InterrogatórioPor aí

Interrogando Karen Eliot

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Numa linha direta Curitiba-Londres, entrevistamos Karen Eliot, falsificadora que expõe trabalhos em alguns dos maiores museus do mundo imitando artistas consagrados. Ela nos falou com exclusividade a respeito do seu pensamento sobre o trabalho do falsário e dos perigos que esse trabalho impõe, venha conhecer!


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“Acredito que um falsificador obtenha sucesso quando consegue encenar, perfeitamente, ser outra pessoa. Falsificar é muito mais do que misturar tintas. Tem a ver com conhecer a psicologia humana.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]♦ Como, onde, quando e por quê.

 

Eu sou Karen Eliot, não que esse seja meu nome verdadeiro. Mas adotei esse nome para me proteger. Ele é comum em Londres: os artistas que querem produzir plágio e estarem protegidos usam esse nome coletivo.

 

Meu pai foi restaurador, desde cedo aprendi os ofícios da técnica. Já não lembro se o prazer pelo álcool veio antes do prazer em pintar. Soube que meu caminho não seria para indolentes, desde cedo soube que não haveria espaço para o erro em minha prática artística. Lembro-me da admiração que ele sentia quando descobria uma assinatura em uma pintura velha. Eu apenas gostaria que todos sentissem isso, por isso eu produzi algumas obras falsas.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O meu talento em produzir cópias logo foi reconhecido, e antes de eu ter quatorze anos, já estava restaurando uma pintura de Joshua Reynolds, orientada pelo meu pai. Foi algo incrível, sabemos que Reynolds buscava as lendárias técnicas perdidas dos grandes mestres. Algo que hoje não passa de lenda. Sabemos que ele testou, às vezes sem critérios, elementos químicos duvidosos em suas pinturas, o que ocasionou a perda de várias de suas obras. Restaurar Reynolds é fazer um trabalho do zero. Foi um grande desafio. Unir o que eu tinha aprendido com meu pai com o desejo de fazer aquela pintura novamente. E isso me influenciou, e por isso eu o agradeço. Assim eu me tornei o que sou hoje. Alguém que colocou obras nos maiores museus mundiais. Meu legado é grande, e é para todos.

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♦ Como você acha que um falsificador consolida a sua carreira?

 

Acredito que um falsificador obtenha sucesso quando consegue encenar, perfeitamente, ser outra pessoa. Falsificar é muito mais do que misturar tintas. Tem a ver com conhecer a psicologia humana. Identificar o que um colecionador ou um museu deseja, e produzir para eles. Existe algo altruísta no ato de falsificar. Você faz as obras para os outros, pois você nunca poderá revelar a verdadeira identidade da obra sem se comprometer. O falsário luta eternamente com a sua própria vaidade. Se ele pecar, será preso. Se não, terá a gloria eterna. Nesse cabo de força, a obra nem precisa ser exata, tecnicamente. Se ficar coberta pela vaidade do colecionador, as pessoas irão amá-la, e o falsário só precisa ficar em silêncio.

 

 

♦ Quem se sai melhor no mercado artístico em termos de lucro: o artista “legítimo” ou o falsário?

 

Se 25% de tudo que é exposto hoje não é aquilo que parece ser, como podemos falar que o falsário não é um artista legítimo? Mas sei que muitos artistas atuais estão se dando bem no mercado de arte.

 

 

♦ Ser chamada de falsária, ou falsificadora, te evoca um sentido positivo ou negativo? Ademais, conte a sua história de ter sido presa após vender uma obra legítima, sendo acusada de plágio.

 

Grandes artistas também foram grandes falsários, cito como exemplo Michelangelo, Luca Giordano, Geert Jan Jansen, entre outros. O processo criativo de muitas artistas se assemelha muito ao processo de falsificar. Acho que eles não têm consciência do quão próximos somos um do outro. Sobre a prisão, bom. Ela se refere bastante a isso. Acredito que eu tenha dominado o espírito de alguns artistas, me impregnei pelos seus processos e técnicas, e quando comecei a vender os meus próprios trabalhos, digo, com a minha assinatura, fui acusada de plágio.

 

 

♦ Um fragmento de Ésquilo diz: “Deus não é contrário a uma fraude feita por nobre causa”. Nick Diamos diz: “Todos mentem, mas não importa porque ninguém ouve”. Comente.

 

Se Deus é a nossa imagem e semelhança, ele também é um falsário, talvez por isso ele não se importe com as fraudes. E se elas forem nobres, melhor ainda! O que é um dissabor para nós, não é para os deuses. Eles comentem crimes livremente, mas apenas nós temos remorsos.

 

Quando uma obra fica muito tempo em um museu, sem que a fraude seja descoberta, fica muito difícil apontar que se trata de uma obra falsa. Lembre-se da rivalidade entre as Mona Lisas, a que está na França e a que está em Londres. Será que um dia isso vai cessar, será que vale a pena descobrir qual é a real obra feita por Leonardo Da Vinci? Acho que nesse sentido talvez as pessoas não queiram ouvir.

 

 

♦ Quem influencia diretamente o seu trabalho?

 

Eric Hebborn. Quando li pela primeira vez Draw To Trouble: Confessions of a Master Forger, pensei estar diante de um grande mestre moderno. Hebborn não era moderno, pois ele foi de qualquer época que escolhesse. Aí talvez resida a força da falsificação de obras de arte. Cada obra forjada é uma capsula do tempo, que de alguma forma nos permite olhar para o passado. Às vezes penso que os falsários têm mais a falar sobre a história do que muitos historiadores.

 

 

♦ Em que medida você diria que o seu trabalho assume outras nacionalidades, como a tcheca, por exemplo?

 

Me identifico com os tchecos pelo fato de eles “perderem” a identidade nacional. Dessa forma, eles tiveram que inventar uma nova. Foi assim comigo. Cada obra que eu fazia, eu me tornava uma outra pessoa de uma outra nacionalidade.

 

 

♦ Qual obra de arte alheia você modificaria sem pestanejar?

 

A Pietà. Removeria a restauração. Apresentaria as pessoas o que o húngaro Laszlo Toth realizou com um martelo na obra. Pensando bem, acho que removeria várias restaurações para mostrar a verdade contida em obras restauradas.

        

♦ Heróis e ídolos?

 

A igreja católica. Ela provou que é possível falsificar e ficar impune. Um exemplo de conduta.

 

 

♦ Que artista você nunca falsificaria por considerar muito ruim, mesmo que desse muito lucro?

 

As obras de John Myatt. Ele roubou os louros de John Drewe. É um péssimo falsário.

 

 

♦ Fale aqui sobre o que você sempre quis falar, com toda a liberdade, ou responda aquilo que nunca te perguntaram.

 

Minhas obras foram confiscadas, e eu desejava que elas fossem devolvidas. Pelo simples fato de que junto a tantas falsificações, havia ali algumas obras genuínas. Gostaria de apresentar para o público quais eram as minhas obras e quais eram as obras de outros artistas. Assim eu poderia ter salvo parte de minha coleção. Mas lá atrás eu não tive coragem de falar, e dessa forma algumas obras genuínas foram destruídas. Sempre penso que eu poderia tê-las salvo.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]


English Version

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♦ How, where, when and why.

 

I’m Karen Eliot – not that this is my real name. But I adopted this name to protect myself. This is common in London: the artists who want to produce plagiarism and protect themselves use this collective name.

 

My father was a restorer. From an early age, I learned the techniques. I no longer remember whether the pleasure in alcohol came before the pleasure in painting. I knew that my path would not be for the indolent, and early on, I discovered that there would be no room for mistakes in my artistic practice. I remember the admiration my father felt when he discovered a signature in an old painting. I just wish everyone felt this, so I produced some fake stuff. My talent for producing copies was soon recognized, and before I was fourteen, I was already restoring a painting by Joshua Reynolds, directed by my father. It was incredible; we know that Reynolds sought the legendary techniques lost from the great masters. Something that now is just a legend. We know that he tested, sometimes without criteria, dubious chemical elements in his paintings, which resulted in the loss of several of his works. Restoring Reynolds is to start a job from the scratch. It was a big challenge. To unite what I had learned from my father with the desire to make that painting again. That influenced me, and for that, I thank him. So, I became what I am today. Someone who put works in the biggest museums of the world. My legacy is great, and it is for everyone.

 

 

♦ How do you think a forger consolidates his career?

 

I believe a forger is successful when he can perfectly imitate someone else. Faking is much more than mixing inks. It has to do with knowing human psychology. To identify what a collector or a museum want, and produce for them. There is something altruistic about falsifying. You do the works for others, because you can never reveal the work’s identity without compromising. The forger fights eternally with his own vanity. If he falls for sin, he will be arrested. If he don’t, he will have the eternal glory. In this power cable, the work doesn’t even have to be exact, technically. If you are somehow covered by the collector’s vanity, people will love you, and the forger just needs to be silent.

 

 

♦ Who does best in the art market in terms of profit: the “legitimate” artist or the forger?

 

If 25% of everything that is exposed today is not what it seems to be, how can we say that the forger is not a legitimate artist? But I know that many current artists are doing well in the art market.

 

 

♦ Does calling you a forger, or a counterfeiter, evokes to you a positive or a negative meaning? In addition, tell us your story about having been arrested after selling a legitimate work, being accused of plagiarism.

 

Great artists were also great forgers, and I quote Michelangelo, Luca Giordano, Geert Jan Jansen, among others. The creative process of many artists closely resembles the process of forging. I think they are not aware of how close we are to each other. Now, about the arrest… It refers a lot to that kind of thinking. I believe that I have mastered the spirit of some artists, I was impregnated by their processes and techniques, and when I began to sell my own works, I say, with my signature, I was accused of plagiarism.

 

 

♦ A fragment of Aeschylus says, “God is not opposed to a fraud made by noble cause.” Nick Diamos says, “Everyone lies, but it does not matter because no one hears.” Please comment.

 

If God is kind of our image and likeness, he is also a forger, and perhaps he does not care about fraud. And if it is noble, better yet! Which may be is a displeasure for us, it may not be for the gods. They freely commit crimes, but only we have regrets.

 

When a work remains in a museum for a long time, without the reveal of the fraud, it is very difficult to point out that it is a false work. We can remember the rivalry between the Mona Lisas, the one in France and the one in London. Will it ever cease? Is it worth discovering the real work of Leonardo Da Vinci? I guess, in that sense, that maybe people do not want to know.

 

 

♦ Who directly influence your work?

 

Eric Hebborn. When I first read Draw To Trouble: Confessions of a Master Forger, I thought I was standing before a great modern master. Hebborn was not modern, for he was of any age he chose. That may be the strength of the falsification of works of art. Each forged work is a time capsule, which somehow allows us to look at the past. I sometimes think that the forgeries have more to talk about history than many historians.

 

 

♦ To what extent would you say that your work assumes other nationalities, such as the Czech, for example?

 

I identify with the Czechs because they “lost” their national identity. In that sense, they had to come up with a new one. It was the same with me. I became another person of another nationality with every work I did.

 

 

♦ What other work of art would you change without blinking?

 

The Pietà. I would remove all the work of restoration. I would introduce to the people what the Hungarian Laszlo Toth performed with a hammer in the work. On second thought, I think it would remove several restorations to show the truth contained in restored works.

 

        

♦ Heroes and idols?

 

The Catholic Church. It proved that it is possible to fake and go unpunished. It is an exemplary conduct.

 

 

♦ What artist would you ever fake because you considered it very bad, even if you made a lot of profit?

 

The works of John Myatt. He stole John Drewe’s laurels. He’s a terrible forger.

 

 

♦ Say what you always wanted to say, in full freedom, or answer what no one ever asked you.

 

My works were confiscated, and I wish they would be returned. For the simple fact that along with so many forgeries there were genuine works there. I would like to show the audience what were my works and what were the works of others. And so… I could have saved part of my collection. But back then I did not have the courage to speak out, and some genuine works were destroyed. I always think I could have saved them…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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2 Comments

  1. Estou tentando decidir qual parte desta entrevista gostei mais e não consigo.

  2. Ótima entrevista!

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