InterrogatórioPor aí

Interrogando Leonardo Barzi/Mercy Killing

A R.Nott Magazine interrogou um dos grandes nomes da cena musical underground curitibana: Mercy Killing. Nossa conversa com Leonardo Barzi traz um pouco da história do grupo e do momento que a banda vive atualmente. Confira!


“Não somos contra bandas que não abordam questões políticas nas suas letras, apenas achamos que existem coisas mais importantes para abordar além de sexo, religião ou bebedeira.”

Como, onde, quando e por quê.

Quando surgimos não sabíamos exatamente o que fazer com essa vontade de fazer músicas. Fui convidado em 1987 por Bruno Leal, hoje na Pandora, para montar uma banda com Fábio Castro, da Injúria, em Salvador (BA) mas só começamos a ensaiar de fato em 1988. Passamos a focar em músicas próprias, tivemos muitas mudanças de formação e quase descaracterizamos o som mais agressivo e brutal nos anos 90, a ponto da banda quase acabar em 2000. Mudei para Curitiba e depois de tentar alguns projetos, retomei a banda e em 2013 consolidamos a formação que gravaria o nosso primeiro disco, com Tati Klingel nos vocais, Leonardo Sampaio na bateria e Alexandre Teixeira na guitarra. Em 2018 José Sepka assumiu as baquetas e desde então estamos nos entrosando cada vez mais para gravar o disco que deverá soar o mais fiel possível às apresentações ao vivo, que sempre foi nossa preocupação, com letras o mais politizadas possível para demonstrar nosso descontentamento com os rumos da nossa sociedade.

Por que Mercy Killing?

Em 1988 estávamos buscando nomes para a banda, como os óbvios “Pestilence” e “Hell Rider,” quando nosso guitarrista sugeriu a expressão Mercy Killing, por conta de um esboço de letra chamado Eutanásia, que analisava a questão do vício em drogas pesadas (apenas o conceito foi utilizado na faixa Euthanasia, título do álbum) e acabamos por concordar que é um nome impactante.

A banda completou 30 anos recentemente. Com relação à a) cena underground; b) ideologia; c) música; o que mudou?

a) a “cena” Underground tem vida própria e independe do que é planejado para ela, mas existem alguns percalços, como a formação de “grupo” e “panelas”, que minam essa unidade que ainda resiste. Em Curitiba esse detalhe é bem destacado, infelizmente;

b) ideologicamente o meio é mais heterogêneo ainda, algumas pessoas se surpreendem com essa retomada de valores ultraconservadores, mas bandas e músicos ainda insistem em posturas sexistas, por exemplo, com o argumento que “isso sempre fez parte do Metal”, portanto pouca coisa mudou, e se algo deve ser interpretado como “positivo” nessa polarização de uns 4 anos pra cá, é o fato de muita gente ter “acordado” e chamado atenção para o que realmente interessa;

c) a música/anti-música Underground é dinâmica mas dá espaços para expressões que consideramos “não-originais”, como bandas que se orgulham de parecer com outras antigas, indo até expressões chamadas de “modernas”, em que elementos musicais considerados “mainstream” são absorvidos. Sinceramente não damos muita bola para discussões sobre quem é “real” e quem é “falso”, convivemos com bandas true que integrantes são posers e bandas modernas que ajudam muito mais o Underground que bandas reais.

Entre os punks e os headbangers, onde vocês estão? E mais: ainda existem punks ou headbangers?

Estamos no bar, bebendo cerveja com todos os amigos de esquerda, sejam eles Punks, Headbangers, góticos, emos e esses bichos estranhos.

Quais são suas principais influências e seus heróis, tanto no Brasil como fora?

“Herói” é um conceito que define um líder ou um destaque e é algo que jamais concordaríamos. O que queremos é união, é equidade, uma sociedade igualitária.

Musicalmente e ideologicamente temos nossas influências, claro, mas estão baseadas no coletivo, como bandas (Kreator, Destruction, Slayer, Assassin, Ratos de Porão, Brigada do Ódio e Varukers, entre outros) e eventos como a Comuna de Paris e a Comunidade Santa Cecília, por exemplo.

O que é o Thrash Metal brasileiro? Isso pode ser definido?

Uma questão extremamente polêmica e complicada… Acho que muitas bandas originais que fizeram discos considerados Death ou Thrash Metal nos anos 80 foram definidos mais pela qualidade técnica de execução e gravação do que por quererem soar assim de propósito, até que o estilo se consolidasse no final dos anos 80, e não só no Brasil.

Mas sim, existe um Thrash Metal brasileiro e acho que muitas bandas ainda soam como tal, mesmo quando querem soar vintage ou retrô.

Música e mensagem: como essas duas coisas conversam? Você acha que seu público ouve as suas palavras?

Devido à abordagem agressiva ao vivo (ou mesmo em estúdio) a mensagem acaba ficando em segundo plano, mas está lá. O Metal, tal como o Punk, tem uma obrigação social, um engajamento inerente às origens e negar isso é negar a própria existência do estilo. Por conta disso (e desde o início) inserimos algumas letras em português para que essa interação com as letras seja um pouco mais imediata.

Em tempo: não somos contra bandas que não abordam questões políticas nas suas letras, apenas achamos que existem coisas mais importantes para abordar além de sexo, religião ou bebedeira.

Vocês contam hoje com um vocal feminino, que é o da grande Tati Klingel. Fale sobre como é ter uma vocalista mulher nessa cena. Ainda sobre esse assunto, houve grandes mudanças no comportamento do público com relação a integrantes mulheres no Thrash?

No geral não faz muita diferença em ter integrantes de gênero diferentes na banda (a não ser na hora de ir ao banheiro ou de contar piadas idiotas). Mesmo com Stephanie (guitarrista e ex-integrante) não enfrentamos muita resistência, mas com a Tati, que se tornou referência em vocal gutural, existe um problema talvez mais grave, que são as reações machistas e sexistas por parte de alguns ex-amigos.

Palavras da banda: “Enquanto isso os shows Underground seguem vazios, as pessoas continuam bebendo do lado de fora, não pagando o ingresso e não consumindo merchandising, mas tiram fotos e postam e redes sociais fingindo serem apoiadores da cena.” Por isso eu te pergunto: a cena underground é uma causa perdida?

Não é, senão já teríamos desistido. Mas, infelizmente, boa parte dos integrantes das cenas em todo o país, talvez a grande maioria, é de pessoas vazias e fúteis, que não somam em nada.

Antifa: quantas vezes vocês já brigaram por causa disso? (E mudou algo?) Fale sobre o estado atual do Rock e de ideologias.

Ficamos (os brasileiros politizados) muito afastados da militância política (não partidária, por favor!) e fomos pegos de surpresa pela ascensão de uma extrema direita com tendências fascistas a nível mundial. Muitas bandas ainda não entenderam que não existe tolerância com fascistas (recomendo uma rápida leitura sobre o paradoxo de Popper) e muitos fascistas que ficaram anos adormecidos estão mostrando suas garras. É, portanto, nossa obrigação deter, combater e denunciar esses escrotos.

Quais os próximos passos da banda?

Estamos compondo o segundo álbum com a formação atual, com faixas escritas do zero e a retomada de outras com abordagem atual. Pretendemos gravá-las o mais rápido possível (dentro das nossas possibilidades, claro) para lançarmos ainda em 2020. Nesse meio tempo soltamos um EP totalmente em português, um single e uma live tape exclusiva e provavelmente tocaremos menos até esse material ficar pronto.

Existe algo que vocês sempre quiseram ter respondido e nunca perguntaram? Se sim, por favor nos responda. =)

Rapaz, que coisa maluca! Nunca pensei dessa forma, mas me incomoda nunca perguntarem quais as influências que estão na arte da capa do álbum Euthanasia, que são filmes B, em especial o Re-Animator. Inclusive existem várias citações e easter eggs na pintura, que com certeza teriam despertado a minha curiosidade se eu não conhecesse a banda.

Aproveitamos para agradecer a oportunidade de participar da R.Nott Magazine, é uma honra e ainda mais conseguir trocar ideia com o Vinicius, um incansável guerreiro do Underground.

Capa de Euthanasia.

Clipe oficial de Splatterhead
Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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