imagem: Ricardo Pozzo no ensaio de capa da R.Nott Magazine #21, publicada em outubro de 2015.
A minha escrita foi criando um espaço de comunicação quando fui experimentando a fotografia. Assim como disse o Cartier-Bresson, se você quer aprender a fotografar, você deve aprender a desenhar, para mim a fotografia foi me ensinando um modo de escrita.
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Seja bem-vindo de volta à R.Nott, Pozzo, dessa vez como entrevistado. =)
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Como, onde, quando e por quê.
Meu pai era pianista e fotógrafo. Filho de um imigrante italiano e uma mãe argentina, teve experiências com o cinema Super 8, coisa comum às famílias de classe média da época. Infelizmente quando o conheci, havia largado qualquer atividade artística e exercia a profissão de representante comercial. Minha mãe era uma excelente assobiadora das músicas da rádio, filha de músicos que realizavam saraus no interior de São Paulo. Depois de casarem, viveram na Argentina por quase 20 anos. Sou radicado em Curitiba desde 1975. Essa miscigenação cultural foi extremamente importante para minha formação artística que é, em sua maior parte, autodidata.
Cursei psicologia na Universidade Federal do Paraná até o sexto semestre, mas larguei porque era ingenuamente idealista. Na época trabalhava com terapias complementares do Moxabustão e do Shiatsu. Porém, mergulhei num laboratório, digamos assim, que confluíram com uma crise particular, cuja reação foi uma estagnação da qual só fui sair em 2003, frequentando o grupo de estudos da professora Glória Kirinus, na Biblioteca Pública do Paraná.
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Ricardo Pozzo: por que poesia?
A poesia está presente desde minha infância, com as incursões à biblioteca da minha irmã, com as versões infanto juvenis dos clássicos, assim como as obras completas de Jorge Luis Borges e Edgar Allan Poe. Na adolescência, junto com o desejo de aprender um instrumento, traduzia letras das bandas que admirava e tive a iniciativa de compor para as músicas que criava. Uma das primeiras letras que traduzi lentamente no caderninho da escola, além do Dark Side of the Moon, foi a Balada do Velho Marinheiro, versão do Iron Maiden para o poema do Samuel Taylor Coleridge.
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Alvéolos de petit-pavê (Ed. Patuá, 2015): um livro que é, desde o título, tão curitibano. Fale sobre essa publicação, sobre esse elemento da Cidade na sua obra, e sobre a sua produção após esse livro.
Alvéolos é uma compilação de poemas escritos desde os anos 2000, alguns publicados no livro artesanal Urbe Fago Cito Z, outros publicados em revistas eletrônicas como a Germina e inéditos. Todos com elementos fortemente urbanos, que era o habitat do eu lírico dos poemas.
No livro seguinte, o Cidade Industrial [Ed.Kotter/2017] esse eu lírico da rua se radicalizou. São dez poemas que falam a respeito do fracasso da sociedade trabalhista, inspirados na convivência com os seres marginalizados e, basicamente, no trabalho da Viviane Forrester chamado O Horror Econômico. E mais 2 poemas de apêndice, com o mesmo tema, mas com mais lírica.
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Quais são suas principais influências? Você tem heróis? Se sim, quem são?
Meus heróis são todos aqueles que realizam um trabalho bem feito, seja ele pedreiro, padeiro, socorrista ou fotógrafo de guerra.
Aliás, tanto médicos quanto socorristas, professores ou mesmo os coletores de resíduos domésticos são, ao meu ver, os trabalhos mais significativos dentro da sociedade e tão pouco valorizados.
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Fale sobre a sua relação com eventos ligados à poesia, principalmente sobre sua trajetória com o Vox Urbe. Como é a tarefa de produzir eventos sobre poesia quando tão pouca gente lê, de fato, poesia? De onde surgiu a sua dedicação aos seus pares poetas e às publicações locais, principalmente quando nos referimos à divulgação da poesia paranaense?
O início da minha relação com a cena poética curitibana também é antiga.
Naquela época, a geração era a do Cardoso, do Thadeu, do Leminski. O Leminski eu assistia no Jornal de Vanguarda, da Bandeirantes [no ar entre 1987 e 1989], cuja âncora era a replicante Doris Giesse. Mas uma única vez o vi na rua, na Mateu Leme, ele na carraspana e eu um guri com o uniforme do Colégio Estadual.
Logo conheci o Bar do Cardoso em 87, se não me engano, onde depois tornou-se o prédio da UPE. Depois, o Carlos Barros, o Batista de Pilar e o Ubiratã Valiente, que faziam o jornal Poemia. Nessa mesma época rolou o Enca [Encontro Nacional das Comunidades Alternativas] em Guaraqueçaba e, em seus reflexos na capital, estava a Udiyana Bandha, banda formada por Chandra Lacombe, Claudio Vinicius e Thomas de Udiyana cujos shows eram frequentados por poetas como Rollo de Resende e o Joel Moreno.
Mas só retornei à poesia em 2003 e em 2004 participei dum evento, na Biblioteca Pública do Paraná organizado pelo Carlos Fajardo, e conheci uma parte dos poetas que estavam na vanguarda da produção, inclusive o Fernando Koproski, que tinha sido o primeiro poeta da minha geração que eu havia encontrado editado.
Em 2005 a Ieda Godoy, artista empresária dona do Wonka Bar idealiza um projeto chamado Porão Loquax, com a curadoria do poeta Mário Domingues, entre os anos de 2005 a 2008.
Dali surgiram grupos de interação e discussão artística como os encontros promovidos pelo poeta, professor Paulo Bearzoti e o Cenáculo, organizado pelo Rodolfo Jaruga e o fotógrafo Albert Nane.
O Vox Urbe é a continuação do projeto da Ieda, já com a minha curadoria, que surgiu nesse mesmo contexto de 2011 a 2016 [Vox Urbe]. De lá surgiram muito dos coletivos que ainda atuam na cidade.
Imagine a escola que foi todo esse processo.
Com o fechamento do Wonka, em 2016, o Vox Urbe tornou-se interativo e, em 2017 já com a parceria da Processo Multiartes, fomos contemplados no primeiro edital do Profice. Com a Processo Multiartes fizemos também a websérie Pássaros Ruins, que pode ser encontrada no YouTube.
Paralelamente, outros projetos ganharam força na cidade, como o CuTUCando a Inspiração, gerenciado na garra do poeta Geraldo Magela ,nome inscrito na cena poética curitibana desde os anos 70, e que integra os poetas da Feira do Poeta, o que abrange também os poetas regionais que por si, é fenômeno que ganha força com a realização do Slam.
Até pouco tempo, antes da pandemia, o Quinta com Poesia, organizado no Mímesis conexões artísticas em conjunto com o coletivo Vespeiro e a Editora Kotter cujas primeiras reuniões se iniciaram naquele contexto do Porão Loquax, haviam recuperado esse mesmo espírito de diálogo.
Então veja, é um aprendizado e tanto e como não ser generoso com essa escola que é, inclusive, daquilo que posso melhor falar quando digo da cena artística contemporânea?
Porque a arte é universal, mas a estruturação da cena é local. E quando ela serve-se em suas referências, por que ao mesmo tempo, quanto mais regional, mais universal é, parafraseando Tolstói. Sendo então a obra de arte é sempre a ressignificação de uma memória.
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Além de um rosto que é muito mais porteño que curitibano: que outras marcas Buenos Aires te deixou?
A visão do Paraíso e o tango.
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Ricardo Pozzo fotógrafo: como essa produção se relaciona com a sua escrita? Existe alguma relação? Ademais, você sabe o que busca quando fotografa – ou quando escreve?
A minha escrita foi criando um espaço de comunicação quando fui experimentando a fotografia. Assim como disse o Cartier-Bresson, se você quer aprender a fotografar, você deve aprender a desenhar, para mim a fotografia foi me ensinando um modo de escrita. É essa a linguagem proposta no livro Cidade Industrial, por exemplo. Sendo a fotografia um fluxo da imagem, o passo seguinte seria o fluxo dessas fotografias e assim, encontrar, na poesia, o cinema.
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Palavras de Jean Cocteau: “O pior destino de um poeta é o de ser admirado sem ter sido entendido.” Comente.
Posso concordar quando se trata em ser admirado como artista. Rimbaud é admirável, não só como o poeta revolucionário que foi, mas por ter sido um ser humano que tinha uma atitude sincera com a sua poesia. Assim igual Van Gogh, na pintura. Mas é o ter sido artista que os fez admiráveis, compreendidos ou não. E ao artista, isso fala mais da arte, do que do artista.
Se artista está sempre em reconstrução; então, é a arte que deve ser compreendida, mas a arte é a vida, do artista.
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Ideias do que virá no futuro?
O presente tem sido um assombro, não? O quanto respeito devemos à natureza, coisa que tornou-se evidente, para alguns, não para todos. O profundo que têm sido as transformações, de um momento para outro, da validade de qualquer perspectiva, mesmo dos mais renomados analistas.
Então eu tenho projetos, alguns que seguem dentro da gaveta e outros que estavam na gaveta e que vamos desenferrujando, como gravar um álbum, por exemplo.
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Existe algo que você sempre quis responder e nunca te perguntaram? Se sim, por favor responda. =)
Se eu consigo razoavelmente, responder ao que me perguntam, já me sinto satisfeito. Grato!