Interrogatório

Sobre Feminino Singular: Uma viagem ao universo criativo de Dorian Shine

Por Romina J. Alves

La luz y la sombra abrazandose como amantes. Y en ese abrazo, pude encuentrar la verdad.

 

Multifacetado, enigmático e com uma sensibilidade notável que permeia cada uma de suas obras, uma forma sucinta de definir um artista marcante. Acontece que Dorian Shine e o seu universo criativo ultrapassam qualquer definição que se possa delinear, pois a riqueza da sua expressão artística evoca a ambiguidade de Magritte: um universo onde as coisas podem ter uma pluralidade de significados.

Algo como a Tamara de Italo Calvino, uma cidade invisível em que “o olho não vê as coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas”, uma celebração do sentido e da sua pluralidade que explora com toda a sua potência em Feminino Singular, obra que também contou com o notável trabalho do produtor Oliver Shine e de uma excelente equipe de profissionais. Falamos de um documentário premiado em vários festivais internacionais e no qual Dorian nos aproxima do universo feminino e da sua recriação única: o mais adequado para pôr em jogo uma construção que, mais do que em qualquer outro caso, convoca o mundo interno do espectador para encerrar um significado único e singular, como a existência de cada um.

Esta entrevista surge com essa mesma essência, fruto de vários encontros com o artista, começando pelo nosso reencontro no festival de Girona. Evento em que Feminino Singular estreou e em que tive o privilégio de acompanhá-lo no meu papel de narradora e atriz testemunhal desta peça única que alcançou reconhecimento internacional em vários festivais e que apresentamos neste material, junto com Dorian, quem compartilha momentos importantes de sua carreira, seus projetos e o sucesso de Feminino Singular.

Vamos escutá-lo:

  • Como você se definiria e quais formam os momentos mais importantes da sua carreira?

Defino-me como um estranho no meu próprio mundo, explorando sempre as fronteiras entre o conhecido e o desconhecido, entre a minha percepção deste mundo e o próprio mundo. Essa exploração me torna um artista em constante evolução.

A pintura capturou a minha paixão desde a infância, funcionando como a minha torre de Babel, onde a minha imaginação me levou a outros mundos. Assim, as minhas frequentes viagens com a minha família e, paralelamente, a escrita, ajudaram-me a superar momentos difíceis da minha vida, como a guerra, a circuncisão, a separação dos meus pais, o bullying e outros dramas pessoais, pois sempre fui o diferente, o estrangeiro, ou o novo na turma, o outro.

A arte me permitiu canalizar minha sensibilidade e emoções, principalmente atuando em teatro e assistindo filmes. Estar neste refúgio artístico forjou ao longo do tempo uma personalidade forte que não aceita a conformidade com o olhar alheio.

Um momento importante da minha carreira foi a minha experiência no Teatro Nacional da Tunísia, onde para desempenhar o papel do diabo tive que observar, durante a produção da peça, pessoas com instabilidades psicológicas e psiquiatras num asilo. Essa experiência me marcou profundamente, me ensinando sobre a emoção e como essas pessoas navegavam entre a realidade do nosso mundo e as realidades às quais tiveram acesso. Aprendi a não julgar e a sempre refletir sobre a lógica e o reflexo dos meus personagens. E com isso aprendi a aceitar também meus próprios demônios.

O próximo passo, os estudos universitários de teatro em Marrocos e o sucesso que tive nos meus estudos porque descobri desde cedo o meu profundo interesse por esta arte. Essa excelência acadêmica, acompanhada de muito bullying, embora tenha sido péssima como experiência, me fortaleceu e forjou em mim a vontade de escrever e dirigir. Criei “Gilgamesh”, a primeira peça em que não se tratava de teatralizar o mito ou a epopeia como se fazia até então, mas sim de criar um personagem dramático com uma fábula teatral adaptada ao palco após dois anos de pesquisa neste mito e mitos relacionados. O sucesso em Marrocos e depois em Belgrado, onde recebemos o Dom Quixote de Honra, foi um momento marcante. Assim como Gilgamesh empreendeu sua aventura para evitar a morte na peça, e chorou por seu irmão Enkidu, também tive que chorar pela morte de meu pai durante a atuação desse personagem, que me impactou profundamente quando o interpretei em cena três dias após a perda de meu pai. Eu estava pensando durante essa cena se minhas lágrimas eram pelo meu pai, ou pelo personagem Enkido, se eram reais ou eram apenas da encenação.

Mais tarde, a vontade de fazer cinema levou-me a viajar para a Argentina, onde estudei cinema antes de ingressar rapidamente num mestrado que me permitiu maior liberdade nas minhas escolhas artísticas. Daí resultou meu primeiro longa-metragem documentário, “Feminino Singular”, que filmei na Argentina, mas editei no Canadá, país onde resido atualmente.

Deste lado do mundo atuei num longa-metragem de terror, “Crucify”, e a experiência foi significativa porque a minha paixão pelo cinema é muito forte. Além disso, o papel de Sansão, um homem desequilibrado entre a religião e o amor pela esposa, a quem mata e depois comete suicídio, foi particularmente impactante na minha carreira. Esses são, em resumo, os destaques da minha carreira.

Foto de Maxim Nikitin no Festival de Girona

  • Uma carreira em que você encontrou momentos de profunda sensibilidade e trabalho interno. Nessa jornada, como surgiu Feminino Singular e seu interesse em investigar a condição feminina?

Feminino Singular” é uma longa-metragem documental-performativa ou documental-performance, um novo género que proponho e que funde a arte do documentário com a arte da performance baseada na autenticidade da ação. Esta obra apresenta um retrato íntimo de trinta mulheres, com idades compreendidas entre os 4 e os 80 anos e através de uma mise-em-action cuidadosamente desenhada em frente à câmara, estas mulheres partilham as suas reflexões pessoais sobre si mesmas e sobre o mundo que as rodeia. O documentário é em si uma viagem exploratória ao mundo das mulheres argentinas, mas também, e de forma mais ampla, ao universo feminino contemporâneo. A obra mergulha numa diversidade de histórias pessoais, sonhos, lutas e esperanças, revelando a complexidade e a riqueza de ser mulher hoje.

Quanto ao meu interesse em aprofundar a singularidade da condição feminina, este surge não como uma investigação no sentido tradicional, mas como um desejo de conhecer e abraçar o que torna cada mulher única. Esta abordagem permite que o projeto se torne um canal através do qual as mulheres podem expressar as suas mensagens, missões, opiniões e julgamentos sobre as suas próprias vidas e perspectivas. Considero as mulheres como o termómetro da sociedade, dado que o poder – seja político, social, religioso ou económico – está profundamente envolvido no papel das mulheres, na sua definição e na evolução dos seus direitos. Esta obsessão global pela figura da mulher e pela luta e procura pela equidade revelam que ainda há um longo caminho a percorrer rumo a uma verdadeira igualdade onde falamos de indivíduos e não de género.

  • Como espectadora, narradora e atriz testemunha do seu filme, posso atestar o seu compromisso com a luta feminista e a defesa da igualdade de direitos. Gostaria que você compartilhasse com os leitores qual foi o objetivo deste trabalho em sua concepção?

Como feminista e humanista, vejo-me refletido nas histórias das mulheres, à medida que encontro nelas ecos da minha própria experiência. Esta ligação pessoal levou-me a explorar ainda mais o universo feminino, tentando compreender e representar a complexidade e a riqueza das experiências femininas através do meu trabalho. Esta abordagem emergiu de experiências pessoais, histórias intimamente partilhadas, momentos de vulnerabilidade e triunfos silenciosos. Sinto-me especialmente atraído pela ideia de que cada mulher carrega dentro de si um universo, um conjunto de experiências, sonhos, medos e esperanças que compõem uma perspectiva única sobre o mundo. Este projeto é, na sua essência, um ato de escuta, uma tentativa de compreender a multiplicidade de percursos que moldam a experiência feminina. E optei por criar o meio documental performativo com este trabalho porque rompe com as convenções, permitindo-me misturar a realidade com a arte, a narrativa pessoal com a expressão artística.

  • Antes você nos contava que o trabalho é composto pelo depoimento de 30 participantes, por que 30 participantes?

A minha decisão de incluir 30 participantes em “Feminino Singular” não foi premeditada desde o início, mas sim desenvolvida organicamente à medida que o projeto evoluía. A verdade é que comecei esta jornada com uma abordagem intimista, gravando inicialmente apenas cinco mulheres que conheci em Buenos Aires, fossem amigas ou conhecidas. No entanto, à medida que o projeto avançava, as questões e curiosidades que surgiam levaram-me a conhecer novas pessoas, e cada encontro revelava novas narrativas que senti que deveriam ser incluídas para enriquecer a tessitura deste trabalho. Cada mulher contribuiu com uma peça essencial para o mosaico que é “Feminino Singular”, ajudando a construir um diálogo final ao mesmo tempo diverso e coeso. Assim, esse processo de criação, que durou mais de três anos, não se tratou simplesmente de coletar histórias diversas, mas de tecer um diálogo entre as narrativas. Esse diálogo interligado foi o que moldou o roteiro final do documentário.

  • Sempre menciono que é notável como você conseguiu esse equilíbrio entre as luzes e as sombras que compõem as histórias dessas 30 mulheres, de acordo com a intensidade e emoção do que elas estão compartilhando. Como você decidiu a composição e a ordem estética dos depoimentos que compõem a obra?

Para montar “Feminino Singular” mergulhei em um processo bastante intuitivo, quase como quem compõe uma peça musical ou um poema. Imagine cada fragmento e retrato como uma pincelada numa enorme pintura, onde cada mulher nos mostra um fragmento do seu ser sem mostrar o rosto, ou a totalidade de quem ela é, como se sussurrasse as suas histórias nas sombras. Este jogo de esconder e revelar não foi coincidência; foi uma busca pela autenticidade, por capturar essas confissões íntimas e transformá-las em arte. O documentário foi montado como um quebra-cabeça em sua concepção. Comecei com conversas longas e intensas, que depois cortei e moldei até que cada peça se encaixasse exatamente onde precisava estar. Procurei aqueles fios invisíveis que ligam uma história à outra, aqueles ecos que ressoam de uma mulher para outra. Não foi fácil. Houve momentos tão potentes que era preciso respirar, e outros mais leves que depois deram aquela trégua, uma trégua da estética ou da narrativa. A ideia era tecer uma tapeçaria que, no final das contas, parecesse completa, rica em nuances, capaz de mostrar a complexidade e a beleza do que é ser mulher. Então me empolguei com o projeto. Além disso, o apoio de Oliver Shine foi crucial já que “Feminino Singular” foi construído no seu próprio percurso de desenvolvimento, com as mulheres envolvidas ditando seu ritmo e fluxo. No final, o que surge é um diálogo entre suas histórias, um fluxo de vidas que, embora diferentes, compartilham o mesmo cenário: esse mundo em que lutam, sonham, riem e vivem.

  • Você me contou que a obra está atualmente no circuito de festivais, onde já foi premiado em diversos espaços. Você poderia nos contar alguns dos louros que seu filme ganhou?

Sim, estamos atualmente no circuito de festivais e até ao momento temos os seguintes reconhecimentos:

Melhor Filme LGBTQ+ no Festival Internacional Mensal de Cinema de Arte de Atenas, Grécia, 14 de janeiro de 2024.

Melhor Longa-Metragem no Rameshwaram International Film Festival, Índia, em 19 de janeiro de 2024.

Melhor Documentário no Aasha International Film Festival, Maharashtra, Índia, em 20 de fevereiro de 2024.

Melhor Filme sobre Mulheres no Kookai International Film Festival, Kerala, Índia, 15 de março de 2024.

Menção Honrosa do Júri do Festival de Cinema de Girona, Espanha, durante sua estreia mundial em 7 de novembro de 2023.

Indicado para 4 prêmios: Melhor Filme Experimental, Melhor Documentário, Melhor Diretor e Melhor Produção no Symbiotic Film Festival de Kiev, Ucrânia, em 17 de janeiro de 2024.

Indicado para Melhor Filme sobre Mulheres no Festival Internacional de Cinema Feminino de Toronto, em Toronto, Canadá, durante sua estreia canadense em 10 de março de 2024.

Semifinalista do prêmio de Melhor Documentário no Boden International Film Festival, Suécia, janeiro de 2024.

Semifinalista do prêmio de Melhor Documentário no Rewind International Film Festival, Manchester, Inglaterra, março de 2024.

Receber prémios é algo que me enche de orgulho e que me deixa extremamente feliz pelo esforço que investi neste filme, mas também por todas as pessoas que contribuíram para o seu sucesso. Todas as mulheres maravilhosas que estiveram envolvidas, meu alter ego Oliver, que não só produziu o filme, mas também ajudou enormemente com seu apoio para dar-lhe a forma final. Fiquei lindamente surpreendido com o interesse que o público indiano demonstrou pelo meu filme, que após a sua seleção para um festival, recebi convites de outros festivais e, mais especialmente, organizaram uma exibição numa universidade de comunicação dedicada às mulheres, com debates que consegui acompanhar online. Isso me encheu de imenso orgulho. Os festivais são um verdadeiro ponto de encontro entre cineastas e público, através da obra, bem como com outros artistas da área. Não pude comparecer a todos os festivais, mas pude ir à estreia mundial em Girona, mas mesmo lá, depois de tantos anos, foi emocionante reencontrar algumas atrizes como Ximena, Violeta e você, Romina, que fizeram parte desse filme e que eu não via há muito tempo. Estou muito feliz porque pude ver seus olhos e reações diante da estreia da peça e pudemos discutir sobre as mudanças durante esses anos.

  • Um emotivo encontro e presente que guardo na memória e que celebro porque é o momento em que o seu filme foi lançado ao mundo. Nesse sentido de apresentações, você considera algum show fora do circuito de festivais?

Quanto à possibilidade de exibir o filme fora do circuito tradicional de festivais, é definitivamente algo que estou pensando, embora ainda não tenha finalizado planos específicos. Adoraria que a obra fosse lançada em países de língua espanhola, ou naqueles que tenham uma ligação especial com a musicalidade e a poesia da língua espanhola, o que nos permitiria captar toda a riqueza de nuances presentes no filme. Esta afinidade cultural poderia enriquecer enormemente a recepção do filme, permitindo-lhe ressoar num nível mais profundo junto do público. Da mesma forma, tenho interesse em colaborar com outros eventos, cinemas ou espaços culturais alternativos porque a obra também pode ser uma instalação audiovisual. Acredito firmemente que uma obra ganha vida no momento da sua estreia, mas também revive e se reinventa a cada nova exibição, em cada novo ambiente.

  • Quais são seus próximos projetos? Você pensa em “masculino singular”?

“Masculino singular”? Sim e não… Acho que na nossa sociedade o conceito de masculino, em muitos aspectos, já se manifesta como plural. Estamos imersos num sistema moldado pelo patriarcado, onde diferentes expressões de masculinidade têm sido destacadas e muitas vezes impostas. Portanto, considero que talvez seja hora de investigar além do que é aparente. Estou pensando nessa ideia, mas de uma perspectiva diferente.

Meus próximos projetos são brincar com o que entendemos por “gênero”, mas entrar no mundo da ficção e da fantasia. No ano passado ganhei o primeiro prêmio de roteiro no festival Unhinged, em Waterloo, e agora quero levar essa ideia para uma longa-metragem de fantasia onde me inspirei de forma fantástica em três heróis de diferentes culturas do Canadá. A ideia é contar histórias de heróis fora do comum, daqueles personagens que não se enquadram em narrativas típicas.

  • Figuras como você, Dorian, que felizmente nos oferecem a riqueza que se materializa na coragem de desafiar os padrões impostos e as narrativas típicas, obrigada por essa tenacidade e essa coragem. Obrigada por esta entrevista e por compartilhar sua magia.

Muito obrigado.

Social Media:

Femenino Singular – https://www.instagram.com/femenino.singular/
Dorian Shine – https://www.instagram.com/dorian.shine/


Versión en Español

Acerca de Femenino Singular:

Una aproximación al universo creativo de Dorian Shine


Por Romina J. Alves

La luz y la sombra abrazandose como amantes. Y en ese abrazo, pude encuentrar la verdad.

Multifacético, enigmático y de una sensibilidad notable que impregna cada una de sus obras, un modo sucinto de definir a un artista fuera de serie. Y es que Dorian Shine y su universo creativo exceden cualquier definición que pueda esbozarse, ya que la riqueza de su expresión artística nos evoca la ambigüedad de Magritte: un universo en donde las cosas pueden revestir una pluralidad de significados.

Algo así como la mentada Tamara de Ítalo Calvino, ciudad invisible en la que “el ojo no ve cosas sino figuras de cosas que significan otras cosas”, una celebración del sentido y su pluralidad que explota con toda su potencia en Femenino Singular, obra que además ha contado con la notable labor de productor Oliver Shine y un destacado equipo de profesionales. Hablamos de una película documental galardonada en diversos festivales internacionales y en la que Dorian nos aproxima al universo femenino y su singular recreación: lo más apropiado para poner en juego una construcción que, más que en ningún otro caso, convoca al mundo interno del espectador para acabar un sentido único y singular, como el transcurrir de cada uno.

Con esa misma esencia surge esta entrevista, fruto de varios encuentros con el artista, comenzando por nuestro reencuentro en el festival de Girona. Marco en el que Femenino Singular hizo su estreno y en el que tuve el privilegio de acompañarlo en mi rol de narradora y actriz testimonial de esta pieza única que conquista reconocimiento internacional en diversos festivales y que les acercamos en este material, no sin antes presentar a Dorian, quien nos comparte momentos importantes de su carrera, sus proyectos y sobre el éxito de Femenino Singular. Escuchémoslo:

  • ¿Cómo te definirías y cuáles consideras que han sido los momentos más importantes de tu carrera?

Me defino como un extranjero en mi propio mundo, siempre explorando las fronteras entre lo conocido y lo desconocido, entre mi percepción de este mundo y el mundo en sí. Esta exploración me convierte en un artista en constante evolución.

La pintura capturó mi pasión desde mi infancia, funcionando como mi torre de Babel, donde mi imaginación me llevaba a otros mundos. Así, mis viajes frecuentes con mi familia y, paralelamente, la escritura, me ayudaron a superar momentos difíciles de mi vida, tales como la guerra, la circuncisión, la separación de mis padres, el acoso escolar y otros dramas personales, pues siempre he sido el diferente, el extranjero, o el nuevo en la clase, el otro.

El arte me permitió canalizar mi sensibilidad y emociones, sobre todo actuar en el teatro y ver películas. Estar en este refugio artístico forjó con el tiempo una personalidad fuerte que no acepta conformarse con la mirada de los demás.

Un momento importante en mi carrera fue mi experiencia en el Teatro Nacional de Túnez, donde para interpretar el papel del diablo tuve que observar, durante la producción de la obra, a personas con inestabilidades psicológicas y a médicos psiquiatras en un asilo. Esta experiencia me marcó profundamente, enseñándome sobre la emoción y cómo estas personas navegaban entre la realidad de nuestro mundo y las realidades a las que tenían acceso. Aprendí a no juzgar y a reflexionar siempre sobre la lógica y la reflexión de mis personajes. Y por ahí, aprendí a aceptar también mis propios demonios.

El siguiente paso, los estudios universitarios de teatro en Marruecos, y el éxito que tuve en mis estudios porque descubrí mi profundo interés por este arte desde la academia. Esta excelencia académica, acompañada de mucho acoso escolar, aunque fue terrible como experiencia me hizo más fuerte y forjó en mí el deseo de escribir y dirigir. Creé “Gilgamesh”, la primera obra de teatro en la que no se trataba de teatralizar el mito o la epopeya como se había hecho hasta entonces, sino de crear un personaje dramático con una fábula teatral adaptada a la escena tras dos años de investigación en este mito y mitos conexos. El éxito en Marruecos y luego en Belgrado, donde fuimos premiados con el Don Quijote de Honor, fue un hito. Al igual que Gilgamesh emprendía su aventura para evitar la muerte en la obra, y lloraba por su hermano Enkidu, tuve que llorar yo también por la muerte de mi padre durante la actuación de este personaje, lo cual me marcó profundamente al interpretarlo en escena tres días después de la perdida de mi padre. Estuve pensando durante esta escena si mis lagrimas eran por mi papa, o por Enkido el personaje, si eran reales o solo actuación.

Después, el deseo de hacer cine me llevó a viajar a Argentina, donde estudié cine antes de unirme rápidamente a un máster que me permitió mayor libertad en mis elecciones artísticas. Esto resultó en mi primer largometraje documental, “Femenino Singular”, que filmé en Argentina, pero edité en Canadá, país en el que resido actualmente.

De este lado del mundo, actué en un largometraje de terror, “Crucify”, y la experiencia fue significativa porque mi pasión por el cine es muy fuerte. Además, el papel de Samson, un hombre desequilibrado entre la religión y el amor por su mujer, a quien mata y luego se suicida, fue particularmente impactante en mi carrera. Estos son, en resumen, los momentos más destacados digamos de mi carrera.

  • Una carrera en la que te has encontrado con momentos de profunda sensibilidad y trabajo interno. En ese recorrido, ¿Cómo surgió Femenino Singular y tu interés por indagar en la condición femenina?

“Femenino Singular” es un largometraje de tipo documental-performático o documental-performance, un género nuevo que propongo y que fusiona el arte del documental con el arte de la performance a partir de la autenticidad de la acción. Esta obra presenta un retrato íntimo de treinta mujeres, cuyas edades oscilan entre los 4 y los 80 años y a través de una puesta en acción cuidadosamente diseñada frente a la cámara, estas mujeres comparten sus reflexiones personales sobre ellas mismas y sobre el mundo que las rodea. El documental es en sí un viaje exploratorio hacia el interior del mundo de la mujer argentina, pero también, y de manera más amplia, hacia el universo femenino contemporáneo. La obra se sumerge en una diversidad de historias personales, sueños, luchas y esperanzas, revelando la complejidad y la riqueza del ser mujer en la actualidad.
Respecto a mi interés en profundizar sobre la singularidad de la condición femenina, surge no como una investigación en el sentido tradicional, sino como un deseo de conocer y abrazar aquello que hace única a cada mujer. Este enfoque permite que el proyecto se convierta en un canal a través del cual las mujeres pueden expresar sus mensajes, misiones, opiniones y juicios sobre sus propias vidas y perspectivas. Considero a la mujer como el termómetro de la sociedad, dado que el poder —ya sea político, social, religioso o económico— se ve profundamente involucrado en el rol de la mujer, su definición, y la evolución de sus derechos. Esta obsesión global con la figura de la mujer y también la lucha y la búsqueda de equidad revelan que aún hay mucho camino por recorrer hacia la igualdad real donde se habla de individuos y no de género.

  • Como espectadora, narradora y actriz testimonial de tu película, puedo dar fe de tu compromiso con la lucha feminista y la defensa por la igualdad de derechos. Me gustaría que nos puedas compartir ¿cuál fue el objetivo de esta obra en su concepción? 

Como individuo feminista y humanista, me veo reflejado en las historias de las mujeres, ya que encuentro en ellas ecos de mi propia experiencia. Esta conexión personal me ha impulsado a explorar más a fondo el universo femenino, intentando comprender y representar la complejidad y riqueza de las experiencias femeninas a través de mi trabajo. Este enfoque surgió de experiencias personales, de historias compartidas en intimidad, de momentos de vulnerabilidad y de triunfos silenciosos. Me he sentido especialmente atraído por la idea de que cada mujer porta un universo dentro de sí, un conjunto de experiencias, sueños, miedos y esperanzas que configuran una perspectiva única sobre el mundo. Este proyecto es, en esencia, un acto de escucha, un intento de comprender la multiplicidad de caminos que configuran la experiencia femenina. Y he elegido de crear el medio documental performático con esta obra porque rompe con las convenciones, permitiéndome mezclar la realidad con el arte, la narrativa personal con la expresión artística.

  • Antes nos comentabas que la obra se compone por el testimonio de 30 participantes, ¿por qué 30 participantes?

Mi decisión de incluir a 30 participantes en “Femenino Singular” no fue premeditada desde el inicio, sino que se desarrolló orgánicamente a medida que el proyecto evolucionaba. La verdad es que comencé este viaje con un enfoque íntimo, grabando inicialmente solo a cinco mujeres que conocía en Buenos Aires, ya fueran amigas o conocidas. Sin embargo, a medida que el proyecto avanzaba, las preguntas y curiosidades que surgían me llevaban a conocer a nuevas personas, y cada encuentro revelaba narrativas nuevas que sentía que debían ser incluidas para enriquecer el tejido de esta obra. Cada mujer aportó una pieza esencial al mosaico que es “Femenino Singular”, ayudando a construir un diálogo final que es tanto diverso como cohesivo. Es así que este proceso de creación, que se extendió a lo largo de más de tres años, no fue simplemente sobre recopilar diversas historias, sino sobre tejer un diálogo entre las narrativas. Este diálogo interconectado es lo que finalmente dio forma al guión final del documental.

 

  • Siempre menciono que es notable como has logrado ese equilibrio entre las luces y sombras que van componiendo los relatos de estas 30 mujeres, según la intensidad y emoción de lo que van compartiendo. ¿Cómo has decidido la composición y el orden estético de los testimonios que componen la obra? 

Para armar “Femenino Singular” me sumergí en un proceso bastante intuitivo, casi como quien compone una pieza musical o un poema. Imagina cada fragmento y retrato como una pincelada en un cuadro enorme, donde cada mujer nos muestra un fragmento de su ser sin mostrar su rostro, o la totalidad de quién es, como si estuviera susurrando sus historias en la penumbra. Este juego de ocultar y revelar no fue casualidad; fue una búsqueda de autenticidad, de captar esas confesiones íntimas y transformarlas en arte. El documental se armó como un rompecabezas en su concepción. Partí de conversaciones largas, intensas, que después recorté y moldeé hasta que cada pieza encajara justo donde tenía que estar. Pero no solo buscaba coherencia porque quería que al mirar el conjunto, uno puede pasar de la risa al llanto, de la reflexión al asombro, casi sin darse cuenta, como en la vida misma, donde un día estás arriba y al otro, quizás, no tanto. Busqué esos hilos invisibles que conectan una historia con otra, esos ecos que resuenan de una mujer a otra. No fue fácil. Había momentos tan potentes que se necesitaba respirar, y otros más ligeros que daban entonces ese respiro, un respiro desde la estética o desde la narración. La idea era tejer un tapiz que, al final del día, se sintiera completo, rico en matices, capaz de mostrarte la complejidad y la belleza de lo que significa ser mujer. Así que me dejé llevar por el proyecto. Además, el apoyo de Oliver Shine fue crucial mientras “Femenino Singular” se construyó sobre la marcha, con las mujeres que participaron dictando su ritmo y flujo. Al final, lo que emerge es un diálogo entre sus historias, un fluir de vidas que, aunque distintas, comparten un mismo escenario: este mundo en el que luchan, sueñan, ríen y viven.

  • Me has comentado que en la actualidad la obra se encuentra en el circuito de festivales, donde ha sido galardonada en numerosos espacios. ¿Podrías mencionarnos algunos de los laureles que ha conquistado tu película?

Sí, actualmente estamos en el circuito de festivales y hasta ahora contamos con los siguientes reconocimientos:

  • Mejor Película LGBTQ+ en el Athens International Monthly Art Film Festival, Grecia, el 14 de enero de 2024.
  • Mejor Largometraje en el Rameshwaram International Film Festival, India, el 19 de enero de 2024.
  • Mejor Documental en el Aasha International Film Festival, Maharashtra, India, el 20 de febrero de 2024.
  • Mejor Película sobre Mujeres en el Kookai International Film Festival, Kerala, India, el 15 de marzo de 2024.
  • Mención Honorífica del Jurado en el Girona Film Festival, España, durante su estreno mundial el 7 de noviembre de 2023.
  • Nominado a 4 premios : Mejor Película Experimental, Mejor Documental, Mejor Director, y Producción Destacada en el Symbiotic Film Festival en Kiev, Ucrania, el 17 de enero de 2024.
  • Nominado a la Mejor Película sobre la Mujer en el Toronto International Women Film Festival en Toronto, Canadá, durante su estreno canadiense el 10 de marzo de 2024.
  • Semi finalista por el premio de Mejor Documental en el Boden International Film Festival, Suecia, Enero de 2024.
  • Semi finalista por el premio Mejor Documental en el Rewind International Film Festival, Manchester, Inglaterra, Marzo de 2024.

Recibir premios es algo que me llena de orgullo y me hace extremadamente feliz por el esfuerzo que he invertido en esta película, pero también por todas las personas que han contribuido a su éxito. Todas las mujeres maravillosas que participaron, mi alter ego Oliver, quien no solo produjo la película, sino que también ayudó enormemente con su apoyo a darle su forma final. Me sorprendió de manera hermosa el interés que el público hindú mostró por mi película, que, tras su selección para un festival, recibí invitaciones de otros festivales, y lo más especial, organizaron una proyección en una universidad de medios dedicada a las mujeres, con debates que pude seguir en línea. Esto me llenó de un orgullo inmenso. Los festivales son un verdadero punto de encuentro entre cineastas y público, mediante la obra, así como con otros artistas del medio. No pude asistir a todos los festivales, pero pude ir al estreno mundial en Girona, pero incluso allí, después de tantos años, fue emocionante reencontrarme con algunas de las actrices como Ximena, Violeta y contigo, Romina, quienes fueron parte de esta película y que no había visto en mucho tiempo. Estoy muy contento porque pude ver sus ojos y reacciones al estreno de la obra y pudimos tener discusiones sobre los cambios durante estos años.

  • Un encuentro y obsequio precioso que atesoro en mi memoria y que celebro por tratarse del instante de salida al mundo de tu exitosa película. En este sentido de las presentaciones, ¿Consideras alguna muestra por fuera del circuito de festivales?

En relación con la posibilidad de exhibir la película más allá del circuito tradicional de festivales, definitivamente es algo que estoy contemplando, aunque todavía no he concretado planes específicos. Me encantaría que la obra se estrenará en países hispanohablantes, o en aquellos que tengan una conexión especial con la musicalidad y poesía del idioma español, lo que permitiría capturar toda la riqueza de matices presentes en el film. Esta afinidad cultural podría enriquecer enormemente la recepción de la película, permitiéndole resonar en un nivel más profundo con el público. Asimismo, estoy interesado en colaborar con otros eventos, cines o espacios culturales alternativos porque la obra puede también ser una instalación audiovisual. Creo firmemente que una obra cobra vida en el momento de su estreno, pero también revive y se reinventa con cada nueva proyección, en cada nuevo entorno.

  • ¿Cuáles son tus próximos proyectos? ¿Piensas en “masculino singular”?

¿”Masculino Singular”? Si, y no… Creo que en nuestra sociedad el concepto de lo masculino, de muchas maneras, ya se manifiesta como plural. Estamos inmersos en un sistema moldeado por el patriarcado, donde las distintas expresiones de la masculinidad han sido resaltadas y frecuentemente impuestas. Por tanto, considero que podría ser momento de indagar más allá de lo aparente. Estoy pensando en esta idea, pero desde una óptica distinta.

Mis próximos proyectos van por el lado de jugar con lo que entendemos por “género”, pero metiéndome en el mundo de la ficción y la fantasía. El año pasado gané el primer premio de guión en el festival de Unhinged en Waterloo, y ahora quiero llevar esa idea a un largometraje de fantasía donde me inspiro de lo fantástico en tres héroes de culturas diferentes en Canadá. La idea es contar historias de héroes que se salen de lo usual, de esos personajes que no encajan en las narrativas típicas.

  • Figuras como tú, Dorian, que felizmente nos ofrecen la riqueza que se encarna en la valentía de desafiar los estándares impuestos y las narrativas típicas, gracias por esa tenacidad y ese coraje. Gracias por esta entrevista y por acercarnos tu magia.

Muchas gracias.

 

Social Media:

Femenino Singular – https://www.instagram.com/femenino.singular/
Dorian Shine – https://www.instagram.com/dorian.shine/

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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