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Lado A: um elogio a Aki Kaurismäki

capa: Mato Valtonen em Take Care of Your Scarf, Tatiana (Pidä huivista kiinni, Tatjana, 1994)


 

Eu sou um ridículo.

Esse é um bom jeito de começar este texto. Sou ridículo principalmente (embora por muitas outras coisas também) por ter escrito parágrafos tão vergonhosamente ruins para iniciar esta coluna, que foram descartados prontamente diversas vezes mas que me envergonham simplesmente por terem vindo a existir. Me envergonham por falarem e exporem e se darem à pretensão de comentar sobre algo. Não que este esteja melhor.

Mas como ia dizendo, eu sou ridículo também por outras coisas. Talvez por pensar em dinheiro no fim do mês. Talvez por fracassar monumentalmente numa empreitada. Talvez por me encantar ardentemente por qualquer pessoa que me dê a mínima pelota, para descobrir depois que nem é mínima e nem é pelota. Talvez, pior, por me apaixonar. Talvez por ter estudado japonês. Talvez eu seja um ridículo por nunca ter editado o livro com o qual eu me comprometi. Talvez o seja por não ter sido capaz de conseguir manter esta revista ativa por um tempo grande demais. (por isso com certeza eu sou). Talvez seja ridículo por nunca ter feito dinheiro com ela. Ou por não saber fazer dinheiro. Eu acho que sou vergonhosamente ridículo por achar que poderia tocar sax decentemente. Por ter cantado numa banda de hair metal. Por fazer cover de Skid Row. Eu certamente sou por não ter me aplicado mais nos estudos de grego. Por ter brincado com o tempo dos outros. Por não reconhecer um sim quando só enxergo não. Por ter escrito aqueles parágrafos desastrosos antes. Por amar. Por acreditar no eu te amo de uma noite. Por não ter dado um basta. Por chorar ouvindo Patti Smith. Por ficar emprestando a sua biografia por aí achando que ela fará sentido aos outros como se fosse uma espécie de bíblia. Eu devo ser ridículo por ter uma rotina, por ficar sozinho, por me isolar, por acender incensos low-cost. Por achar que ela me daria bola. Por me ocupar de matar a barata no corredor do prédio. Ridículo por ser o um e não o outro. E por ter deixado também de ser o um. Por ser invisível. Por ser útil. Por ser boa-praça. Por ser inofensivo. Pela melancolia. Por ouvir punk. Sou ridículo por descarregar minhas tensões puxando ferro. Por pensar na passagem do tempo. Por xingar o juiz no futebol. Por invejar quem beija. Por preparar drinks pra tomar sozinho. Por ir ao cinema sozinho. Por pixar banheiros. Por fazer convites ignorados. Por fazer convites inúteis. Por escrever.

Por sustentar ilusões, expectativas e fantasias nas situações mais dolorosamente improváveis. Por acreditar. Por lutar contra o fado.

Por achar que em algum momento eu seria mais do que um simples operário na grande engrenagem da vida. Por isso tudo, e por aqueles parágrafos ridículos que eu escrevi antes, eu não sou apenas ridículo. Eu sou o pai de todos os ridículos. Aquele que inventou a condição do ridículo. É patético.

Ainda bem que existe, para pessoas como eu, o cinema de Aki Kaurismäki.

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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