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Imagem: John Drewe – Cena do filme “The Art of Faking” de Michael Hutchinson (2000)
[/vc_column_text][vc_column_text]Conheça a narrativa de John Drewe, o mestre de negócios fraudulentos que envolveram a venda de obras de arte falsificadas para grandes galerias na Inglaterra durante a década de 1990. Por Marlon Anjos.
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“No entanto, Drewe, um suposto PhD em física nuclear, era seu cliente regular, sendo capaz de revender as pinturas falsificadas ou copiadas por Myatt como originais.”
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Até meados da década de 1990, não pairava a suspeita de que os ataques virulentos dos falsários poderiam atingir bibliotecas arquivistas. Em 1996 veio à luz um novo esquema que ilustra a crescente sofisticação dos falsificadores de arte: documentos dos arquivos da Tate Gallery, em Londres, haviam sido adulterados na intenção de construir provas de registro para que obras fraudulentas fossem aceitas por potenciais comerciantes de arte como genuínas.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Os policiais da Scotland Yard optaram por não divulgar a documentação que estava em investigação. Nomes e instituições lesadas foram ocultadas, em primeira instância, numa tentativa de evitar balbúrdia. Sem a real dimensão do problema, responsáveis pelos arquivos da Tate, assim como comerciantes de arte e antiguidade, receberam a notícia com assombro pois desconheciam – e talvez desconheçam – todas as instituições que tiveram os arquivos adulterados. Talvez a existência e conhecimento deste fato obrigue algumas instituições a aceitar que não há precisão e segurança em afirmar a autenticidade de obras recém-comercializadas como autênticas, e também não há como mensurar quanto tempo essa prática foi utilizada ou quantas instituições já foram afetadas. Mensurar o nível de confiabilidade dos arquivos e registros armazenados em bibliotecas, calcular o alcance da contaminação é o mesmo que crer. Constance Lowenthal, uma das mais reconhecidas especialistas em arte roubada e falsificada dos EUA, diretora executiva da International Foundtion for Art Reseach, sediada em Nova York, afirmou que, mesmo que tenham se deparado ao longo da carreira com documentações fraudadas, nunca tiveram conhecimento de que a adulteração de materiais de pesquisa pudesse ser inserida em meio à documentação autêntica de bibliotecas arquivistas.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Os responsáveis por causar tamanha confusão foram os dois britânicos: John Drewe (1948-), idealizador da fraude de proveniências, e John Myatt (1945-), copista e falsário. Em 1986, Myatt publicou um anúncio nos jornais britânicos em que se oferecia para pintar falsificações genuínas de pinturas do século XIX e XX por 150 libras. Pirate Eye era o título do anúncio publicado em jornais (trocadilho com private eye, modo como se chama em inglês o ‘detetive particular’). Poderíamos dizer que Myatt foi honesto com essa divulgação de expediente e prática, em primeira instância. No entanto, Drewe, um suposto PhD em física nuclear, era seu cliente regular, sendo capaz de revender as pinturas falsificadas ou copiadas por Myatt como originais.
Myatt produziu obras que foram supostamente atribuídas aos seguintes artistas: Henri Matisse (1869-1954), Albert Gleizes (1881-1953), Roger Bissière (1886-1964), Marc Chagall (1887-1985), Le Corbusier (1887-1965), Ben Nicholson (1894-1982), Jean Dubuffet (1901-1985), Albert Giacometti (1901-1966), Graham Sutherland (1903-1980) e Nicolas de Staël (1914-1955). Embora possa ter produzido uma paleta variada de artistas, Amelia Gentleman, escritora do jornal The Guardian, acompanhou o julgamento da dupla e relatou que Myatt foi descrito como um homem talentoso, mas pouco criterioso nas escolhas dos materiais, uma vez que realizou pinturas com materiais que apenas haviam sido criados a partir da década de 1950, ou seja, suas fraudes eram anacrônicas. Um dos galeristas lesados pelas obras fraudulentas, Peter Nahum, colaborador regular na redescoberta de obras perdidas, proprietário da The Leicester Galleries, em Londres, afirmou que estava chocado com a má qualidade das pinturas, dizendo que apenas efetuou a compra devido às credenciais documentais da obra.
Provavelmente aqueles que argumentaram na intenção de desprestigiar os falsários não estavam atentos aos números de obras descobertas. De duzentas falsificações que Myatt alegava ter realizado, apenas quatorze haviam sido recuperadas no momento do julgamento. Com o passar dos anos, a polícia recuperou sessenta obras falsificadas, restando uma centena de obras que Myatt alegou ter realizado para serem descobertas.
Segundo o jornalista investigativo David Pallister, especializado em erros judiciais, não foram especialistas que descobriram a farsa, mas a esposa de Drewe que o delatou. Em 1993, após Drewe deixar Batsheva Goudsmid por uma parceira israelense, Goudsmid ficou para si com material incriminatório e, para vingar-se, entregou para a polícia dois sacos de lixos cheios de provas. Dois anos depois, em 1995, a Scotland Yard prendeu John Myatt. Ele logo cooperou com as autoridades delatando John Drewe. Em 16 de abril, a polícia invadiu a galeria de Drewe em Reigate, na Inglaterra, e encontrou materiais que ele teria usado para forjar certificados de autenticidade. Durante o interrogatório, Drewe contestou protestando sua inocência sob a alegação de que era um traficante e revendia armas com dinheiro capitalizado por meio das falsificações. Sem prova dessas alegações, os interrogadores acreditaram que o seu discurso era apenas uma tentativa de intimidá-los.
O julgamento começou em 1998 e terminou em 1999, e Drewe, apelidado de “mestre das marionetes”, foi condenado a seis anos por conspiração de fraude, com duas acusações de falsificação e uma de roubo. Ficou por dois anos na prisão. Myatt foi condenado a um ano de prisão pela acusação de conspiração de fraude, liberado quatro meses depois de sua sentença por bom comportamento.
Julia N. Rossi publicou, em 2012, Salting the Archives: A Cautionary Tale of Forgery, Deceit, and Archival Corruption. Nesse material, propõe analisar documentos falsos e suas implicações para arquivos de bibliotecas. Formulou uma dura crítica aos falsários e viu a si mesma como responsável em aprofundar a questão, reconhecendo que, embora investigadores da New Scotland Yard travassem uma verdadeira odisseia para identificar todos os acervos arquivísticos potencialmente contaminados, a extensão do ato de Drewe poderia nunca ser totalmente conhecida. Esse ocorrido afetava não só o mercado de arte moderna, mas também a credibilidade de algumas das maiores instituições culturais na Grã-Bretanha, além de ter comprometido acervos arquivísticos de instituições em outros países.
Na década de 1980, o mercado de arte britânico foi sistematicamente contaminado com pinturas forjadas, mascarada de obras legítimas de artistas modernos. Essas obras circularam com o auxílio dos certificados forjados por Drewe, que passou quase uma década inventando registros falsos e semeando falsificações em coleções existentes, tais como: a biblioteca arquivista da Tate Gallery, a National Art Library, localizada no Victoria and Albert Museum e o British Council, para citar algumas. A fim de corroborar as procedências necessárias para acompanhar as criações fictícias de Myatt, Drewe caiu nas graças de vários grandes arquivos em Londres e metodicamente plantava documentos falsos no meio de registros autênticos. Posava como cientista rico e patrono das artes que desejava ajudar e a financiar projetos em troca do acesso irrestrito a repositórios arquivísticos. Ofereceu contribuições generosas em dinheiro a instituições, doou obras de artistas renomados para conquistar a confiança dos diretores e não levantar suspeitas.
Por exemplo, para o ICA – Institute of Contemporany Art, em Londres, ele ofereceu como contribuição ao acervo um esboço de Giacometti (1901-1966) e uma colagem de Le Corbusier (1887-1965). Bill McAlister, diretor do instituto, não recusou a oferta. Drewe, também fez doação de 50.000 libras para a mesma instituição. McAlister, para mostrar seu apreço, levou Drewe para os arquivos, dando-lhe uma cópia da chave e acesso irrestrito à sala de arquivo.
Provavelmente Drewe aproveitou a falha de segurança e também a oportunidade de permanecer nas salas dos arquivos sem vigilância para contrabandear documentos autênticos ainda em branco e pilhar arquivos e materiais que eventualmente poderiam ser utilizados para forjar e/ou atestar a autenticidade de obras fraudulentas. Longe de suas intenções resumirem-se à mera pilhagem, Drewe podia adulterar catálogos de décadas passadas, podendo fornecer proveniência substantiva ao inserir réplicas em arquivos relevantes mesclando documentos originais com fraudulentos.
Segundo Rossi, a maioria das pinturas forjadas por Myatt eram amparadas por proveniências fraudulentas produzidas pelo próprio Drewe e não em registro que atestasse obras perdidas ou faltantes. Pode não ser exagero afirmar que Drewe buscou a falsificação perfeita: o material utilizado era adequado, dificilmente seria contestado por anacronismo e, além disso, a proveniência estava em local de prestígio. Dentro desta lógica, não havia a necessidade de as pinturas possuírem uma qualidade inabalável. As pinturas falsificadas por Myatt, uma vez expostas, agiam como um dispositivo que convidava pesquisadores a autenticá-las. Desta forma, para a pintura fraudulenta ser convertida em genuína, bastaria apenas que algum pesquisador associasse a obra aos documentos das bibliotecas.
Com o conhecimento da dependência do mundo da arte em arquivos para determinar a genealogia de uma obra, John Drewe chegou a montar importantes documentos de proveniência fraudulentos. Se documentos falsos poderiam ser adicionados a acervos arquivísticos respeitáveis, então estes registros fraudulentos poderiam ser utilizados para autenticar pinturas forjadas.
Em 1990, Drewe expandiu sua prática seguindo a mesma fórmula que usou para obter acesso aos arquivos do ICA. Doou 20.000 libras para a Tate, solicitou a permissão para pesquisar nos arquivos da instituição e conseguiu acesso aos arquivos da National Art Library. Uma vez dentro dos arquivos, alterou os registros semeando sua própria história, uma crônica alternativa que reconstruiria, por meio da inclusão ou substituição, possibilidades históricas.
Dado o exposto, este episódio não demonstra que os especialistas foram imprudentes em não perceber a adulteração ou a contaminação dos repositórios. Antes prova que os negociantes de arte estavam apenas atentos à falsificação na superficialidade da obra e não ao todo. Torna evidente que, para o mercado, o valor da obra não está relacionado ao conteúdo interno da mesma, mas à capacidade de confiabilidade da proveniência assegurada na materialidade da obra, ou dos documentos aos quais esteja associada. Também não podemos afirmar que a segurança dos acervos arquivistas foram indulgentes, pois os arquivistas foram treinados para perceber sujeitos que tentassem remover ou alterar os documentos das coleções. Ou seja, foram treinados para perceber a ausência de itens nos repositórios.
Em fevereiro de 1999, Drewe foi condenado a seis anos por conspiração de fraude, duas acusações de falsificação e uma de roubo. Em 2005 foi liberado, mas ficaria pouco tempo longe do xadrez. Atualmente John Drewe está preso novamente. Em março de 2012 foi condenado, mais uma vez, a oito anos por roubo de receitas provenientes da venda da casa de um professor de música aposentado e por envolvimento em fraude de título de propriedade. O juiz que conduziu o caso lhe disse que era a pessoa “mais tortuosa e desonesta que ele já tinha conhecido”.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]