Interrogatório

Interrogando merkley???

Nossa primeira edição interrogou o lendário merkley???, dono de um estilo fabuloso e inconfundível de fotografia digital, e ele falou com exclusividade para a R.Nott Magazine a respeito do seu trabalho!


 

– Pra começar, você deixou bem claro no seu blog que NÃO é um fotógrafo. No entanto, eu mesmo ouvi falar pela primeira vez a respeito do seu trabalho em uma aula de fotografia, como sendo um nome em ascensão no meio. Além disso, você é um all-star do Flickr, visto e comentado por milhões de outros fotógrafos. Como se sente com esse feito?

 

A coisa da internet era/é engraçada. Especialmente por nunca ter sido uma ambição minha ser reconhecido como “fotógrafo”. Eu realmente me divirto muito fazendo arte e é muito fácil compartilhar tudo isso pela internet. Quando o Flickr era legal, isso era um bônus. Eu queria que eles não tivessem sido vendidos ao Yahoo e fodido tanto com o serviço. Eles poderiam ter sido o Facebook, Twitter, Instagram e todo o resto combinados, não fosse a mentalidade retrógrada do Yahoo que acabou reprimindo tudo isso.

Como se eu soubesse do que estou falando.

 

 

– Você viveu no Brasil como um missionário Mórmon, certo? Como foi esse período, e o que você conheceu aqui em termos de cultura e arte?

 

Bem, por ser um missionário Mórmon eu estava confinado a uma vida de oração. Eu sou muito feliz por ter conhecido tantos brasileiros em um nível pessoal, em suas casas, compartilhando refeições e aprendendo a língua de um modo que poderia não ter acontecido de outro modo. Eu só queria ter tido, na época, a atitude não religiosa e de livre pensamento que tenho agora.

Mas remorso é uma coisa besta. Eu adoraria voltar ao Brasil um dia. É comum eu ter sonhos em que estou lá de novo, e esses sonhos são geralmente bacanas.

 

– Conte um pouco sobre o período em que você trabalhava com pintura e desenho, antes da fotografia. O que você perseguia nessa época em termos de arte, e como isso difere do que você persegue agora?

 

Eu ainda pinto e desenho, e faço isso desde que tinha 4 anos de idade. Eu cresci lendo Charles Schultz e Dr. Seuss e assistindo desenhos da Hanna Barbera. Ainda me vejo, de certo modo, como um cartunista. Quando eu era criança, meu pai sempre me deixava usar a sua câmera para fazer fotos, mas naquela época o que eu fazia eram apenas fotos documentais de amigos, etc. Quando eu finalmente consegui uma câmera digital e o Photoshop, por volta de 1999, eu realmente percebi que todo o processo de fazer imagens com histórias que eu queria que existissem poderia ser muito mais fácil.

Eu sinto que as maiores inspirações para essa minha arte baseada em fotografia são Gary Larson e Devo misturado com Vargas.

Veja, eu sou muito preguiçoso, e desenhar ou pintar não são tão ergonômicos quanto deitar numa cama e usar uma câmera, um computador e o Photoshop. Não tenho cãibras nas mãos, nunca arrebento ou perco meu pincel ou caneta, e posso desfazer qualquer coisa que não goste.

Então o processo mental é basicamente o mesmo, só mais confortável e eficiente.

 

– Falando em arte, suas fotos são comumente vistas através dos olhos da moda e estilo. Também é muito comum que seu trabalho seja comparado com o de David Lachapelle. Como você vê isso?

 

Ser comparado com Lachapelle nunca é um insulto, e, depois de ter sido comparado com ele um certo número de vezes, fui fazer a minha lição de casa e descobri que nós temos basicamente a mesma idade, absorvemos a mesma arte/cultura ao crescer, e transitamos nos mesmos tipos de círculos sociais. Então não é tão surpreendente que de vez em quando a gente compartilhe de certas escolhas estéticas.

Meu amor por cores supersaturadas deriva basicamente de filmes como O Mágico de Oz e outros da mesma época, quando tudo parecia estar sendo levado aos limites. Eu imagino que ele (Lachapelle) daria uma resposta similar.

E sim, eu realmente gosto de moda. Mas sou tão meticuloso quanto ao seu uso ser especial ou intencional que na maior parte do tempo eu acabo não gostando do que alguém está vestindo, e é por isso que, no fim das contas, eu faço tantos nus. Se eu realmente gosto da maneira como alguém está trajado e acabo julgando que tem méritos para ser documentado ou celebrado, fico mais do que feliz em incluir isso na minha arte.

 

 

– Várias fotos suas são musicais em alguma medida, do uso de microfones a fonógrafos. Algumas vezes chegam parecer arte de capa de álbuns de música. Qual é o papel da música na sua vida e na sua produção? O que você costuma ouvir? (Você é um dos membros do ZZ-Top?)

 

Durante toda a minha vida eu fiz música, e por muito tempo estive envolvido no ramo musical. Eu não faço distinções entre os diferentes meios artísticos, pra mim todos são “arte”. Ultimamente eu tenho escrito e gravado muita música. É divertido.

Eu sou ambos os membros do ZZ-Top. Eu sou, além disso, todas as outras pessoas com cabelo comprido, chapéu e barba. Então caso você veja alguém com esse visual, pode ter certeza que sou eu.

 

 

– Existe uma grande e tradicional dificuldade de entendimento entre a arte e a moda, de poderem se ver e se reconhecer como pensamentos estéticos e sociais já amadurecidos. Na fotografia, nomes como os de Helmut Newton e Richard Avedon não compartilham do status artístico como os de, por exemplo, Cartier-Bresson e Brassaï. Mesmo assim, tanto a arte como a moda construíram diversos modos perspicazes de ver a sociedade e os modos como o ser humano interage dentro de um sistema social. Desse ponto de vista, quais são as suas preocupações e pensamentos mais íntimos que o trazem à forma final do trabalho? O que é que você procura em suas imagens?

 

Eu gosto de fazer coisas que eu sinto que não existiriam sem mim. Ninguém realmente sabe o que é que leva um artista a criar e compartilhar. Eu suspeito que isso venha de um desejo humano que consiste em encontrar pessoas com cabeças parecidas com quem se possa construir uma tribo.

 

– Você cria algum tipo de expectativa com relação ao que as pessoas vão interpretar ou imaginar quando veem as suas imagens? É comum você se ver perplexo com reações inesperadas?

 

Depende da peça. Em geral eu tenho alguma ideia de que mensagem/piada eu quero transmitir, mas me permito reservar intencionalmente algum espaço aberto para interpretação. Eu gosto de ouvir o que as pessoas pensam que a minha arte significa. A coisa boa/ruim sobre arte é que alguém sempre está certo e errado.

Na maior parte do tempo eu gosto de incluir elementos e criar histórias com justaposições que façam com que o espectador conte uma história para si mesmo. Eu gosto da arte que exige que o espectador ative o seu próprio senso de criatividade. Nenhuma história nunca é completamente contada, porque cada vez que se ouve existirão novas circunstâncias para considerar.

É isso o que eu gosto em imagens, sejam paradas, em movimento ou qualquer outra. Sem diálogo, nós é que precisamos completar as lacunas e descobrir o que está acontecendo, e para cada pessoa a perspectiva e as possibilidades são diferentes. Imaginar é divertido.

 

– Com que tipo de equipamento você costuma trabalhar e o que você usa para tratar as suas imagens?

 

Eu uso uma variedade de câmeras compactas de bolso. Nesse momento a minha favorita é a Canon 300hs, mas todo mês são lançados novos modelos que são divertidos e dão conta do trabalho. Eu poderia fazer tudo com o iPhone se eu precisasse.

Na verdade, o que importa mesmo não é o equipamento.

Eu trato as imagens com o meu cérebro, globos oculares, dedos e Photoshop. Nada disso é um plug and play. Não é muito diferente de uma pintura, exceto que a câmera fornece a tecnologia para pular algumas etapas.

 

– Conte sobre os seus livros. Estão disponíveis fora dos EUA?

 

Eu lancei meu último livro há um tempo numa edição limitada autografada e basicamente se esgotou alguns meses após o lançamento. Fiquei ainda com uma centena de cópias para a posteridade, mas de um tempo pra cá eu venho pensando em me livrar delas, porque ocupam muito espaço.

 

Mais em:
https://www.flickr.com/photos/merkley/ 

 

 

English Version

 

– First of all, you made very clear through your blog that you’re NOT a photographer. Nevertheless, I first heard of your work during a photography class, as being a prominent name in the field, and you’re a Flickr all-star viewed and commented by millions of photographers. How do you feel about that kind of achievement?

 

The internet thing was/is sorta fun. Especially since it was never really an ambition of mine to be recognized as a “photographer”. I really have a lot of fun making art and sharing it is rather effortless via the internet. When flickr was cool it was a real bonus. I wish they hadn’t sold it to Yahoo and fucked it up so badly. They could have been facebook, twitter, instagram and all the rest combined had the backwards Yahoo corporate mindset not stifled it all.

As if I know what I’m talking about.

 

 – You lived in Brazil as a Mormon, right? How was that period, and what did you experience here in terms of culture and art?

 

Well, as a Mormon missionary I was confined to a life of preaching. I’m very happy to have met so many Brazilians on a personal level, in their homes, sharing meals with them and learning the language in a way that might not have happened otherwise, I only wish I had the non-religious free-thinking attitude I have now when I was there.

But regret is stupid. I’d love to go back to Brazil one day. I often have dreams that I’m back there and they are almost always good

 

– Can you tell us about that period before photography when you produced paintings and drawings? What did you pursue then, and how that differs from what you pursue now?

 

I still paint and draw and have done since I was 4 years old. I grew up reading Charles Schultz and Dr. Seuss and watching all the Hannah Barbera cartoons. I still sorta see myself as a cartoonist. As a kid my dad always let me use his camera to take pictures, but back then I was more just composing documentary style photographs of friends etc. When I first got a digital camera and photoshop back in about 1999, that’s when I really realized that my whole process of making images with stories I wanted to exist could be much easier.

I feel like my biggest inspirations for my photo based art are Gary Larson and Devo mixed with Vargas.

You see, I am very lazy, drawing or painting aren’t as ergonomic as laying back in bed and using a camera, computer and photoshop. My hand doesn’t cramp up, I never wreck or lose my paint brush or pen and I can undo anything I do that I don’t like.

So the mental process is pretty much the same, just more comfortable and efficient.

 

– Speaking of art, your pictures are commonly viewed through the eyes of fashion and style. There is also a common comparison between you and Lachapelle. How do you see that?

 

Being compared to Lachapelle is never an insult, and having been compared to him a number of times I have done my homework and found that we are both basically the same age, we both absorbed the same art/culture growing up and run in the same sort of social circles so it’s not much surprise that sometimes we’d share certain aesthetic choices.

My love of super saturated colors stems mostly from movies like The Wizard of Oz and the other movies from that era where everything seemed to be bumped up right to the edge. I’d imagine he’d give a similar answer.

But yeah, I really like fashion, but I’m so picky about it being special or intentional that most of the time I don’t like what someone is wearing and that’s why I end up with so many nudes. If I really like someones outfit and they have put enough thought into it to merit documentation or celebration, I’m more than happy to include it in my art.

 

– A lot of your pictures are very musical in some way, from the use of microphones to phonographs, and sometimes they resemble cover art for music albums. What’s the part of music in your life and production? What do you hear most of the time? (are you a member of ZZ-Top?)

 

I have been making music all my life and spent a significant part of it in the music business. I draw no distinction between the different artistic mediums. I consider them all as “art”. Lately I have been writing and recording a lot of music. It’s fun. I am both members of ZZtop. I am also every other person with long hair, hat and a beard, so if you see someone like that, you can be guaranteed that it is me.

(i’d like to insist a little more in that midpoint between art and fashion)

 

– Traditionally, there have been great difficulties between art and fashion to see and recognize each other as full-blown aesthetics and social thinking. In photography, names such as Helmut Newton and Richard Avedon do not share the artistic status as do, for example, Cartier-Bresson and Brassaï. Still, both art and fashion have built many accurate ways of seeing society and how human beings interact inside our social system. From that point of view, what are your concerns and deep thoughts that bring you to the final shape? What is it that you search in your pictures?

 

I like to make things that I feel like wouldn’t exist without me. What it is that drives artists to create and share is not really known by anyone. My suspicion is that it derives from the human desire to find like minded people with whom to build a tribe.

 

– Do you create any kind of expectation about what people will interpret and imagine when they see your images? Do you find yourself often amazed about unexpected reactions?

 

It depends on the piece. Generally, I have an idea of what message/joke I want to convey but I intentionally reserve myself to keep things a little more open to interpretation. I like hearing what people think my art means. The good/bad thing about art is that one is always right and wrong.

Most of the time, I like to include elements and create stories with juxtapositions that cause the viewer to tell a story to themselves. I like art that requires that the viewer engage their own sense of creativity. No story is ever fully told because each time it is heard, there are new circumstances to consider.

This is what I like about pictures, still, moving and otherwise. Without dialogue, we need to fill in the blanks and figure out what is happening and for each person, the perspective and possibilities are different. Wondering is fun.

 

– What’s the equipment you usually work with and what do you use to treat your images?

 

I use a variety of small pocket consumer point and shoot cameras. Right now my favorite is a canon 300hs but every month they come out with new ones that are fun and do the job. I could do it all with an iphone if I had to.

It’s really not about equipment anyway.

I treat the images with my brain, eyeballs, fingers and photoshop, Nothing is a plug and play, It’s not much different than a painting except the camera provides the technology to skip a few steps.

 

– Tell us all about your book, from the very beginning. Was it your idea? Is it available outside the US?

 

I released my last book a while ago as a signed limited edition and it essentially sold out within a few months of its release. I held on to about a hundred copies for posterity but recently I have been thinking about getting rid of them as they are taking up space.

 

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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