[vc_row][vc_column][vc_column_text]Juliano Samways, nosso filósofo guitarrista, discute a construção da ideologia de gênero na música e o papel do artista dentro dessa catalogação. Grandes artistas, em sua individualidade, são capazes de romper as barreiras do gênero, formando novas categorias? Descubra aqui.[/vc_column_text][vc_column_text]
Por isso reafirmo que formular ideias, tendo os gêneros como meta, é um assunto deveras intrigante, principalmente se perguntarmos “o que é um gênero?” e “como ele pode ser pensado por ideias?”
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Ideologia de gênero é um baita assunto que está já há um bom tempo em pauta. Por isso é possível afirmar que nos avizinhamos, dentro desta temática, com várias questões complexas, que utilizam duas palavrinhas do receituário médico terapêutico de Platão (ideias te tiram da dor do mundo) e Aristóteles (pensar por gêneros é pensar de forma racionalfrênica, antídoto da esquizofrênica). Fundaram, ambos, o alicerce ocidental de se pensar o mundo através das formas e das categorias que podem ser universalizadas, e empurram, ambos, os seres humanos nesse desfiladeiro vertiginoso da razão.
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Por isso reafirmo que formular ideias, tendo os gêneros como meta, é um assunto deveras intrigante, principalmente se perguntarmos “o que é um gênero?” e “como ele pode ser pensado por ideias?”.
Aristóteles definiu pelo menos três significados para aquilo que chamamos de gênero: o primeiro é usado no sentido de geração, como por exemplo, a geração de seres que fazem parte da mesma espécie, como o gênero humano, gênero das plantas, gênero da paçoca! O segundo sentido é a respeito da descendência, como por exemplo, o gênero dos helenos que descendem de Heleno, gênero dos brasileiros, dos cariocas. E finalmente, no sentido de ser gênero, o sujeito ao qual se atribuem as oposições e as “diferenças específicas”, e é então neste último sentido, o primeiro constituinte de qualquer definição. Ou seja, o gênero de algo é justamente aquilo que o difere de outro, como diz o velho Ari: “gênero é o constitutivo primeiro das definições, contido nas essências, esse é o gênero do qual as qualidades são diferenças.”. Isso você encontra na obra Metafísica, Livro V, cap. 28.
Toda tradição que descende de Aristóteles vai apontar mais ou menos isso então: o gênero é a ponta mais agressiva de uma definição, é aquilo que grita aos ouvidos o que se é realmente. Neste sentido é muito usual falar em gêneros musicais, características que definem um segmento de música, um estilo, suas qualidades. E ainda mais. Isso nos possibilita, dentro da crítica musical, falar em gêneros melhores que outros, em músicas melhores que outras. Basta você estabelecer um critério racional para isso.
Mas falando em gêneros musicais, qual seria essa ponta aguçada de definição? Seria aquilo que nossa racionalidade alcança, em níveis e sub-níveis infinitos de definição. Jazz tradicional, Jazz Fusion; Jazz fusion eletrônico; Jazz fusion eletrônico de Chicago; e assim vai!
Aqui é que mora o perigo. O gênero por si só não expressa uma beleza, ele define o que é belo, adotando estes mesmos critérios racionais que já apontamos. A nossa racionalidade vai desvelando os atributos que caracterizam tal música, tais acordes, tais melodias, solos, duração, instrumentos, timbres, ad infinitum.
Essa lógica toda funcionaria muito bem se não existisse somente um detalhe: o artista em si.
A singularidade do artista, compositor, instrumentista, tem como maior missão desafiar (melhor seria desafinar?) todos os critérios para se eleger um gênero, uma forma, uma categoria, uma ideia. A razão cataloga, o grande artista dissolve, tritura, fragmenta novamente o todo em várias pitadinhas de incerteza. Imagine, escute, Miles Davis rompendo a figura do tonal. Ouça, repare na Edith Piaf resignificando a ressonância e a impostação da voz. Por aí vai.
Está dada a complexidade da práxis musical. Saber bem definir não é o mesmo processo de composição, gritar novos sons não é a mesma coisa que registrá-los, catalogar gêneros é um processo racional, criar músicas é um processo estético.
Por isso é certo dizer que fazer ideologia de gênero musical é fazer uma apologia ao meio, e não ao fim, pois se enaltece a forma, e não o singular. Platão e Aristóteles ainda gritam suas individualidades em nossos textos, grandes compositores ainda balbuciam em nossos ouvidos, mas isso não os torna o metro e versificação do nosso pensar de forma absoluta.
Diferentes religiões podem levar a Deus, diferentes gêneros musicais podem levar à beleza, que é singular!
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