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Imagem: Guilherme Carriel – Nama Rupa – Foto de divulgação
[/vc_column_text][vc_column_text]Interrogamos Guilherme Carriel, artista, praticante de yoga, e integrante da exposição Tangentes, aberta na Zuleika Bisacchi Galeria de Arte. Confira a nossa conversa!
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“Disse a ele que pensei em fazer algo, ele disse “só pensou em fazer e não fez nada”. Foi-me uma grande lição. Atualmente o mundo da arte nos exige pensar em muita coisa, mas, se não há fazer, não serve pra nada.”
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Como, onde, quando e por quê.
Como todo artista costuma dizer, e talvez, como muitos seres humanos, lembro-me das primeiras experiências “artísticas” ainda na infância. Desde as pinturas e desenhos infantis, mas como o contato com a natureza, as brincadeiras ao ar livre, recolhendo elementos do meu entorno, algo que retomo com muita força na minha poética. A experimentação da infância, que, no futuro, pode estar no cerne dos processos artísticos, é comum da natureza humana. Entretanto, minha mãe era (é) professora de artes, e também artista, que sempre acabou vendo as coisas com outros olhos, e de forma sempre entusiasta, sempre me elogiou como “você é um artista”, além de estar sempre imerso nas ilustrações de livros de história da arte que tinham nas prateleiras.
Desenhos e cadernos de anotações também foram muito presentes na adolescência, mas a escolha de fazer uma faculdade de artes apareceu quando as outras disciplinas não me satisfaziam. Lá em 2012, a faculdade de arte veio mais como a última restante das coisas que eu não queria fazer.
Nessa época já era praticante de Yoga e queria fazer algum curso, onde conheci a única graduação de Yoga reconhecida pelo MEC no Brasil, aqui em Curitiba. Então cursei juntamente com a Federal do Paraná, mergulhando na cultura oriental.
Lembro-me de ser dilacerado pelas duas faculdades, no sentido dos questionamentos filosóficos e existenciais, tanto que tranquei artes para terminar Yoga e só consegui terminar no ano passado, quase abandonando o curso, também pela necessidade de trabalhar e com Yoga ser um pouco mais fácil naquele momento em gerar alguma renda.
Foi no retorno do curso de artes, em 2016, depois de ter terminado Yoga e já dar aulas há 5 anos, que comecei a desvendar a minha poética, o meu processo, as correlações filosóficas do oriente com o ocidente, fenomenologia, existencialismo, metafísica…. Diversas vezes perguntava aos professores onde estaria aquilo que estava fazendo dentro do mundo contemporâneo… Confesso que ainda não achei uma resposta clara.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Como você compreende seu processo e seu percurso na contemporaneidade?
Tinha dificuldades em perceber o sentar numa praça e anotar tudo que acontecia ao meu redor e também interiormente, num livro, começar a recolher objetos do meu percurso cotidiano (como as 43 pedras para a obra “O peso da presença” no CUBIC 3 – 2017) como um processo artístico, até conhecer mais profundamente artistas como Robert Smithson, Richard Long, Joseph Beyus, Gabriel Orozco, todos abordando questões do percurso, do caminho, materiais “naturais” e não naturais, e mesmo acompanhando o percurso dos meus colegas de faculdade, como Erica Storer, do Coletivo Brutas, Yasmin Kozak, Ângelo Luz, a participação no Circuito da Bienal, passei a me perceber mais “amparado” no cenário atual. O contato com alguns artistas na última Bienal de Curitiba ajudou-me a esclarecer algumas dúvidas pertinentes, tanto em nível de processo como material. Sendo assim, hoje percebo que estou engatinhando perto de outros artistas, mas que alguns aspectos materiais e de estilo começam aparecer no horizonte.
♦ Fale sobre o seu processo criativo.
A poética envolve o silêncio, a meditação, o contato com a natureza e a vida cotidiana, fazendo as correlações com aspectos sociais, econômico, e mesmo políticos à minha volta. É como se o trabalho nascesse de um estudo da consciência e da mente, como sendo o cerne da experiência individual que se projeta para o coletivo. Desse cotidiano, nos momentos de silêncio, onde se pode ver algo para além dos nossos próprios condicionamentos brotam as experiências de “presença” (nas palavras de Gumbrecht), de “epifania”, momentos que são indescritíveis em palavras. A escrita me acompanha, muitas vezes, nesses momentos, tentando registrar o inefável. Aliás, REGISTRO tem sido uma palavra chave para compreender o meu processo. Bem como a relação com algum material, a madeira, as pedras, materiais que por si só são cheios de registros, de memória, de ancestralidade e ao mesmo tempo projetam todo esse peso no momento presente. Então, como registrar o inefável, o invisível, como falar sobre aquilo que está para além da mente, ou mesmo, como produzir presença, produzir silêncio, tem sido questões que tento desvendar.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Por favor, comente a frase atribuída a Katsushika Hokusai: “Com seis anos de idade eu tinha uma paixão por copiar a forma das coisas, e desde os cinquenta eu tenho publicado os meus desenhos, mas não há nada que eu tenha desenhado até os setenta anos que deva ser levado em conta. Aos setenta e três anos eu entendi parcialmente a estrutura dos animais, pássaros, insetos e peixes, e a vida da relva e das plantas. E então, aos oitenta e seis eu deverei progredir mais; aos noventa eu deverei penetrar ainda mais no significado secreto dessas coisas, e aos cem eu talvez tenha alcançado verdadeiramente o nível do maravilhoso e do divino. Quando eu tiver cento e dez anos, cada ponto, cada linha possuirá sua própria vida.”
Aqui, aquilo que comentei na primeira pergunta da entrevista, a vivência artística parece ser da natureza humana, então, como trazer de volta a magia que a criança, sem os nossos véus de conceitos e pré-conceitos, consegue vivenciar na sua experiência de viver? Talvez uma vida toda seja pouco para explorarmos essa questão, que por mais magnitude tenha aquilo que fazemos, ainda parece pouco perante o que ainda pode ser desvendado.
♦ Conte-nos sobre a exposição Tangentes na ZB Galeria de Arte. Como ela surgiu e qual você acha que é a relação do seu trabalho com os trabalhos das outras artistas participantes, Bruna Fernandes e Anna Lima?
Tangentes nasceu no final de 2016 de uma iniciativa de uma professora da faculdade, Tânia Bloomfield, com a Zuleika Bisacchi, onde resolveram fazer um edital para alunos que estivessem cursando a disciplina de TCC ou de Projetos Avançados (onde os alunos mergulham mais profundamente, por um ano, em uma linguagem, como Pintura, Gravura, Escultura…). Os ganhadores, após uma banca de avaliação de portfólios e trabalhos enviados, poderiam participar de uma exposição organizada pela galeria.
Ali, naquele edital ainda era só uma intenção de se fazer uma exposição. Os selecionados, ao longo do ano de 2017 foram apresentando os projetos, as ideias, o andamento dos trabalhos quase num processo conjunto de criação com o acompanhamento cuidadoso da Zuleika e das meninas da galeria, principalmente a gerente Shana Lima, que culminou agora com a exposição Tangentes.
Como eu estava desperiodizado, por ter trancado um ano a faculdade, eu cursei algumas matérias com a Bruna e também com a Anna que entraram dois anos depois de mim na faculdade, então posso até dizer que, nesse contato disciplinar, muitas coisas são trocadas, mesmo inconscientemente.
O processo de monotipia de flores da Bruna também aparece no meu Caderno de Gravuras (2016) quando também gravei as flores da Paineira junto aos textos que escrevi. A questão material é muito evidente nos nossos trabalhos, que embora tragam pesos diferentes, também falam da leveza, da memória, da subjetividade e do coletivo.
Com a Anna, cursei algumas disciplinas de cerâmica e nos encontramos nos laboratórios de gravura. Posso ver também algumas relações materiais quando nos envolvemos na cerâmica e na tridimensionalidade e também com os aspectos subjetivos e coletivos, do feminino que tanto ela e a Bruna abordam.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
♦ Fale sobre Nama-rupa. Qual foi o motivo para a escolha dos objetos canoa e pedras? Ademais, que sentido metafórico/espiritual você diria que existe no processo da pirogravura? Por fim, o que você diria que a canoa de Antonina e uma prece indiana escrita em sânscrito teriam em comum?
Nama-Rupa nasceu de um sonho, de uma visão no meio da noite, onde os processos e materiais que estava envolvido, madeira, pedras, escrita, me apareceram prontos e formatados numa instalação. Era a forma, a materialização perfeita para todos os conceitos e reflexões que estava fazendo.
O mantra indiano que fala da condução da ignorância para a luz, para a imortalidade, um conceito muito profundo dentro das filosofias orientais, queimado na canoa “de um pau só”, como eram feitas nas antigas civilizações de todos os cantos do mundo, antiga, deteriorada, quase “imprestável”, quase não podendo mais carregar ninguém, navegando sobre o mundo do Nome e das Formas, materializado nas pedras, grandes e pesadas, grafada com os “ismos” que povoam as mentes humanas, que muitas vezes cristalizam as nossas formas de ver o mundo e a nós mesmos.
A pirogravura vem aqui novamente como um registro, a própria língua sânscrita é chamada de “língua dos deuses”. Dentro da tradição, esse alfabeto não foi criado por uma mente humana, mas é a expressão e a imagem simbólica do verbo divino, ou seja, é a materialização do inefável.
Além disso, o fogo aqui, e dentro das tradições antigas, traz um simbolismo forte de transmutação, de transformação. A escrita na parede, a escrita no barco, a escrita na pedra, o ato de escrever, o processo de horas e horas escrevendo em todo o barco, foi sem dúvidas um processo de silêncio, de meditação, onde, aquele momento, por si só, já era o trabalho.
A escolha da canoa de um pau, deteriorada, foi uma necessidade de dar forma ao “antigo”, “ancestral”. Planejei fazer com minhas próprias mãos, estudei como fazer uma canoa, ou mesmo um caiaque, a madeira necessária, mas, enquanto projetava, percebi que eu precisava que aquilo não fosse novo, mas que já tivesse uma história, um registro, uma bagagem, uma carga material que não conseguiria se eu mesmo o fizesse.
Aí que fui atrás de encontrar uma canoa, tradicional, de “um pau só”, e tive que ir nas cidades ribeirinhas e pesqueiras mais próximas. Acabei encontrando o contato da colônia de pescadores de Antonina, e muito bem recebido pelo senhor Ademir, pescador tradicional, filho de pescador e pai de pescador, que negociou comigo a canoa aposentada.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Fale sobre o seu projeto Registros da presença de uma árvore.
Registros da presença de uma árvore (2016) foi o projeto que foi enviado ao edital e que me premiou com a exposição na galeria. Foi desenvolvido ao longo da disciplina de Projetos Avançados: Espaço, tempo e forma: propostas para um novo humanismo, conduzida pela professora Tânia, onde em um ano de trabalhos e pesquisa realizei um conjunto de ações artísticas que envolveram diversas linguagens em torno de uma árvore Paineira da Praça Miguel Couto do Batel. Foram ações/performance urbanas, livro de artista, caderno de gravuras, cerâmica e também fotografias. Esse projeto foi um grande motor da minha poética, foi ali que comecei a compreender o que eu queria, foram as primeiras ações tentando responder “como produzir presença, silêncio, epifania”. Quem quiser pode conferir o projeto na íntegra no site http://guilhermecarrielart.wixsite.com/presencadeumaarvore.
♦ Você acha que Curitiba é uma cidade ecológica?
Vejo que há muitas frentes atuando nessa situação. Dentro de Curitiba temos vários projetos que visam à recuperação de áreas degradadas, de córregos e rios que passam pela cidade. Onde moro mesmo, em Campo Magro, na região metropolitana, temos ainda grandes áreas de reserva ambiental, protegidas por lei. Há frentes de trabalho em Curitiba que estão pensando em mobilidade urbana, em como melhorar o transporte, favorecendo pedestres e bicicletas, tendo um impacto na redução dos gases emitidos, sem contar na diminuição do risco de acidentes na área central… Há gente trabalhando. Moro em Curitiba há 6 anos e até hoje me surpreendo com os parques pela cidade, isso é realmente um referencial para se pensar em urbanismo. Entretanto, medidas de transporte que tornaram Curitiba famosa em sua mobilidade, hoje precisam ser repensadas, são outras demandas, muito mais pessoas, muito mais carros, são outras complexidades. Curitiba tem fama de ser uma cidade verde, mas, pelo último levantamento, está em sétima no ranking do país. Mesmo assim, é de se comemorar, pois a área verde urbana tem crescido. Porém, do outro lado também há gente trabalhando. Projetos que visam medidas sustentáveis dentro do governo muitas vezes acabam se mostrando como uma maquiagem. Há necessidade de consciência individual, mas sempre me pergunto o que podemos nós, como indivíduos, fazer, enquanto empresas não são responsabilizadas pelos seus IMENSOS impactos ambientais?[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Quem influencia diretamente o seu trabalho?
Diretamente? Minha esposa, meus filhos, minha mãe, minha família, meus vizinhos, meus amigos, meus professores, amigos de faculdade, autores do Yoga falecidos há muito tempo, outros mais contemporâneos, o mesmo para autores ocidentais. Patanjali, Jiddu Krishnamurti, autores de tradições orientais em geral, estão sempre na minha cabeceira. E de repente, começam a aparecer aqueles que fazem algo parecido com o que estamos fazendo…
♦ Qual obra de arte alheia você modificaria sem pestanejar?
Como artista, vejo que todo processo artístico é um posicionamento dentro do mundo, da sociedade, toda a ação pode ser lida de maneira política, social, econômica e mesmo espiritual. Mostrar seu trabalho ao mundo, expor, é dar a cara a tapa. E, nesse mundo, tudo tem pelo menos dois lados, duas versões. Essas são questões que tem permeado o meu trabalho, aparecendo em Nama-Rupa, com os “ISMO” das pedras.
Embrenhamo-nos em classificações para compreender o mundo e nos enredamos nela, passamos a apontar o problema do capitalismo, do machismo, do comunismo, do feminismo, do facismo… não vemos mais pessoas, mas seus rótulos, vemos a gavetas que as colocamos dentro do nosso grande arquivo mental. E assim, fica muito fácil de distorcer, de se conduzir pessoas. Você é capaz de se olhar sem as classificações? Você pode ver o outro sem a classificação?
Vejo a arte como uma pulsão, uma necessidade do indivíduo. Pulsa suas ansiedades, suas convicções, seus traumas, seus desajustes, suas qualidades e defeitos, uma obra é o produto do indivíduo e do seu meio, para compreendê-la é necessário olhar o indivíduo e o seu meio, sendo assim, ela é um reflexo e também aquilo que é refletido. Além de que tem camas e camadas de significados, de possibilidades de interpretação.
Prefiro assim, modificar-me enquanto indivíduo buscando compreender o meu processo artístico, minhas pulsões dentro do contexto coletivo, dessa forma, produzo a arte no meu meio e influencio esse meio, o que é muito mais eficiente que interferir no processo do outro.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Exponha os seus pensamentos sobre a relação entre artes plásticas, yoga e meditação.
Essa foi uma questão muito pertinente enquanto fazia as duas faculdades, nesses dois universos que podem parecer tão distintos. Só pude desvendar isso durante meu processo artístico, o qual entendo como parte da própria vida.
Para mim, a criação é meditação, só pode haver criação quando há silêncio. Caso contrário é barulho. É mais um ruído no meio do caos que criamos enquanto sociedade. Às vezes, enquanto escrevo no livro de artista, ou mesmo enquanto escrevia no barco, posso vivenciar um momento que se estende para além do passado e do futuro, e as palavras perdem o significado, ficando somente o silêncio de estar ali escrevendo. Assim como nesse momento, ouço o som das crianças brincando lá fora, o barulho de construção, os ruídos do teclado, entretanto, posso sentir o silêncio desse momento.
Isso é yoga, e é daí que pode vir um trabalho artístico.
♦ Heróis, ídolos e pessoas que você inveja.
Acho essa pergunta engraçada, pois não tenho resposta. Na minha adolescência “matei” todos os meus ídolos, hoje não acredito mais nisso, muito menos em inveja. Nesse exato momento, estou aprendendo muito com o pedreiro que está construindo minha casa: iniciativa, liderança, trabalho, dedicação, assertividade.
Disse a ele que pensei em fazer algo, ele disse “só pensou em fazer e não fez nada”. Foi-me uma grande lição. Atualmente o mundo da arte nos exige pensar em muita coisa, mas, se não há fazer, não serve pra nada.
♦ Sendo ainda um artista jovem, qual é a sua impressão em expor numa galeria como a Zuleika Bisacchi Galeria de Arte?
Como falei acima, Tangentes não foi só uma exposição, foi um processo criativo conduzido e acompanhado pela Zuleika, que fez muito mais que proporcionar que a exposição acontecesse.
Além disso, Tangentes é minha primeira exposição em Galeria, e vejo que expor nessa Galeria é um grande privilégio. Poder acompanhar os bastidores de uma exposição, de um processo de curadoria, de montagem, de instalação, de iluminação, de relações de trabalho e de mercado. Com certeza está sendo um imenso aprendizado. Além de poder conhecer outras pessoas, outros artistas, conhecer e me fazer conhecido. Sem dúvidas é inestimável.
♦ Fale aqui sobre o que você sempre quis falar, com toda a liberdade, ou responda aquilo que nunca te perguntaram.
Prefiro o silêncio.[/vc_column_text][vc_gallery type=”image_grid” images=”6584″ img_size=”full”][vc_column_text]Guilherme Carriel – Do peso e das formas da mente – Foto de divulgação[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]