Interrogatório

Interrogando Rômolo D’Hipólito

 Interrogamos o quadrinista, designer e artista plástico Rômolo D’Hipólito, e ele nos contou sobre a grande mistureba de estilos e discursos em sua vasta produção. Veja aqui como foi e conheça o seu trabalho!

“Se design fosse arte, o mundo seria um caos (risos).”

 

  • Como, onde, quando e por quê.

É um clichê dizer isso, mas acho que como muitas (ou todas) crianças, sempre gostei de desenhar. Acontece que algumas param e outras continuam. Eu canalizei meu desenho para os quadrinhos. E foi aí que descobri um meio eficiente de me expressar. Durante minha adolescência (1999), junto com um amigo comecei a produzir fanzines. Criamos o Chapa, que teve cerca de 18 números publicados, se não me engano. Influenciado pelos processos gráficos de produzir zines desde a produção dos quadrinhos até a sua viabilização (custos de material, formato e distribuição) o resolvi estudar Design Gráfico em 2002. Na faculdade, consegui me desprender da linguagem dos quadrinhos e tive a oportunidade de explorar meu desenho adaptado a diferentes mídias. Além disso, havia começado a trabalhar como num estúdio de animação e ilustração. Ali tive uma oportunidade única de trabalhar ao lado de ilustradores e artistas que admiro até hoje. Certamente, esse período foi um divisor de águas para meu trabalho. Entendi meu trabalho de forma profissional e objetiva através da ilustração trabalhando para o mercado publicitário e editorial. Porém, com o tempo, também senti a necessidade de desenvolver uma vertente no campo das artes visuais. Desde então, tenho um vida dupla (risos) como ilustrador e artista visual. E ambas as áreas se complementam.

 

  • Quadrinhos, gravuras, pinturas e ilustrações. Como convivem esses discursos na sua produção, e que significados eles assumem no meio dessa variedade de estilos?

Eu gosto de imaginar estes discursos como organismos independentes que em algum ponto no passado se derivaram de outros e adquiriram um caminho próprio. Eu consigo enxergar isso muito claro na minha cabeça, só que de uma forma gráfica:

 

 

Algumas vezes, estes pontos se encontram (como eclipses) e contribuem com resultados visuais interessantes. Acho que o importante se deixar ser levado pela técnica e se fazer valer do “acidente feliz”. É difícil, mas quando você deixa de lado o cacoete, aquela zona de conforto de querer fazer sempre o mesmo, e deixa o material te surpreender, seu trabalho cresce.

 

  • Em que momento da sua carreira você decidiu produzir quadrinhos?

Surgiu naturalmente quando eu era criança, nem lembro direito as primeiras vezes que fiz uma hq. Mas lembro que minha mãe viu as histórias e me matriculou num curso na Gibiteca de Curitiba.

 

 

  • Fale um pouco sobre o universo e o nascimento de Malditos Designers.

Malditos Designers surgiu na faculdade a partir de um convite de uns amigos “ativistas” do centro acadêmico da PUC. Na época, publicavam um folheto independente bastante crítico com relação a profissão, discussões, enquetes… Enfim, temas típicos de um CA. A princípio, eles pediram que eu fizesse tiras para tirar “onda” de clientes. Afinal, quem nunca xingou um cliente? Mas no final, achei mais interessante mexer no ego da profissão. Ali sim dava um “caldo”. As tiras até que tiveram uma certa repercussão, mas naquela época ainda não pretendia manter o projeto por muito tempo. Foi então que um pessoal do blog design.com.br me chamou para dar continuidade nas tiras. Achei legal, pois era um veículo interessante no meio. Publiquei um ano lá e depois migrei para o Ideafixa. Com o tempo, as ideias foram amadurecendo e o universo dos malditos se expandiu para diversas áreas das humanas. Não me limito mais a profissão, até acho que o termo designer já não faz muito sentido, mas mantenho por um valor histórico. Publico até hoje no IF e também na página dos MD no Facebook.

 

 

  • Como você vê essa posição intermediária entre o design e as artes plásticas? Sendo alguém com formação em design, e com uma posição bastante crítica em relação a esse universo, o que você vê como diferença fundamental entre as duas áreas?

A diferença principal, é a margem para interpretação. Se design fosse arte, o mundo seria um caos (risos). Imagina só hospitais, estradas, fábricas, enfim, lugares que dependem de informação visual 100% eficiente para poder funcionar. Acho óbvia a diferença, mas não vou ser louco de tentar explicar tudo. Serei breve nas definições. Na área gráfica, design é um projeto de comunicação que envolve um entendimento objetivo por parte do público através de códigos comuns ao contexto onde é aplicado. Isto é, ele não pode falhar na clareza ou dar margem a subjetividade. Nas artes visuais, há uma “tentativa” de exprimir esteticamente algo que o artista achou importante evidenciar em determinado momento de sua vida. O público, normalmente, tem uma abertura a interpretação e o artista não tem, necessariamente, obrigação em se explicar. Tem até uma frase pertinente para esta resposta que ouvi uma vez mas não lembro do autor: “A arte é a tentativa fracassada de representar uma experiência solitária.”

 

  • A respeito de trabalhos como Trauma de Érico e Exemplo do Sujeito que Flatulou, como surgiu a ideia de trabalhar com textos escritos em versos rimados? Conte sobre essas produções.

Há alguns anos, comecei a me interessar muito por cordel, tanto a escrita quanto o seu contexto. Mas acho que o que me marcou mesmo foi o humor de como a história é trabalhada. Me identifico bastante com o absurdo que é desenvolvido e de como tudo parece ser plausível. “Gugu encontra lampião” ou “A chegada de Michael Jackson ao inferno”. Vale tudo (risos). Então, me arrisquei numas riminhas vagabundas e quis contar minha história só que através dos quadrinhos. Acho que elas funcionaram bem como dois “pilotos” para produzir outras.

 

 

  • Principais influências e heróis? (nas artes, nos quadrinhos, em tudo)

Lembro como era valioso conseguir uma referência antes da internet. Lembro muito dos quadrinhos que lia na gibiteca. Um deles, que acho muito importante citar, foi o “Mundo Cão”, de Miguelanxo Prado. Mas as influências de quadrinhos foram várias, principalmente os autobiográficos americanos como Clowes, Crumb, Peaker. Também, por conta de Jean Leguay (Jano) comecei o projeto de Cadernos de Viagem, que faço desde 2006. Cito estes porque acho importante falar da minha formação inicial.

Difícil falar de influência hoje em dia, já que qualquer coisa pode servir com estímulo a produção. Além disso, a internet pasteurizou tudo, e não consigo lembrar de muita coisa que me tocou de forma significativa. Mas ultimamente, num modo bem geral, venho curtindo o expressionismo alemão na gravura, uns modernos brasileiros e ilustrações científicas de botânica.

 

  • Em que você está trabalhando agora? Quais são os projetos futuros?

Dia 20 agora, vou lançar o livro Malditos Designers (editora Gato Preto) na feira Ugra, no CCSP. Além disso, estou trabalhando numa nova hq estilo cordel e sigo produzindo gravuras, colagens e pinturas para uma futura exposição.

 

 

Site Oficial:
http://www.romolo.com.br/

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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