito – e cai como uma luva sobre a combinação visual que se dá entre texto e imagem. Estes, entre belos e dementes, carregam para frente o enredo da miséria e mostram para o leitor o quanto o humano, de dois mil e tantos anos para cá, ainda se consome nessa fumaça cinzenta e fétida que sobe das ruínas remanescentes de ideologias que nem sabemos mais quais são. Eu, pessoalmente, mantenho um certo desapreço por expressões como ‘tapa na cara da sociedade’, ‘soco no estômago’ ou ‘quebrando tudo’. Eu não acho que o Guilherme, com esse trabalho, chegou quebrando tudo. Inclusive acho que a sociedade está se lixando para obras como essa ou outras que tenham propósitos semelhantes. Mas sim, acho que Tróiades cumpre com louvor a sua missão de causar o desconforto, e, mais do que isso – já que me parece que o simples desconforto é uma finalidade miserável para uma obra de arte – nos sensibiliza com o terror do que uma raça pode fazer consigo mesma, e nos faz pensar nisso.
O Guilherme não passou por uma guerra nem viveu em miséria ou sob a ditadura, tal como a grande maioria dos poetas brasileiros que se consolidam hoje. Seu relato, no entanto, embora não seja o relato de um refugiado, torturado ou alguém completamente fudido e aleijado por ter pisado em uma mina terrestre, é um relato sincero e universal. Não é uma piscadela, mas um chacoalhão avisando que isso tudo pode acontecer de novo e de novo. Que está, inclusive, acontecendo agora.
É uma investida contra o tédio, talvez o perigo maior que possa existir para um povo jovem e burguês. Há exatos cem anos o tédio que dominava o jovem burguês levava metade do mundo ao terror da nova e desconhecida guerra. Hoje o tédio nos arrasta de novo para baixo, para a paz ocidental do entretenimento, para esse poço de armas, zumbis, videogames e filmes hollywoodianos que torna tudo tão afável e divertido. Torna tudo tão honrado. Torna as cores de nossas bandeiras mais brilhantes, mais dignas de serem defendidas contra aqueles que são nossos inimigos. Tróiades está nos alertando para esse perigo. A guerra não deve ser vista como diversão nem como brincadeira ou chacota. A guerra não deve ser vista, nunca, como uma zueira sem limites.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
Tróiades – remix para o próximo milênio
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