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Coleção Grandes Falsificadores – Han Van Meegeren

Conheça a inacreditável história de Han Van Meegeren, um dos maiores falsificadores da história da arte, e certamente um dos maiores artistas do séc. XX.

“Han foi um dos mais bem-sucedidos falsários do século XX. Um personagem sagaz que fez frente a um mundo caótico e opressor, dominado pelo Terceiro Reich, em plena turbulência da revolução da Arte Moderna.”

 

Algumas histórias verdadeiras são tão improváveis que são aceitáveis apenas na ficção. A história de Han Van Meegeren (1989 – 1947) talvez seja o retrato célebre de tal afirmação. Han foi um dos mais bem sucedidos falsários do século XX. Um personagem sagaz que fez frente a um mundo caótico e opressor, dominado pelo Terceiro Reich, em plena turbulência da revolução da Arte Moderna.

Han acumulou uma fortuna em dinheiro. Vendia seus quadros por um valor dez vezes maior que Picasso (1881 – 1973), e viu seus ‘Vermeers’ pendurados nos museus nacionais de maior prestígio. Bon vivant, acumulou uma fortuna estimada em 50 milhões de dólares, que foi esbanjada. Sem dúvida soprou uma pequena parte de seu saque em morfina, em casas na França e na Holanda, caviar e prostitutas. Só por isso, poderíamos dizer que Han Van Meegeren foi uns dos falsários mais bem sucedidos da história da arte; porém, o que impede que suas obras, seus Vermeers, sejam considerados obras genuínas? Não é o nosso papel julgar tal figura, mas depurar alguns aspectos da vida deste artista e deixar que o leitor efetue seu próprio julgamento sobre o caso.

 

“Em 1889, quando Han nasce, o realismo declinava, mas a pintura florescia. Foi em 1889 que Gauguin se afastou do impressionismo para criar algo menos naturalista, que chamou de sintetismo; e que Georges Seurat fez esboços pontilhistas da Torre de Gustave Eiffel, enquanto operários se esfalfavam para concluir essa extravagância de ferro para a Exposition Universelle. Esse foi o ano em que um desconhecido pintor holandês se internou voluntariamente no asilo de St. Paul, em Arles, onde retratou o banco de pedra e os ciprestes dos jardins; o ano em que o jovem Henri Matisse, escrivão que nunca tinha posto o pé numa galeria de arte, matriculou-se num curso de pintura em sua Saint Quentin natal. E em 1889 que Picasso, aos oito anos de idade, pintou o que se considerava sua primeira obra, Le Picador. Algo quase mágico estava acontecendo na arte ocidental. Uma centelha de loucura, uma faísca de gênio estava no ar, alimentando discussões controvérsias em Paris e Londres. Nada disso havia chegado a Deventer.”
(Wynne, 2008 p.35)

 

Han Van Meegeren nasceu na cidade holandesa de Deventer no final do século XIX. Reprimido e estigmatizado quando criança por ser o filho mais velho, teve seu talento negligenciado. Impedido de estudar arte e ridicularizado pelo pai, foi obrigado a escrever inúmeras vezes: “eu não sei nada, eu não sou nada, eu não sou capaz de nada” (Green, 1996). Apesar dessa infância trágica, Han enfrentou os pais e dedicou-se à arte. Durante seu curso na Escola Superior Burger, Han conhece Bartus Korteling (1853-1930), professor e pintor tradicionalista que tinha como modelo Johannes Vermeer, era filiado a ideia de que a arte moderna constitui uma atividade degenerada e decadente. Esse intelectual cativa o jovem Han, seja pela sua postura contra o movimento vigente, ou pelo seu profundo conhecimento sobre as técnicas de pintura da era de ouro holandesa.

Dotado de um talento extraordinário, Han Van Meegeren nasceu fora da época em que teriam reconhecido sua grandeza, já que nasceu para ser pintor mas chegou com cinquenta anos de atraso.

 

“Em 19 de agosto de 1839, Paul Delaroche, um dos pintores franceses mais populares e respeitados do século XIX, solenemente declarou: “A partir de hoje, a pintura está morta”. Paradoxalmente, fez essa declaração enquanto trabalhava para a École des Beaux-Arts, retratando a história da arte numa pintura de 27 metros. O dobre fúnebre soou em resposta ao acontecimento mais espetacular da história da arte figurativa: a doação ao mundo, feita pelo governo francês, de uma nova e fascinante patente, o daguerreótipo.” (Wynne, 2008, pág 30).

 

Tal declaração se deveu ao fato de que, na época, espalhava-se pela Europa uma nova tecnologia capaz de pintar com a luz: a fotografia. A afirmação de Paul Delaroche traz em seu bojo o que talvez tenha sido a maior crise da imagem na história da arte figurativa. Louis Daguerre, criador do primeiro aparelho fotográfico em 1839, mostrava ao mundo uma máquina capaz de congelar o instante e reconstruí-lo com “perfeição”.

No entanto, Han não estava atento às mudanças de sua época. Em sua aprendizagem praticava livremente cópias dos grandes mestres do passado, aprendendo noções formais, como perspectivas, e noções puramente técnicas e químicas. Copiar sempre foi comum entre a pintura acadêmica, era um método formalizador; “Rubens copiou e aprimorou a obra de todos os pintores que admirava, Delacroix elaborou mais de cem cópias das pinturas de Rafael e Rubens” (Wynne, 2008, pág. 67). Porém, tal prática encontrava-se em descrédito para o mundo que se apresentava.

 

“[…] o impressionismo cedera lugar ao neo-impressionismo, ao efêmero nabis, ao fauvismo; o art nouveau alcançara o ápice na exposição da secessão vienense um ano antes; o cubismo e o futurismo eletrizavam os críticos em Paris e Nova York, e as publicações especializadas já estavam repletas de termos novos como vorticismo, suprematismo e biomorfismo. Entretanto, Han pintava retratos à maneira de Van Dyck”
(Wynne, 2008, pág. 73)

 

Em 1917, Marcel Duchamp, dois anos mais velho que Han, mudaria o mundo da arte para sempre, abandonando as tintas e telas e apropriando-se de um objeto comum, transferindo-o de um contexto de objeto a um contexto alheio, artístico; um urinol da ‘J. L. Mott Iron Works’, girado em oitenta graus e assinado R.Mutt, 1917 – the font. No entanto, Han não estava atento ao seu tempo, não tinha nenhum engajamento com as poéticas modernas. Em seus trabalhos, para o escopo de sua época, nada além do virtuosismo havia em suas obra, nada que conduzisse as poéticas modernas.

Enquanto Han se preparava para receber os convidados de sua primeira exposição, Duchamp apresentara para o mundo os ready-made. “O júri do salão recusara a obra The Font” (Wood, 2002. pág. 12)

 

“Sua exposição Individual coincidiu com notórios acontecimentos artísticos; enquanto Han trabalhava em sua natureza morta que Pieter Claesz poderia ter pintado três séculos antes, em Rotterdan, apresentava-se para o mundo as obras de Piet Mondrian (lançamento da revista De Stijl). Enquanto Han pintara a tradicional “madona com o menino”, no cabaré Voltaire, em Zurique, Hugo Ball se dirigia a poetas e artistas num dos momentos mais definidores da arte do século XX – o primeiro Manifesto dada, Zurique 1917”
(Wynne, 2008. pág. 74)

 

A arte é um elemento das relações públicas. A única opinião que importava era da crítica. Se a crítica confabulasse de maneira positiva, a obra teria sucesso, se não, a porta de saída permanecia aberta; “Não há mais artistas, mas há arte. Já não são os artistas que fazem a arte progredir, mas sim os críticos. Se me perguntassem quais os personagens mais importantes da arte atual, viria de imediato ao meu espírito o nome de alguns críticos de arte”. (Restany, 1979 pág. 11)

O contato de Han com Karel de Boer foi decisivo. Boer era um notório critico holandês, e, após os elogios de sua crítica, todos os quadros foram vendidos. Segundo Wynne, Han manteve laços de amizade com Boer, mas não de fidelidade, pois nutre um caso duradouro com a esposa do crítico, que mais tarde tomaria como sua amada. Boer lamentou a humilhação pública que o submetia, e se pôs a cargo de destruir a carreira que ele próprio tinha feito; junto a seus colegas decidiu lembrá-lo do grau da influência que a voz do crítico podia ter. Em 1922, Han fizera mais uma exposição que acabou sendo um fracasso. A crítica reuniu-se para atacá-lo, e dessa forma nada foi vendido nem admirado. Da mesma maneira que Han viera à “fama”, agora descia à vergonha. Seu fracasso era eminente, suas obras foram depreciadas em jornais e textos críticos. Han sumiria na história e somente tornaria a aparecer num caso embaraçoso após a segunda guerra.

 

“Com o término da guerra em 1945, confiscaram o coleção e as pilhagens de obras de artes que o terceiro Reich conquistara. Incluía 1200 quadros, entre os quais, o astrônomo, Mulher Surpreendida em Adultério, “autênticos Vermeer”, (Feliciano, O Museu Perdido p. 55). “Os quais não tinham sido pilhados por Goering, e sim comprados por um agente em Amsterdã. Seguiriam pistas, por documentos de vendas e correspondência que o agente teria trocado com o comprador, assim chegaram a Meegeren, proprietário de um clube noturno na Holanda. Meegeren declarou à polícia que sua fortuna provinha da venda de seis Vermeer, que adquirira de uma família italiana”
(Wynne, 2008 p.189 a 195)

 

A pena para quem colaborasse com os nazistas era a morte, e a única defesa possível era admitir que todos aqueles quadros eram, de fato, de sua autoria, confissão em que o público se recusou a acreditar. O único recurso da corte foi exigir que Han Van Meegeren, então, pintasse seu último Vermeer diante de um júri.

 

“Confessou ter falsificado obras de Hals, Hoock e Vermeer, totalizando 14 obras-primas, entre as quais se incluía Cristo e os Discípulos em Emaús. Com essa declaração Meegeren abalou a reputação de Abraham Bredius crítico renomado que gozava da atribuição da descoberta dos novos Vermeer, e também de todos os conhecedores da arte holandesa da era de ouro. Contudo, o júri duvidou, caindo em gargalhada, Han respondeu: […] eu provo, preciso ter acesso ao meu ateliê, aos meus pigmentos, às minhas telas. E, se é para criar, preciso de morfina para manter a calma. Mas vou lhes pintar uma obra prima.”
(Ibid., p. 209)

 

Na prisão, diante de fotógrafos, fez seu último Vermeer – O Jovem Cristo Ensinando no Templo. Após tal prova de habilidade Han, contudo, foi acusado de falsificar a assinatura, e a pena foi de dois anos de cárcere. Morreria, no entanto, seis meses após a sentença.

A morte ronda o falsário, seja literalmente, como pena capital, seja culturalmente, como censura. O que por um momento era obra de arte tornara-se objeto de menor valor. Ou seja, sucedeu o engavetamento de suas obras. Se algum objeto artístico carrega dúvida a respeito de sua autenticidade, tais objetos deixam de ocupar os espaços expositivos e ficam armazenados até o esclarecimento de suas autenticidades.

 

“A arte da falsificação de Han van Meegeren desafia o bom senso porque se trata principalmente de um caso que escapa a uma classificação precisa (não sendo, nesse sentido, aliás, um caso isolado na arte contemporânea); confunde a compreensão de que o nexo entre estética e moral seja claro; balança a crença acerca da autenticidade da obra de arte.”
(Pereira, 2007, p. 3)

 

Contudo, nem tudo está perdido. E, segundo o catálogo de Vermeer, seis obras atribuídas ao artista não foram encontradas e são descritas com detalhes nos séculos XVII e XVIII, nunca tendo sido localizadas. Assim, temos apenas que esperar que o julgamento de um crítico incauto, ou o pincel de um falsário, as ressuscite.

 

 

Referências:
BREDIUS, Abraham. O novo Veermer, Burlington 71 (nov. 1937)
FELICIANO, Hector. “O Museu perdido: As conspirações nazistas para o roubo de grandes obras de arte do mundo”. Editora Basic books, 1982.
GREE, Marie-Louise Doudart de La. Geen Standbeeld voor Van Meegeren. Editora,Amsterdam: Nederlandsche Keurboekerij, 1966
PEREIRA, Humberto. A Arte da Falsificação. Ensaio, 2007. Disponível em: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1519,1.shl
RESTANY, Pierre. Os novos realistas. São Paulo: Perspectiva, 1979 (Coleção debates. Arte 137)
WOOD, Paul. Arte Conceitual. Editora Precença, Lisboa, 2002
WYNNE, Frank Eu Fui, A lenda do falsário que enganou os nazistas. Editora. Companhia das letras. 2008
Marlon Anjos
Mestre em artes visuais. Neoísta.

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