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Cover-Girl

Cover-girl: o significado e o desejo representados pela ‘garota da capa’ em uma sociedade onde todos, em alguma medida, desejamos nos tornar admirados e esplêndidos ‘cover-girls’.

“O mundo se move em batidas misteriosas, a sedução é um fascinante componente humano, mas que conduz, em geral, ao desengano.”

 

Cover-girl. Garota de capa. Coelhinha. Polly Maggoo.

Todos queremos ser uma cover-girl. Ou algo que o valha. A imagem e o outro, tudo o que nos constitui enquanto indivíduos, parece ser tão importante que, de certa maneira, toda capa de revista, independente de estilos, públicos ou tendências, se manifesta como símbolo inequívoco dessa unidade-rosto que nos representa enquanto raça. Odiamos o que consideramos a estética da baixaria e o que nos ofende, admiramos a beleza do bom gosto e do que nos apraza enquanto artístico. Tentamos nos igualar ao bem-proporcionado e ao que é profundo de significado, sempre às nossas próprias maneiras, no que nos distingue enquanto seres individuais e únicos. Cada um à sua maneira busca seus modos de ser, dentro do seu próprio meio e mundo, a cover-girl, o destaque, a referência e o molde a serem seguidos. Esse conceito se contrapõe de uma maneira interessante, conflitiva, à própria individualidade, pois somos individuais, buscamos isso, e ao mesmo tempo nos encaixamos, nos identificamos, somos e nos etiquetamos em escolas e padrões. O mercado da moda já nos fala disso há muito tempo. Por isso mantém um ideal enquanto nos oferece um caminho. Nos prende. O engano e a incerteza nesse caminho são inevitáveis. Aquela cover-girl que admiramos é inalcançável. Porque é irreal.

 

Still de ‘Qui êtes-vous, Polly Maggoo?’ (1966), de William Klein

 

A busca pelo irreal no plano do real pode ser frustrante e nociva quando não é convertida em força produtiva ou criativa. A moda, a cover-girl, e todo o mundo em que vivemos e que é derivado dessa lógica – que lógica? a do mercado: seduz-se para vender–nos distancia de nós mesmos e da apreciação do que não é comercial. Cover-girls e produções de moda não são obras de arte, mesmo que tentem nos convencer do contrário. São desvios, tensões que desembocam em inexplicáveis mundos de fantasia consumista. Não sou a favor ou contra. O mundo se move em batidas misteriosas, a sedução é um fascinante componente humano, mas que conduz, em geral, ao desengano. Gostaríamos de ser a cover-girl de nossas próprias vidas, nossos próprios palcos.

Mas, se estamos frente a frente com uma obra de arte, com uma Mona Lisa, que mundo e que mistério são os que operam sobre nós? Não se sabe e nunca se poderá explicar. Mas Mona Lisa, essa cover-girl de infinito significado e fantasia, nos entende e nos absorve. Já cheguei a pensar que um retrato como o dela poderia ser equiparado ao de uma cover-girl, mas não. Não se compara. Pois ela, Mona Lisa, em seu mistério, já é todos nós, e me conhece e conhece a você mesmo em nossas mais profundas esferas da existência.

Se olhamos para uma cover-girl, gostaríamos de ser como ela. Se olhamos para uma obra de arte, provavelmente já a somos, porque olhamos, e vemos. E o ser, o significado, não se alcança ou se compra, nem ao menos se compara, pois é o que nos define enquanto espécie, que vai, inclusive, além da sedução e do consumo onírico.

Isso, é claro, se a sua visita à Mona Lisa não se resumir a uma selfie e um souvenir. Nesse caso, sim, Mona Lisa é a maior de todas as cover-girls.

 

Still de ‘Qui êtes-vous, Polly Maggoo?’ (1966), de William Klein

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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