Interrogamos o ceramista estadunidense Jason Briggs, autor de peças visualmente impactantes, que se colocam entre a atração do tato e a repulsa. Ele nos contou sobre a sua formação e no que consistem, exatamente, as peculiares formas de porcelana que produz.
“Vi uma vez um homem adentrando um orifício de uma das minhas peças. Havia lá dentro uma borracha rosa e macia para saudar o seu dedo. Na verdade eu o desafiei a tocá-la, e ele tocou.”
Como, onde, quando e por quê.
Antes da faculdade, eu era um entusiasta da Arte um pouco perdido, que estava mais ligado mesmo em música barulhenta. Eu tinha convencido a mim mesmo que, já que eu conseguia copiar de modo impressionante (leia-se: traçar) imagens de Calvin & Hobbes e capas do Iron Maiden, eu estava obviamente destinado a me tornar um estudante de Belas Artes. Felizmente ninguém me contrariou, porque o primeiro semestre na University of Wisconsin-Whitewater, em 1990, abriu meus olhos. Eu reagi imediatamente à linguagem de se fazer arte – especialmente com relação à composição do espaço.
Inicialmente eu fiquei no desenho. Apenas nas minhas primeiras aulas de cerâmica é que descobri o meu amor profundo pelo processo. Eu amava observar a argila se movimentar e se transformar ante os meus olhos. Essa não era uma emoção que eu já tinha experimentado no papel, simplesmente porque eu era muito anal, muito apertado nessa mídia para que pudesse apreciar a transformação da forma e do espaço. Me parece relevante apontar que eu não sou uma pessoa que curte a sensação de “lama debaixo das unhas”, tal como muitos ceramistas. Eu ainda odeio essa sensação.
Meu trabalho começou a fazer sentido para mim lá pela metade da graduação, quando parei de produzir potes decorativos e finalmente fiz um objeto que não era extravagante, bizarro ou engenhoso. Sem cabos, sem lado de baixo definido, sem lugar para botar a sopa. Os últimos 15 anos tem sido de uma lenta evolução desde esse momento.
O desejo do toque: como você criou uma arte baseada quase que somente na sedução visual?
Depois de anos usando tipos de pedras, barros e louças brancas, decidi finalmente produzir um objeto de porcelana verdadeira. Após polida a superfície (até dar vontade de lamber), eu soube que a noção de “toque” assumiria um papel importante. O toque é uma tentação imediata e poderosa, havendo ou não uma oportunidade de realizá-la. Em outras palavras, mesmo que haja um vidro entre a mão e o objeto, o desejo do toque e o resultado imaginado estão visceralmente presentes e igualmente poderosos.
O exemplo que eu apresento é pessoal mas talvez não seja único: com 8 anos de idade eu vi meu primeiro ensaio da Playboy. A natureza daquela experiência – pura, primitiva e singular – continua sendo um catalisador. Aquelas eram claramente fotos de revista – imagens planas em um papel semi-brilhante – mas a minha reação instintiva era a de abraçar os nus; eu segurava a página contra o meu peito em um delirante abraço de urso enquanto a minha imaginação saía de órbita. Eu espero produzir trabalhos que contenham uma fração desse poder.
Alguém já tocou um dos seus trabalhos sem permissão?
Vi uma vez um homem adentrando um orifício de uma das minhas peças. Havia lá dentro uma borracha rosa e macia para saudar o seu dedo. Na verdade eu o desafiei a tocá-la, e ele tocou. Mas o que me intrigou foi o seu jeito de se aproximar: bastante malandro. Às vezes as galerias insistem que eu cubra o trabalho com vidro. Por mim tudo bem, mas isso acaba com a oportunidade do espectador sorrateiro.
A respeito dos seus materiais: são principalmente porcelana e pelos. Por quê?
Se a pergunta for Por que porcelana? (em oposição a outros tipos de argila), eu tenho duas razões. A primeira é que eu aprecio a bagagem histórica e social que a porcelana traz consigo. O uso que eu faço de um material que já foi reservado exclusivamente para finas utilidades de altas classes sociais pode ser visto, por um lado, como subversivo. Mas além disso, a porcelana é o principal ingrediente na maioria dos banheiros, onde acontece algo bem oposto de “finas utilidades”. Ao mesmo tempo em que eu não me filio a nenhum dos dois sentidos, acho que meu trabalho se alinha com ambos.
A segunda razão é que a porcelana queimada e polida causa uma sensação… Odeio dizer essa palavra… Sedutora. Eu não uso esmalte (vidro derretido) para cobrir a superfície, apenas vou lixando levemente a própria argila, esperando que, com isso, a qualidade visual e tátil ajude a puxar o observador mais para perto. Os pelos podem, então, causar o efeito que sempre causam sem nenhum esforço: repulsar o observador. Eu acho que as obras de arte mais poderosas são aquelas que seduzem e repulsam. A porcelana e o pelo trabalham perfeitamente em conjunto como conspiradores.
Mas, se a pergunta mais ampla for Por que argila?, eu diria diretamente que, como um viciado na habilidade e perfeição, a argila (especialmente a porcelana) me dá de volta o que eu necessito quando se fala em processo. Ela me permite trabalhar numa maneira que pareça mais apropriada ao meu temperamento. De um modo bastante parecido um pintor escolhe a pintura como o seu modo primário de trabalho, assim como eu escolho a argila.
Qual é o seu processo criativo?
Em quase todos os casos eu começo com duas ou três formas ocas criadas a partir da roda de oleiro. Brinco em combiná-las até me dar por satisfeito com o potencial dessa forma. Desse ponto eu adiciono linhas que virarão camadas, ou elementos da superfície. Trabalho muito de maneira intuitiva; um conjunto de decisões afetam o próximo, e assim vai. Não há rascunhos, apenas um entendimento geral de formas e escalas: gordo, comprido, torcido, achatado, compacto, inchado, enrugado, etc. A ‘personalidade’ da peça vai aparecendo aos poucos.
O White Russian é uma parte importante do seu processo?
Estou bebendo um White Russian agora mesmo. Ele me faz acreditar que eu sou muito famoso e com muito dinheiro. Na verdade eu acho que é importante, em certos estágios, trabalhar desinibido. Ernest Hemingway disse uma vez: Escreva bêbado. revise sóbrio.
Como as pessoas reagem ao seu trabalho? Surgem reações ainda inesperadas?
Eu ainda sou pego de surpresa quando as pessoas ficam “enojadas”. Eu entendo a reação, mas perco isso de vista depois de trabalhar tantas horas polindo as curvas, linhas e formas. Para mim é muito importante desenvolver um senso de beleza na forma subjacente. Algumas pessoas reagem ao trabalho apenas como se ele servisse para chocá-las. Não é isso, eu me esforço em alcançar um equilíbrio esperando que o público tenha que lidar com um leque mais variado de emoções.
No seu website você apresenta explicações, declarações, biografias e receitas que de algum modo abrangem os seus interesses no que constrói. Você julga importante trabalhar sobre conceitos bastante bem definidos?
É irônico, mas no estúdio eu tento não pensar muito – me passe a vodka. Até que a minha formação acadêmica vem espiar lá do cantinho da parede, querendo saber a respeito de coisas como “composição, equilíbrio, referência histórica e prática contemporânea”. Não conte aos meus professores que o oposto pode ser verdadeiro: o trabalho acontece primeiro, e os “conceitos bem definidos” aparecem depois, de manhã cedo.
Olhando para trás na sua carreira, o que mudou dos potes decorativos até os objetos ‘táteis’?
Quando colocados lado a lado (como em um slideshow), e com o benefício da retrospectiva, é fácil ver a evolução do meu trabalho. [veja: www.jasonbriggs.com/evolution]. A parte difícil é notar as mudanças sutis enquanto a evolução acontece. A maior diferença entre os meus primeiros trabalhos e o que faço agora é entender o que eu quero que o trabalho seja, que é oposto a tentar decifrar o que o espectador gostaria de apreciar. Meu potes decorativos do passado eram facilmente digestíveis, eram bem quistos, e fazê-los não me trazia satisfação nenhuma.
Maiores influências e heróis?
Meu primeiro professor de cerâmica, Charlie Olson, teve um papel principal em nutrir amor e profundo respeito pelo material. Eu sempre amei o seu trabalho, mas sua paixão intensa em produzir os objetos foi o que mais me afetou. Ele continua sendo um dos meus mais queridos amigos, quase 25 anos depois.
Existe algo que você sempre quis responder e nunca te perguntaram? =)
Sim. Eu sempre quis ser um piloto de corridas. Obrigado por perguntar.
Página Oficial:
English Version
How, where, when and why.
Before college, I was a fairly clueless Art buff who was more into loud music. I had convinced myself that since I could impressively copy (read: trace) Calvin & Hobbes images and Iron Maiden cover art, I was obviously meant to be a Fine Art student. Luckily, nobody told me otherwise, because my first semester at The University of Wisconsin-Whitewater in 1990 was an awakening. I immediately responded to the language of art-making — especially the composition of space.
I stuck with Drawing initially. It wasn’t until I took my first Ceramics class that I discovered a deep love for process. I loved watching the clay move and transform before my eyes. This wasn’t an emotion I had experienced on paper, simply because I was too anal, too tight with the media to appreciate the transformation of space/form. It seems relevant to point out, I was not a person who responded to the feeling of “mud in my fingernails”, the way so many ceramicists do. I still hate that feeling.
My work really became meaningful to me halfway through graduate school. I stopped making decorative pottery and finally made an object that wasn’t whimsical, quirky, or clever. No handles, no specific bottom, no place to put the soup. The past 15 years have seen my work slowly evolve from that anchor point.
The lust for touch: how did you create an art based almost entirely on this visual seduction?
After years of using stonewares, earthenwares, and whitewares, I finally made an object out of true porcelain. After polishing the surface (and practically wanting to lick it), I knew the notion of “touch” would play an important role. Touch is an immediate, powerful temptation whether or not the opportunity is truly there. In other words, even if there is glass between the hand and the object, the desire to touch, and the imagined result, is viscerally present and equally potent.
The example I point to is personal but perhaps not unique: At 8 years old I saw my first Playboy spread. The nature of that experience—pure, primal, and singular—remains a catalyst. These were clearly magazine photos—flat images on semi-gloss stock—but my instinctive response was to embrace the nude; I held her page to my chest in a delusional bear hug while my imagination went haywire. I hope to make work with a fraction of that power.
Has anyone ever touched your works without permission?
Once I noticed a man reach into an orifice of my piece. There was soft pink rubber inside to greet his finger. In effect I had dared him to touch, and he did. But the intriguing part was his approach: he was very sly. Sometimes galleries will insist on covering my work with glass, which is okay but it removes an opportunity from the sneaky viewer.
About your materials: mainly porcelain and hair. Why?
If the question is Why Porcelain? (as opposed to other clays), I have a two reasons. One, I appreciate the historical and social baggage that porcelain brings with it. My use of a material once reserved exclusively for fine service to the upper classes can be seen as subversive on one level. Porcelain is also the main ingredient in most bathrooms, where the opposite of “fine service” happens. While I’m not claiming allegiance with either of these ends, I think my work aligns with both ends.
And two, fired and polished porcelain feels…I hate to say the word…seductive. I don’t use glaze (melted glass) to cover the surface, instead I am finely sanding the clay itself. My hope is that this visual and tactile quality helps to pull the viewer close. The hair can then do the job it does so effortlessly: repulse the viewer. I think the strongest artworks are those that seduce and repulse. Porcelain and hair act as perfect co-conspirators.
But, if the broader question is Why Clay? I would say straightaway that, as a craftsmanship addict, clay (especially porcelain) gives me back what I need regarding the process. It allows me to work in a manner that seems most appropriate to my temperament. In much the same way a Painter chooses paint as her starting point, I choose clay.
Your objects have names. Who are they and how do you name them?
Yes: “names” instead of “titles”. Titles seem too formal for this work. Obviously I’m making artwork, but I like to imagine that i’m NOT making artwork; instead that I’m somehow creating nature. The names come from words that I use during the making process—words that seem appropriate. People have suggested that because I’m using names, that I think of these objects as “my babies”. No. I may have odd sensibilities, but i’m not psychotic.
What is your creative process?
In nearly every case, I start with two or three wheel-thrown hollow forms. I play with combining these until I am satisfied with the potential of that form. From there I add lines that will become layers, or surface features. I work very much intuitively; one set of decisions affects the next, and so on. There are no sketches, only a general understanding of form and scale: fat, long, twisted, stretched, squat, compact, puffy, wrinkled, etc. The ‘personality’ of the piece shows up slowly.
Is the White Russian an important part of your process?
I’m drinking a White Russian right now. It allows me to believe I’m a very famous with lots of money. In truth, I believe that it is important at certain stages to work uninhibited. Ernest Hemingway once said: “Write drunk. Edit sober.”
How do people react to your work? Does it seem unexpected sometimes?
I’m still caught off-guard when people are “grossed out”. I understand the reaction, but I lose sight of it because I spend so many hours refining curves, lines and forms. It’s very important to me to develop a sense of beauty in the underlying form. Some people react as if the work is only meant to shock them. It’s not, I strive for balance in the hopes that the audience has to deal with a wider range of emotions.
In your website, you present explanations, statements, biography and recipes that somehow cover your interests in what you build. Is it important to you to work over a concrete concept?
Ironically, in the studio I try hard not to think too much—pass the vodka. But then my academic background peeks it’s head around the corner, wanting to know about things like “composition, balance, historical reference, and contemporary practice.” Don’t tell my professors that the opposite may be true: the work happens first and the “concrete concept” shows up in the morning.
Looking back at your career, what has changed from the decorative pots to the tactile objects?
Laid out visually (in a slideshow), and with the benefit of hindsight, it’s easy to see the evolution of my work. [see: www.jasonbriggs.com/evolution]. The hard part is noticing the subtle shifts as they are evolving. The major difference between the earliest work, and what I do now is understanding what I want the work to be, as opposed to trying to decipher what the viewer may appreciate. My decorative pots of the past were easily digestible, well-liked, and highly unsatisfying to make.
Greatest influences and heroes?
My first ceramics professor, Charlie Olson, played a major role in fostering a love and deep respect for the material. I have always loved his work, but his intense passion for the making of objects affects me most. He remains one of my dearest friends, nearly 25 years later.
Is there something you always wanted to answer and nobody ever asked you? =)
Yes. I’ve always wanted to be a race car driver. Thank you for asking.