Confira o que o artista argentino Damián L. Felitte nos contou sobre o seu processo criativo e sobre as influências que vêm da infância e das ruas de Buenos Aires. Fotografia, literatura, ilustração, retrô, tudo faz parte dessa viagem a diferentes pontos da memória. Conheça aqui o seu trabalho.
- Como, onde, quando e por quê.
Bom, eu sou de Remedios de Escalada, Buenos Aires, Argentina. Minha formação é quase exclusivamente autodidata. Desde pequeno, meu pai me mostrava todo tipo de ilustrações e desenhos, lia HQs para mim – geralmente de super-heróis – e me mostrava arte de todos os tempos – os clássicos de todas as épocas. Ao começar a ler, segui com o fanatismo pelas HQs – ou comics – até o dia de hoje, o que me levou a começar minha “carreira artística”, pelo que lembro aos 5 anos, quando decidi que desenhar era o que queria fazer da vida, e desde esse momento nunca o abandonei. Anos mais tarde, com 14 anos, a música entrou nas minhas inquietações artísticas, graças a meu irmão, Alfredo Felitte – baterista da banda Ararat – , que tinha uma bateria em casa, e logo eu segui com a guitarra, sintetizadores e sequências no PC. A música resultou numa colaboração com o grupo Impacto Teatral, na obra El olvido de los cuerpos, onde não só participei com a música mas também com as ilustrações. Faz uns sete anos que também somei às minha atividades a fotografia e o design gráfico da marca de roupa Verborragiafemme, da designer independente Liz Martinez (também argentina), trabalho que eu desempenho ainda hoje. Meus trabalhos principais:
2005 – Caperucita Roja (Texto, ilustrações e música)
2007 – Drago, el monstruo bueno (Infantil, Texto e Ilustrações)
2008 – La trágica historia del gato y el pájaro herido (Texto e Ilustrações)
2009 – La vida de Elisa (Mostra de ilustrações exposta no Centro Cultural Borges)
2010 – El Olvido de Los Cuerpos (Ilustrações e música da obra teatral)
2010-2013 (Falsas) Publicidades e ilustrações antigas
2011 – La Metamorfosis, de Franz Kafka (Ilustrações sobre o texto original)
2012 – Bernarda, la cucaracha intolerante (Texto e Ilustrações)
2013 – Arrabalero
Além dos trabalhos acima, também realizei outros vários contos de minha autoria (texto e ilustrações), ilustrações para clássicos literários, adaptações de clássicos infantis, uma HQ sobre Tango junto com Martín Gutierrez, Thaunus y la historieta del Tango; capas de livros como o Iron-Times de Gabriel Rojo e várias séries de ilustrações e fotografias.
- O Retrô parece ser uma marca distintiva em seu estilo de ilustração. O que você busca com esse enfoque e de onde veio essa influência?
Novamente é uma influência do meu pai, que desde pequeno me mostrou as maravilhas de todo tipo de arte, não só da arte do museu, mas também de qualquer tipo de desenho, seja de onde for. Eu aceitei tudo isso como influência, para mim não há muita distância entre as coisas que eu gosto, estejam penduradas numa parede ou impressas num papel de má qualidade, a arte que eu gosto, que me transmite algo, tudo isso é válido, artisticamente, para mim.
O que eu busco é recuperar um pouco essa magia de encontrar velhas publicidades ou lembranças de nossa infância, da infância dos nossos antepassados, a emoção de redescobrir o nosso mundo, de descobrir o mundo dos outros, de todos. Por isso trato de recriar essa sensação, de pensar “Quem será que escreveu seu nome sobre esta imagem? Que terá sido de sua vida?”, que se abra uma interrogação e um mistério, “de que ano será, na mente de quem isso sobra como uma lembrança?”, e tantas coisas que possam sair da mente de cada um.
- Quais são as técnicas que definem o seu estilo?
Meu estilo varia segundo as épocas, embora sempre que eu agregue algo novo, isso segue à disposição para as ideias e histórias seguintes, dependendo de qual seja e que se adapte a cada situação. Por exemplo, meu estilo clássico de uns dez anos atrás é escuro, mas não é um estilo que eu tenho abandonado completamente, apenas está esperando para ser usado em ocasiões futuras.
Neste momento as últimas criações e contos levam o selo “retrô”, mas quem sabe que novo estilo despertará em mim noutro momento. Tudo depende da necessidade de dizer, de contar, de transmitir algo novo dentro das minhas possibilidades.
- A literatura está sempre presente no seu trabalho? Qual é a sua relação com o texto literário?
A literatura está sempre presente em minha vida. Desde pequeno estive rodeado de livros. Meu pai é o “culpado” disso, a casa sempre teve livros pelas paredes. Em todas as paredes. Minha mãe era professora de literatura e também uma narradora, e por isso sempre houve não só a arte gráfica mas também a literatura em minha vida.
No meu trabalho há casos como os de ilustrações sobre textos originais, como, por exemplo, A Metamorfose, de Franz Kafka, ou A Revolução dos Bichos (Animal Farm), de George Orwell; e noutros casos eu trabalho sobre textos meus, mas sim, acho que a literatura forma uma parte presencial no meu trabalho.
- Você acha que a sua produção está dirigida a um tipo específico de público?
Minha intenção é não me limitar a um só tipo de público. Acho que cada estilo está dirigido a um grupo de pessoas, por exemplo, as imagens mais obscuras ou “dark”, ou as imagens “retrô”, mas por outro lado, em casos como da “Trágica história do gato e o pássaro ferido”, apesar de ter uma imagem evidentemente escura, por ser um conto chegou igualmente a vários tipos de pessoas. Da mesma forma, os contos com imagem “retrô” são mais acessíveis por um lado – de imagens mais luminosas, mas menos por outro – de imagens desgastadas, envelhecidas. Em suma, cada estilo leva seu público, embora em alguns casos haja gente que goste da totalidade dos meus estilos e épocas, e isso me agrada muito mais, saber que nem todo estilo está rotulado, que se pode desfrutar das obras além de apenas seguir estilos ou modas.
- Como surgiu a ideia para a criação das (Falsas) Ilustrações e Publicidades Antigas?
Novamente, eu acho que isso vem do carinho pelas épocas passadas, pela infância recheada de publicidades ilustradas, de ilustrações com folhas amareladas, e noutros casos de recuperar as fontes, ilustrações dos 1900, o tango, a época de nossos avós, nossos bisavós, chegarmos mais perto de nossa cultura em geral, deixar um pouco a cultura exterior e voltar ao país. Eu gosto muito de conhecer artistas que mostrem seu país, sua cultura, e acho que na Argentina, neste momento, a maioria dos artistas não estão mostrando a sua voz, sua vida através de sua arte, senão a vida de outros, de outros país, de outra cultura, e quero tentar não seguir isso.
- Conte da concepção e produção de séries como Frío, Aquel Otoño, Balón, e Bernarda, La Cucaracha Intolerante. O estilo de contos infantis está conectado aos seus contos?
Os contos Frío, Hey!! e Aquel Otoño, têm uma dinâmica de contos infantis, mas são dirigidos a um público mais adulto. A ideia é mostrar uma ideia específica, uma moral com o estilo antigo de fábulas ou contos infantis, bastante diretos, em vez de ocultá-los dentro de camadas e camadas de textos ou histórias complexas.
No caso de Bernarda, la cucaracha intolerante ou Balón, estão dirigidos não só a um público adulto mas também a seus filhos, a gente de todas as idades. Acredito que eles dizem muito a todas as gerações, sobretudo a respeito da intolerância, da igualdade, que acho que sejam matérias pendentes na sociedade de hoje em dia.
- Se pode ver na série Arrabalero, como você mesmo disse, um pouco da “gente de Buenos Aires”. Conte sobre o que é essa série e de como a gente da cidade aparece no seu trabalho.
Em “Arrabalero” eu quis recuperar, como já adiantei antes, um pouco da cultura na qual já não vemos, tanto para nós quanto para as pessoas de outros países que busca nos conhecer, aprender sobre o nosso passado e presente culturais. O Tango, o bairro, os malevos, as señoritas paquetas – muito arrumadas, o senhor da esquina… Tudo o que se passava na cidade em épocas passadas, o que se vive e se viveu. A ideia é também dar lugar aos esquecidos, os que formam parte da nossa vida através dos anos, os rastros de nossas famílias que seria bom não perder, que não se apaguem da nossa lembrança, da lembrança dos nossos filhos.
- Quais são as suas principais influências e ídolos?
Minhas influências são muitas, são todas, em alguns casos até mesmo o que não nos agrada, que é às vezes o que nos marca. Falando especificamente da arte nacional, poderia nomear a Carlos Nine, um excelente ilustrador, muito especial; Ricardo Carpani; os ilustradores da revista Caras y Caretas (à qual cheguei através de Alejandro Sirio, um dos meus preferidos dessa época); e falando dos internacionais – pelo lado das HQs – poderia nomear a Bill Sienkiewicz e Dave McKean, duas pessoas que influenciaram à maioria dos artistas gráficos dos últimos anos.
- Projetos futuros e planos para 2014?
Editar alguns contos em papel, ilustrar Martín Fierro, continuar criando contos próprios, fotografia artística, filmar curtas e videoclipes musicais… Em resumo, seguir adiante com a arte, dar às pessoas algo com o que se entreter e desfrutar, e, sobretudo, se emocionar.
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