imagem: Graciela Iturbide – Radiografia de pássaro, Oaxaca, México (1999)
A coluna R.You! apresenta o incrível texto da jovem gaúcha – com um pé em Coimbra – Natália Nodari, que fala do seu ofício da escrita e nos presenteia com um de seus contos.
“Mas, honestamente, eu penso que o jovem escritor que agrada o paladar literário dos avós está fazendo algo errado.”
Eu acredito que todo escritor é um egocêntrico do caralho e eu estaria mentindo se dissesse que não sou também.
Qualquer um que queira escrever algo decente precisa viver dentro de si. Quem falou isso foi poeta austríaco Rainer Maria Rilke, não eu. De qualquer forma, vou evitar ficar citando Rilke. Tem gente que cita autor inteligente para parecer mais inteligente, e eu acho isso péssimo. Quando alguém começa a falar de grandes autores eu começo a pensar em como eles são grandes e em como a pessoa que está citando parece pequena, minúscula, ao lado de gênios.
Falar disso me faz lembrar daqueles pornôs gays em que os caras ficam comparando o tamanho dos paus enquanto batem punheta juntos. Eu reconheço que deva existir prazer em ser o menor pau do grupo, mas apresentar a própria obra ao lado de gigantes é um tipo de fetiche que eu não tenho. Isso não quer dizer que eu não vá falar das minhas referências nessa entrevista, eu vou. Mas vou fazer de um jeito que eu não pareça que estou sentada ao lado da prima que é mais bonita do que eu. Escrever a sério é querer ser, ou acreditar que se é, a prima mais bonita do churrasco de domingo.
Eu digo isso no sentido de se dar importância. Para escrever, convém que qualquer acontecimento seja encarado de forma íntima e importante, como se nós fôssemos a rainha da festa da uva. Uma vez eu fui em uma dessas festas. Era novembro, eu acho. Fazia um calor horrível. A única coisa que me lembro é que uma das candidatas à coroa perdeu um brinco minúsculo e mandou o cara do alto-falante pedir para a gente procurar por ele. Eu fiquei pensando no nível de importância que uma pessoa precisa dar para si mesma para esperar que quatrocentas pessoas interrompam o que estão fazendo para olharem para baixo. Primeiro fiquei com raiva daquela besta, depois percebi que me sinto exatamente como ela quando se trata da minha escrita. Quer dizer, eu faria o mesmo se pudesse. Mandaria parar o que todo mundo está fazendo para entrar no meu cu.
Eu quero que me olhem enquanto eu não estiver olhando. Pra mim, ser escritora é isso.
É ser tímida e ousada ao mesmo tempo, como disse a Clarice Lispector na entrevista que deu para a TV Cultura em 1977. Escrever é querer que revirem, escarafunchem o meu cérebro, mas não na minha frente. Não em voz alta. Não quero chamar a atenção desse jeito, gritante, de palco. Eu sou, como a maioria dos escritores, uma exibicionista tímida. Mas não nego que quero ser vista. Lida. Relida. Quero que entrem no que eu pensei, que penetrem no que me faz ficar besta com a vida.
Isso não quer dizer que o que eu escrevo seja autobiográfico. O Segundo cu não é. Mas a raiva, o nojo, o abandono que estão lá são meus. Na verdade, muito meus. Os acontecimentos, não. Quando escrevo, penso acima de tudo no efeito que eu quero causar. Eu espero sintam, através dos personagens, algo que eu senti alguma vez – ou que sinto frequentemente.
Quando comecei a publicar os textos no Facebook tive alguns problemas com isso. Na verdade, ainda tenho. Eu reconheço que para a pessoa que chega em um conto meu através de um compartilhamento – ou seja, sem conhecer a proposta ficcional do cu – pode ser difícil perceber que estou fazendo ficção, e não dando um relato pessoal daqueles bem cretinos. Um conto meu sobre monogamia fez com que eu conquistasse a antipatia de um bando de gente das comunidades não-monogâmicas, Bom, a parte irônica é que quando eu escrevi esse conto vivia um relacionamento aberto e estava satisfeita e feliz naquele modelo. E aí acordo com quinze mensagens de gente indignada dizendo que não posso cagar regra sobre como as pessoas devem “viver o amor”.
Porra, nem eu quero isso, sabe?
Eu quero espalhar angústia. Botar o meu abandono para fora. Quero me revirar do avesso e mostrar que por dentro tudo isso aqui dói. Outra coisa cretina que já me aconteceu foram uns ex colegas de curso divulgarem a página do cu naqueles grupos de Facebook e WhatsApp “pró família tradicional” afirmando que eu estava admitindo crimes que havia cometido. Esse pessoal pegava em partes dos meus contos e dizia:
“olha lá, a pedófila está confessando o que fez. Vamos denunciar o site, vamos proteger nossas crianças!”
E, infelizmente, sabemos que muita gente que participa esses grupos não se presta a verificar se isso é verdade mesmo, se meu blog é destinado a literatura ou é mesmo uma ode aos crimes hediondos. Hoje em dia estou mais preparada para lidar com isso. Quer dizer, além de ter ido prestar queixa na polícia e estar em contato com advogadas, hoje eu coloco esclarecimentos no final de cada um dos textos. Acho que fica esteticamente bem feio, mas me livra de algumas dores de cabeça.
Escrever caralho e buceta
O segundo cu nasceu quando eu tinha vinte e três anos. Na época, eu estava na licenciatura em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já tinha feito uma série de aulas de escrita criativa, participado de grupos de jovenzinhos que, como eu, que sonhavam em serem escritores um dia. Acontece que no verão dos meus vinte e três anos tudo que eu queria era participar de um curso bem famoso de escrita aqui de Porto Alegre. Não vou citar o nome do curso para não dar ibope para ele, mas vou dizer que existe até programa de pós-graduação vinculada ao mesmo. Eu estava no final da graduação e pra mim fazia todo sentido me encaminhar para esse lado. Pensava em um possível mestrado, quem sabe um doutorado um dia. Sempre que eu me empolgo com algo começo a sonhar com uma projeção de cinco, dez anos envolvendo essa coisa.
Por exemplo, eu junto meu sobrenome com o sobrenome da pessoa com quem eu estou saindo. Nunca planejo trocar de sobrenome, mas não posso evitar: quando vejo, estou fingindo que vivo no século passado pensando em como seria ser Natália Sei-lá-o-quê. Depois lembro que não trocaria o Nodari nada nesse mundo e rio de mim mesma. A real é que eu me acho bem tosca por dentro. Não posso evitar. Também fico fantasiando que mato meu marido assim que caso com ele por gostar da ideia do título de viúva. Viúva Nodari.
Mas bom, voltando para a história do curso que eu queria fazer: moral da história é que essas aulas de escrita aconteciam durante as férias. Eram pagas. E para além serem pagas, existia uma seleção para o ingresso. Era preciso preencher uma ficha bem grande, que consistia numa espécie de entrevista que sondava a intenção da pessoa em se candidatar para o curso. No final, tínhamos que anexar dois textos ao envelope entrevista e entregar eles em uma universidade.
No dia em que depositei meu envelope no balcão da secretaria eu achava que tinha tudo que era preciso para ser selecionada.
Pensem comigo: eu era jovem, prestes a me formar na área da Letras, não era completamente novata em aulas de escrita, ou seja, o que eu produzia não era totalmente rudimentar. Na carta de intenção deixei bem claro que queria seguir uma vida fazendo literatura, por mais cretina e difícil que essa vida possa ser. Enfim. Acham que eu fui selecionada?
Acharam errado. Não fui. E não só não fui como nem cheguei a fazer parte da lista ridícula de espera. Como sou rancorosa, fui pesquisar o Lattes de todo mundo que tinha sido aprovado. Várias dessas pessoas não tinham muito a ver com escrita. Quer dizer, acho que um escritor pode nascer de qualquer área. E também pode nascer sem instrução formal, como a Carolina Maria de Jesus nos mostrou tão bem ao escrever o Quarto de Despejo, por exemplo. Acontece que tinha gente lá que realmente parecia estar fazendo o curso assim, eu diria, com menos planos de futuro do que eu. Ou com uma inclinação menos literária do que a minha.
Primeiro senti vergonha de não ter sido aprovada, depois fiquei puta. A vergonha veio do fato de eu ter, de forma bem ingênua, espalhado para vários amigos que tinha realizado aquela candidatura. Esses amigos validavam bastante a minha escrita, e eu me sentia ótima com isso. Quando disse que não tinha sido aprovada senti que estava retirando o meu título de escritora da mesma forma que alguém retira um curativo da perna. Doeu.
Por isso eu tenho tanto ranço com competições de escrita. Quer dizer, eu quero que os meus leitores decidam se eu presto para ser lida ou não, e não um bando de cornos formados por, sei lá, quatro pessoas que têm uma ideia fixa do que vale ou não a pena ser lido. Nota sincera: eu falo isso mas sou hipócrita o bastante para participar de um júri se me chamarem.
Quando a vergonha passou – ou pelo menos parte dela – eu criei www.osegundocu.com e publiquei os dois contos que tinha anexado na minha candidatura. Os contos são “Pata do camelo” e “Aurélia”. Um texto aborda zoofilia e outro coprofilia, respectivamente. As vezes penso que não fui selecionada por causa da temática que eu abordei, ou por conta de alguns palavrões que escrevi.
Não sei.
Mas sei que não gosto de escrita bonita. Ou melhor, não gosto de quem escreve com a pretensão de escrever bonito, delicado, poético.
Pra mim, texto bonito é texto que faz com que eu sinta alguma coisa.
E é claro que isso pode ser realizado de várias formas. Usar palavrões, abordar temáticas “pesadas” não é necessário para provocar algo, é claro. Isso vai do estilo de cada um.
Mas, honestamente, eu penso que o jovem escritor que agrada o paladar literário dos avós está fazendo algo errado. Nos meus pesadelos vejo todas as minhas tias idosas na sala falando em como a minha literatura é delicada. Adoro minhas tias, sem exceção, mas sei que foram criadas em uma época em que não podiam se mostrar infelizes. Não podiam dizer que não gostavam de ter que trepar mais com o marido, por exemplo. Não podiam dizer que preferiam ter vivido outra vida além da que tiveram.
E eu quero falar do infeliz.
Fernando Pessoa dizia que não escrevia pra agradar ou pra desagradar, escrevia para desassossegar. Eu concordo com Pessoa. Quero mais é colocar mais lenha na fogueira. E quando eu virar uma avó, espero ler algo da geração mais nova que me deixe chocada. Eu gosto do que me choca. Gosto do sujo, das coisas bizarras. Dos tabus.
Acho o máximo que existam palavras que são consideradas obscenas.
Buceta, por exemplo. Falar buceta é feio. Melhor falar vagina quando estiver em frente ao ginecologista, e periquita quando estiver na frente de crianças. Mas qual o problema de falar buceta? Digo, acho impressionante o fato de que todos nós concordamos que há versões feias de determinadas palavras e que falar elas é inapropriado. No fundo elas são palavras como qualquer outras. Mas combinamos que são feias, e por isso acabam sendo interpretadas dessa maneira.
Aí eu uso essas palavras pra ver o que acontece com as pessoas.
Eu passei os últimos três anos da minha vida em Portugal, fazendo mestrado em Literatura de Língua Portuguesa. Lá, cu não é uma palavra imprópria. Nem rabo. Aí acontece que quando eu ia provar uma calça eu escutava minhas amigas falarem que aquela ficava feia no rabo. Falavam em tom normal, assim como nós falamos bunda aqui no Brasil. Isso para mim era interessante. Eu cruzei um oceano e senti que palavras que eram sujas tomaram banho. Aprendi as palavras feias dos portugueses, é claro. Não tem como passar três anos em um país fingindo que eu sou um anjo.
Na verdade, no começo eu tinha um pouco de receio de que meu cu não tivesse a mesma força de impacto em leitores portugueses. Mas acho que tem. Digo acho porque é bem isso, só acho mesmo. Não consigo afirmar com toda certeza do mundo como se se tivesse dezoito anos de novo. Quando eu tinha dezoito, tinha certeza de absolutamente tudo.
A idade me fez mais comedida, mas não comedida o bastante para ser completamente imbecil.
Ser leitora
Eu tive alguns colegas – tanto na UFRGS quanto na Universidade de Coimbra – que diziam que o curso de letras tinha retirado o prazer que eles sentiam no ato de ler. Me falavam que as aulas tinham modificado a espécie de leitura ingênua que faziam anteriormente. E que, uma vez perdida essa inocência de leitor, os livros não eram mais tão prazerosos.
Por sorte ou burrice isso nunca aconteceu comigo.
Digo sorte porque talvez eu tenha tido outra interpretação das aulas, e burrice porque talvez não tenha entendido o que os professores falaram mesmo, e por isso passei incólume nesse negócio de começar a ter um olhar malandro sobre os textos.
As vezes eu recebo umas mensagens na página do cu de gente que quer que eu indique livros. Do tipo, “Natália, que livros-você-indicaria-para-quem-quer-começa-a-escrever”
Eu sou péssima nisso.
Em primeiro lugar, em geral não conheço a pessoa que me fez essa pergunta. Eu acho realmente difícil recomendar um livro para alguém que eu nunca vi. Existem livros fantásticos, eu diria unanimemente bons espalhados pelo mundo. Mas mesmo estes livros vão ser um tédio se o leitor não estiver no momento certo para ler eles.
Aos quatorze anos eu era bem pretenciosa. Bem mais que sou hoje. E aí resolvi ler Proust. Eu li porque queria dizer que tinha lido Em busca do tempo perdido. Li também porque os adultos ao meu redor diziam que era genial, extraordinário, a leitura que tinha marcado eles e sei lá mais o quê.
É claro que eu não entendi porra nenhuma.
Me obriguei a acabar as trezentas e tantas páginas. Cada uma foi mais difícil do que a outra, e quando acabei, só conseguia sentir alívio. Senti o que a gente sente nos dedos quando está voltando para a casa com as sacolas do mercado. Eu estava formigando, nem sentia mais nada. Mas não me permitia desistir no meio do caminho. E, olha, não vou dizer que ninguém deve ler Proust aos quatorze anos – sei que tem gente que aos quatorze anos é mais inteligente e vivida do que eu era. Mas a adolescência não era a época correta para eu ler Em Busca do Tempo Perdido.
Penso que os livros têm momento certo para serem compreendidos e esse momento é individual, único para cada um. Eu não sei das dores que não são minhas, e é preciso viver algumas dores para ter tesão em ler certas coisas.
Outro exemplo que dou é minha experiência com a Sylvia Plath. Comprei a Redoma de Vidro aos vinte anos. Naquela época li e gostei, mas não senti que tinha sido um livro excepcionalmente marcante. Sete anos depois – ou seja, esse ano – fui ler o livro de novo.
E dessa vez, A redoma de Vidro mudou a minha vida.
Virou uma das melhores coisas que já li. É meu livro do ano. Estou obcecadíssima pela Sylvia Plath. Só consigo falar dela, e quando não estou falando dela estou esperando que alguém fale para que eu possa conversar mais um pouco. E eu acredito que isso tenha acontecido porque a Natália de vinte anos nunca tinha experimentado solidão. A Natália de vinte e sete, sim. E A Redoma de Vidro é sobre solidão. Sobre querer ir embora dessa existência porque ela é profundamente isolada.
Portanto, ao invés de falar aqui de livros que “todo mundo deveria ler”, vou falar dos livros que foram indispensáveis para que eu me tornasse quem eu sou hoje.
Sou da geração do Harry Potter, e li e gostei de cada um dos livros da série. Mas o que me fez Natália mesmo foi o Phillip Pullman com a trilogia A Bússola de Ouro, A Faca Sutil e A Luneta Âmbar.
Eu tinha dez anos quando li os livros de Pullmann.
A imagem de um universo em que humanos possuem parte das almas andando fora do corpo, sob a forma de animais, foi gigante para a minha primeira década de vida. Na verdade, é até hoje. Acho que não houve um ano em que eu não tivesse pensando em que animal a minha alma tomaria forma, ou qual seria o nome que eu colocaria meu bicho. Nos livros, esses animais/almas nascem com as crianças e mudam de espécie de acordo com a circunstância e humor em que elas se encontram. Quando as crianças viram adultas, a alma se fixa em um animal só. Marinheiros, por exemplo, são pessoas que a alma se fixou em um formato de peixe ou golfinho. Por não poderem tomar distância de suas almas, essas pessoas só podem viver e trabalhar no mar.
Ah, puta merda, essa ideia é boa demais pra mim.
Já na adolescência eu acabei lendo Mario Vargas Llosa e descobri que erotismo e amor existem em vários formatos diferentes. As Travessuras da Menina Má foi o livro que marcou meus dezessete anos. Ele e os diários da Anais Nin. Anais mostrou para a Natália inexperiente que existe muita coisa interessante para além do formato namorado-marido-filhos-família que aprendemos desde pequenas. E que se paga um preço por não seguir esse formato tradicional.
Ao narrar a própria vida, Anais me inflamou para que eu vivesse a minha. Depois dos diários, principalmente do Henry e June, terminei com o namorado que tinha conhecido na adolescência. Eu estava feliz com aquela pessoa, mas queria ter experiências com outras. Em outros formatos. Eu queria viver uns dramas também, antes de me encaixar em uma estrutura tão previsível, tão esperado para mim.
Nessa época adolescente fui bastante criticada pelas minhas amigas. Na bolha Porto Alegrense em que fui criada, o bonito ainda é noivar o namoradinho que arrumamos no final da escola ou durante a faculdade. Fui criticada por ter tido uma série de namoros, e principalmente por, naquela época, falar de sexo.
Levei anos para perceber que aquelas críticas eram um atestado de covardia dessas pessoas, e mais um tempo para me desvencilhar desse tipo de amizade. Longe de mim participar de um grupo que fica se auto censurando todo o tempo só para poder postar foto de churrasco no final do ano no Instagram.
Enfim. No começo dos meus vinte anos descobri Stephen King.
Stephen King é o pai do meu cu.
King me deu coragem para pegar na caneta. Antes dele, eu tinha em mente a ideia de que começaria a escrever a sério quando estivesse preparada. Eu sempre achava que me faltava bagagem literária, técnica, ou algum grande acontecimento para que eu começasse a escrever.
Aí eu li o primeiro volume de A Torre Negra. E depois li Carrie, a Estranha. E percebi como aquele homem tinha crescido. King é o monstro da escrita que não teve medo de não ter começado de forma tão potente. Eu gosto de Carrie, mas perto das últimas produções de King, acho o livro bem tosquinho. E isto é delicioso. Quer dizer, Carrie é iniciante, mas é o suficiente para fazer os leitores sentirem. E isso é o bastante.
Quando me dei conta de que não precisava estar madura para escrever, perdi o medo.
Também parei de falar essa coisa ridícula que é dizer que se escreve “as vezes” ou por “lazer” quando se escreve a sério. Eu escrevo a sério.
Escrevo todos os dias, e com toda vontade que tenho.
E se quando eu lançar O segundo cu em formato de livro ele for um fracasso de público, vou lançar um próximo. E depois outro. E mais outro. Quer dizer, eu já tenho uma boa quantia de leitores. Mas acredito que posso ser maior, tipo a rainha da festa da uva. Se eu morrer sem alcançar tudo que quero fazer com a escrita, deixo registrado que vou morrer frustrada e amarga, corna de mim mesma. Não vou embora da vida sem ter escrever tudo que quero.
Vejo pessoas que escrevem e dizem que o fazem “por brincadeira” por medo de quebrar a cara. Sei disso por já ter sido assim. Mas eu não tenho mais essa vontade de mentir. Não sobre isso. Ainda minto sobre outras coisas, tipo autores brasileiros. Principalmente mulheres.
Tem umas que leio, gosto muito e não tenho coragem de chegar nelas e dizer: e aí fulana, vamos ser amigas? Vontade eu tenho, me falta coragem. Então minto que não estou lendo elas, mas na verdade estou sim. Espero que eu mude isso no futuro. Só sei que não invento mais que estou escrevendo como passatempo, ou “para ver no que dá”.
Se tudo que sair dessa cabeça for uma bosta, lamento. É o melhor que a casa oferece.
Estrangeira no próprio país
As vezes é uma merda ser eu. Nesses momentos eu olho para minha vida e me pergunto se falta muito para que ela acabe, tal como um aluno se pergunta quantos minutos restam para o sinal do intervalo tocar.
Uma vez falei isso durante uma aula de literatura. Me arrependi na hora que comecei a falar, mas aí já tinha aberto a boca. Vi que era inapropriado, é lógico. A professora também reparou nisso. E pediu para eu repetir o que eu tinha dito, fingindo não ter escutado direito a minha colocação. Na hora eu inventei uma frase sem pé nem cabeça para disfarçar meu raciocínio trágico. A professora não respondeu coisa alguma. Meio ano depois, ela desistiu da própria vida e eu me arrependi de não ter repetido o que tinha dito originalmente.
Acho que ela teria entendido o que eu estava sentindo.
Não tenho pretensão nenhuma de mudar o mundo com o que eu escrevo. Eu quero é me sentir menos sozinha nessa angústia que é existir. Eu sou profundamente pessimista quanto ao futuro da humanidade. Ao mesmo tempo, superficialmente me comporto de maneira alegre e até meiga. Ainda não sei os motivos que me levam a agir assim. Como mencionei ao longo dessa entrevista, tenho vinte e sete anos. Nasci em Porto Alegre e vivi lá até meus vinte e quatro. Depois mudei para Portugal e permaneci lá até outubro de 2019. Verifiquei que a vida é uma montanha russa do diabo em qualquer país em que eu esteja.
Tolstói abre Ana Karênina dizendo que cada família é infeliz à sua maneira, e eu costumo pensar que cada país tem seu modo de ser infeliz. E por mais que tenha sido por vezes bastante difícil, gostei de ter vivido lá fora. A verdade é que eu nasci numa piscina de privilégios. Como Virgínia Woolf, tive um teto só para mim. Tive quem pagasse pelos meus estudos, pela minha comida, para que eu me dedicasse a ser leitora e escritora.
Iniciei essa entrevista dizendo que qualquer um que queira escrever algo decente precisa viver dentro de si.
E eu me descreveria assim. Eu vivo em mim. Sou uma pessoa de poucas pessoas. Sinto que sempre estou nas vésperas de um ataque de ansiedade e às vezes estou mesmo, já que lido com síndrome do pânico desde a infância. Eu me sinto só. E mesmo quando estou com pessoas, me sinto assim. O que às vezes faz com que às vezes eu entre em momentos muito reclusos, em que eu não gosto de ir em festas, nem bares, nem em qualquer lugar em que eu sinta que as pessoas estão alegres em uníssono. Eu tenho dificuldade em sintonizar essa maldita rádio feliz coletiva, e confesso que as vezes isso me faz sentir inveja e tristeza. A alegria dos grupos me parece uma piscina em que eu não consigo molhar os pés.
Prefiro conviver com uma pessoa por vez. No máximo duas.
Cada merda acontece comigo leva cem anos para passar. Sinto que minhas feridas sangram, sangram e depois sangram um pouco mais até pensarem em cicatrizar. As vezes eu penso que nasci sem uma casquinha protetora que a maioria das pessoas devem ter, porque a vida me irrita, me entristece ou me inflama com facilidade.
Faz um mês que voltei a morar em Porto Alegre. Desde que voltei, saí de casa cinco vezes. Uma delas para ir ao médico, outra para ir ao mercado e outras para ver amigas. Pela primeira vez na vida, consigo escutar o sotaque das pessoas daqui. Afinal, passei três anos sem pisar no Brasil. Descobri que tem tipos de sotaque de Porto Alegre que eu não suporto, que acho idiota, elitista e forçado. Outros eu até gosto.
Acontece que quando eu deixei Porto Alegre, sentia que pertencia a esta cidade. Afinal, eu estudei em um colégio tradicional, depois cursei a universidade federal, depois resolvi escrever O segundo cu e nossa, me sentia a madame Porto-Alegrense do cacete que sabe o nome até do farmacêutico do bairro em que mora. Que é reconhecida pelo garçom da Lancheria do Parque. Ui ui ui. Podem me achar escrota. Eu também me acho, mas gostava do que sentia naquela época.
Agora que voltei, sinto que esqueci meu pertencimento em algum lugar. Procuro a cidade que era tão minha, e não encontro. A sensação é horrorosa.
Jogo do Biscoito
– A gente pega uma dessas bolachas aí e coloca na mesa. Tem que gozar em cima dela, entenderam? O último que gozar come.
– Trakinas sabor porra!
– Recheio especial. E aí, topam?
O Marcos sempre tinha essas ideias de merda, sempre mesmo. Quando eu tinha cinco anos ele me convenceu a colocar o pau naquele buraco que suga a água da piscina. Velho, que dor mais fodida. Eu devo ser o único cara do mundo que foi circuncidado por ter machucado o peru no sugador. Tá certo que ter escondido o machucado da minha mãe durante uma semana contribuiu pra isso, mas essa é outra história. Só sei que eu olhei pros caras e quando vi todos já estavam em volta da mesa berrando para eu pegar a bolacha. Tirei uma Trakinas do pacote e botei na mesa. O Marcos abriu ela ao meio daquele jeito que a gente faz quando é criança e quer comer o recheio antes.
– Vamos criar uma multa pra quem perder.
– Como assim?
– Uma multa, velho. Pro cara não desistir de papar
Então o Marcos sugeriu que o perdedor desse a bunda para o grupo e todo mundo achou genial. Se o Marcos sugerisse que todo mundo comesse merda eles iam continuar achando genial. As vezes eu achava que era o único dali que tinha cérebro. Só sei que depois de concordar com a multa os caras não falavam mais nada, acho que ninguém queria tirar a benga para fora primeiro. Eu tava mole e ficava pensando se os caras tavam assim também.
Olhei pro Marcos e o filho da puta tava abrindo o zíper bem devagarinho, parecia propaganda de cueca da Men’s Health com a exceção de que nenhum cara de propaganda ia ter aqueles dentes amarelos. Aí ele meteu a mão e puxou uma cabeçona roxa para fora da cueca. Brother, eu nunca tinha visto um negócio daqueles. Não que eu tenha visto muitos paus na vida, mas o cara da aquela olhadinha no mictório as vezes, né. Aí eu comecei a pensar que uma cabeça daquelas devia fazer uma massagem gostosa dentro das mulheres e que era por isso que todas elas ficavam com o Marcos, elas nem deviam se importar com aqueles dentes porque sabiam que dentro da calça dele tinha um cacete cabeçudo que mal ia conseguir entrar na boceta delas, elas deviam contar umas para as outras sobre o cacetão e por isso esse filho de uma égua sempre tava comendo alguém.
Parei de pensar nisso e quando eu vi ele tava tocando uma punheta bem de leve com a rola toda pra fora da calça, deu pra ver que a cabeça já estava babando aquela aguinha e eu lá, com a braguilha fechada ainda. Aí ele falou qual das bonecas vai mamar primeiro? e sei lá, dá uma vergonha admitir isso mas eu fiquei de pau duro, eu nunca tinha pensado em mamar uma rola antes mas fiquei imaginando como devia ser para uma mulher encher a boca com aquele caralho, fiquei pensando que se fosse uma mulher ia ficar dando lambidinhas na baba do pau enquanto mamo no ganso. Puxei meu zíper e olhei os outros caras fazerem a mesma coisa, peguei minha benga para fora e comecei a tocar meio tímido, os outros também estavam todos assim até o Marcos começar a acelerar na punheta e dar uns grunhidos, logo em seguida ele se debruçou na mesa e todo mundo viu aquele cacete esporrar bem em cima da bolacha, aquela porra grossa nunca parava de sair, o cara tava gozando fazia uma eternidade e aí todo mundo começou a mandar ver na bronha, mal dava pra ver a benga do Roger de tão rápido que ele mexia a mão. Não deu um segundo e ele direcionou o pau pra bolacha e gozou uma aguinha transparente por cima daquele chantilly do Marcos. Que momento humilhante. Acho que o Roger achou também porque logo depois de gozar ficou olhando pra baixo ao invés de olhar pros caras que ainda não tinham gozado.
O Marcos não guardou a piroca depois da gozada e ficou com ela de fora balançando, até mole a cabeça era enorme. Faltava eu, o alemão e o Japa e eu já tava querendo gozar, a cada olhadinha que eu dava para aquela jeba molenga eu ficava com vontade de ir lá e roçar o meu caralho duro nele, ia gozar na cabeça dele, os nossos paus todos gosmentos iam ficar se esfregando até ele ficar duro e soltar toda porra de novo.
Nessas o Japa gozou e a disputa ficou entre e eu o Alemão. Os caras só olhavam pra mim e pra ele. Só sei que ver o Marcos olhando pro meu caralho começou a me dar um troço. Na real eu tava orgulhoso dele estar me vendo assim, com o cacete latejando. Tenho umas veias do lado do pau que ficam enormes quando eu tô pra gozar e elas estavam bem assim, eu ficava inclinando o caralho pro lado para ele ver melhor as veias, aí nessas de inclinar comecei a pensar que comendo aquela Trakinas eu ia provar o leitinho do Marcos, tudo bem que ia ser misturado com a porra nojenta dos caras, mas mesmo assim ia sentir aquela porra grossa na boca e com certeza ia diferenciar ela das outras, comecei a punhetar cada vez mais devagar, o Alemão tava desesperado olhando para a bolacha e isso só fazia ele demorar mais para gozar, o cara parecia desesperado de verdade e as bochechas dele começaram a ficar vermelhas, todo mundo começou a rir dele menos eu, eu tava me segurando…
Então o Alemão gozou.
Todo mundo olhou pra mim. Forcei uma cara de nojo.