Lanna Solci, artista de Curitiba e parte integrante – e pulsante – deste corpo chamado R.Nott Magazine, e também a artista da capa desta edição, fala sobre a sua pintura.
“E pinto. No tempo que eu pinto, entro em outra frequência.”
Eu quis escrever um manifesto sobre a pintura figurativa. Por que um retrato, se já inventaram a câmera? Depois pensei em criar uma bela narrativa, um percurso onde os velhos métodos encontram os novos temas.
Ambos os textos ficaram tão chatos quanto o quadro de araucária pendurado na parede do seu avô. Nenhuma emoção, nenhuma novidade.
A verdade é que, talvez pela raiva das infindáveis discussões de conceito da faculdade de artes, não construí um discurso meu, não tenho na manga a verdade sobre a minha arte, a grande quebra o discurso emocionante que entra pros livros de história, nem estou no grupo dos grandes empreendedores da arte. Eu tenho quadros que, como um diário, falam de uma história que só interessa a mim mesma.
Por mais que eu reconheça a importância da reflexão no fazer artístico, parte da minha vontade de desenhar e pintar vem de não falar sobre, não quero tentar fazer meu mundo caber em palavras; a escrita infelizmente nunca foi meu forte.
Me interessa o fazer. Dedico dias e dias a estudo de pigmentos. Eu pinto cartelas de cor e categorizo por matéria prima, faço meu verniz, meu médium, e de vez em quando as minhas próprias tintas; estudo anatomia, biologia, química, traduzo textos, importo livros, entro em contato com artista do outro lado do mundo para descobrir como ele chegou naquela luz maravilhosa que me tirou o ar por quase 10 segundos.
E pinto. No tempo que eu pinto, entro em outra frequência. Não ouço a música, o cachorro, a tv, passo horas sentada na mesma posição quase sem piscar. A pintura, pra mim, nunca foi um manifesto (apesar de eu gostar dos manifestos).
Me interesso por pessoas e por pintura, e em cada retrato aprendo mais de mim, mais de alguém, mais da vida. Não é diferente de debater um texto, já que o resultado é o mesmo: eu reflito sobre aquilo que está exposto, e transformo esse afeto em um conhecimento. Desse conhecimento, faço uma imagem.
Nem sempre o resultado é o que o retratado espera ver de si. Nem sempre estou falando do retratado, mas de um conjunto de sensações que aquela figura me provoca. Esse processo acaba por trazer uma abertura imensa para todos os tipos, uma fome por tudo aquilo que é cru, claro, entregue. A obsessão está em trazer pro mundo um pouco desse impacto, apesar de ainda não ser capaz de chegar dos meus rins (alô, Matisse?) aos olhos do espectador.
Ainda tenho que soltar, libertar, experimentar mais. Há de ser uma vida inteira de descobertas muito pessoais, empolgantes e solitárias.
