InterrogatórioPor aí

Interrogando Alex Flemming

“Eu sou um pós-barroco. Eu sou um colorista. Eu sou um pós-pop. Eu sou Eu, mas nós somos também os Outros.”​

 

  • Seja bem-vindo, Alex Flemming, e obrigado por inaugurar o ano de 2016 na R.Nott Magazine!

Muito obrigado, Vinicius Nott, eu é que fico honrado.

 

  • Como, onde, quando e por quê.

Desde muito criança eu tinha a certeza absoluta de que seria artista. A maioria das famílias não vê isso com bons olhos, e no meu caso não foi diferente. Meu pai me obrigou a ir para a Marinha, fazer serviço militar “voluntário” e depois eu fui estudar Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Nada disso tinha absolutamente nada a ver comigo, e após me formar na GV e entreguei o diploma a meu pai e saí de casa. Prestei novamente vestibular, e como eu sempre acreditei que Arte não se aprende na escola (ou você É artista ou NÃO É) fui estudar Arquitetura na USP, curso que não terminei. Eu acredito que tive muita sorte na vida, pois talento é fundamental mas por si só não basta: logo no início, enquanto eu cursava a FAU-USP comecei a frequentar o atelier do artista gráfico Romildo Paiva (hoje em dia um nome esquecido) e passei a produzir gravuras profissionalmente. Foi com essa primeira produção que eu me mantive economicamente (por isso falo que tive sorte – pois se não conseguisse minha independência financeira, não teria ido para frente), ganhei vários prêmios em muitos Salões Nacionais Brasil afora, e, para coroar, ganhei a Bolsa Fulbright do governo americano e fui para Nova Iorque por 2 anos. Aí eu já estava “deslanchado”.

  

  • O que você persegue em sua arte, e o que te impulsiona a produzir? Existe um tema fundamental?

A Arte pra mim é uma questão de sobrevivência, e falo sobrevivência não só psíquica mas mesmo física. Não posso viver sem ir ao atelier e sem produzir. Acredito que os grandes artistas sejam os que produziram muito, os que tiveram produções caudalosas, e, quase uma consequência disso, os que produziram séries muito diferentes entre si. No Brasil o grande exemplo é Volpi.

Se para mim existe um tema fundamental? Difícil dizer, mas se fossemos optar pelo “sim”, eu diria que o centro da minha obra é o Homem, a Raça Humana, o Indivíduo.

 

“Série Body-Builders” – 1999 – MACS Museu de Arte de Sorocaba

 

  • Em que medida o seu trabalho é ainda ‘brasileiro’, levando em conta a sua imersão em outras culturas – Nova York, Oslo, e principalmente Berlim? Fale um pouco sobre as identidades culturais que permeiam a sua obra.

Pois é… eu vou falar algo que é contrário ao que normalmente se pensa. Eu não vejo meu trabalho etiquetado como “brasileiro” nem como “alemão” nem como “americano”. Eu acredito que a verdadeira Arte carece de rótulos ou adjetivos. Eu acredito que produziria os mesmos quadros continuasse eu a morar em Berlim ou mudasse eu para o Congo.

  

  • O que é, de acordo com a sua percepção, ser um brasileiro produzindo arte na Europa? Fale sobre a sua recepção nesses países, principalmente na Alemanha. Ademais, como os público brasileiro enxerga esse mesmo trabalho?

Eu sou um imigrante, e como todo imigrante padeço de toda uma conjuntura inerente a você vencer em um lugar no qual não pertence. Falo isso com orgulho e sem falsa modéstia: sempre fico contente ao ver meu nome em jornais alemães ou na televisão da Deutsche Welle.

Como o público enxerga esse mesmo trabalho? Não tenho a menor ideia. Volto aqui a repetir algo muito claro e muito importante para mim: eu faço minha Arte PARA MIM, não para ninguém outro.

 

“Santa Cecilia tocando harpa num pátio pós-moderno” – 1985 – coleção Chagas Freitas – Brasilia

 

  • Como foi criar um trabalho para ser exposto numa estação de metrô, como é o caso da estação Sumaré em São Paulo?

A Estação Sumaré é o meu trabalho mais conhecido pelo fato de ser uma obra pública. Ser artista também significa ser perseverante: a obra demorou 8 anos para ser realizada. E eu fiquei muito contente com o resultado e com as inúmeras mensagens de carinho que recebo via internet de pessoas que não conheço e para as quais a Sumaré trouxe algum tipo de reflexão.

  

“Estacão Sumaré” – 1989

 

  • Entre gravura, pintura, escultura, fotografia: existe um meio preferido? Existem, para você, diferentes significados entre eles?

Como artista eu quero experimentar todos os meus de expressão possíveis: acho todos válidos e gosto da multiplicidade e variedade das opções que a vida nos traz. Se der, ainda quero ser ator de cinema.

  

  • Composição, material e processo de produção: fale um pouco sobre o caminho da obra desde a ideia até o resultado final.

Com minha formação luterana (quiçá com a alemã também) sempre me preocupei com o perene, com as questões de fundamento. No caso da Arte uma das questões é o material: você como artista deve utilizar somente o melhor dos materiais, o melhor dos pigmentos. Isso é básico e infelizmente não é claro para a grande maioria dos artistas brasileiros. No Brasil, no decorrer de poucas décadas dá para ver quadros que desbotam ou, pior ainda, quadros que simplesmente racham e “caem” (no caso de utilização de cera, por exemplo).

 

“O EU SÓ” – acrilico sobre paletó – 1994 – Coleção Gilberto Chateaubriand, RJ

 

  • Seus trabalhos em geral são bastante carregados com informação: contrastes, cores vibrantes e chapadas, letras e muitos rostos e figuras humanas. Conte um pouco sobre essa enxurrada visual que é a sua obra.

Eu sou um pós-barroco. Eu sou um colorista. Eu sou um pós-pop. Eu sou Eu, mas nós somos também os Outros.

  

  • Qual é a relação entre a literatura e o trabalho visual que você cria? Fale um pouco sobre esse casamento entre retratos e letras.

Com exceção da Estação Sumaré, eu pessoalmente não vejo uma relação contínua entre literatura e minha obra plástica. As letras que utilizei durante mais de uma década em meus trabalhos têm muito mais uma valorização plástica e visual do que de significado literário.

  

  • Maiores influências, heróis?

Meus heróis são: Volpi, Portinari, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Sacilotto, Athos Bulcão, J. Borges, Mestre Vitalino, Lasar Segall, Maria Martins, Krajcberg, Goeldi, Aleijadinho, Almeida Junior, Victor Brecheret, Maria Bonomi e muitos outros. Com todos eles eu tenho muito o que aprender.

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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