A arte e as valiosas palavras de Sara Franco, artista plástica portuguesa e kamikaze por defeito. Exclusivamente para a R.Nott.
“No fundo, tento sempre contar uma história e uso o título como complemento e que é, ao mesmo tempo, espinha dorsal dessa mesma história.”
Começo por tentar desenhar o meu próprio mapa mental. Descobrir onde é o gatilho. O que é que me move, falar sobre o impulso, a paixão. O acaso, o acidente e a derrapagem alucinada e irregular poderiam explicar o meu processo criativo. Mas depois é tudo mentira.
Processo.
Sinto logo ganas de destruição.
É difícil. Mas se calhar é isso. E depois…olha, afinal….. é quase como tentar materializar emoções e dizer como e onde as fazes desaguar. Como é que lhes dás forma.
Hoje vou com tudo em cima e amanhã instala-se um vazio. Lá me vou atirando sempre da mesma maneira mais ou menos atabalhoada sempre com um braço de ferro entre a fórmula e a repetição e depois vou tentando domesticar aquela confusão toda. Á procura de um equilíbrio. Mas isso é assim na vida em geral, não é? A gente dá um salto de fé e fica na esperança que a coisa não se descontrole… E corre sempre melhor quando o fazemos com confiança.
No fundo tudo isto envolve sempre uma ânsia de explosão. O impulso provocado. O acidente preparado. É um voo calculado.
Trabalho em casa, no atelier, mas a maior parte do trabalho é feito fora. Só lá vou de vez em quando para lhe dar direcção. Parto sempre de uma base que no fundo é o que irá determinar a maneira como vou conduzir tudo o resto. Portanto nunca é um processo linear e metódico e tenho telas viradas para a parede há meses, na esperança de que, quando nos voltarmos a ver, a coisa irá, instantaneamente, surgir. Corre tantas vezes mal. Normalmente isto acontece naquele momento final que é, na realidade, o que sustenta todo o trabalho anterior e garante esse tal equilíbrio. E é, até mesmo, aquilo que lhe dá tema. No fundo é sempre uma guerra interior até encontrar esse momento que é o desfecho.
Giro sempre em volta de temas que me são próximos e podemos falar de encontros e desencontros comigo própria e com os outros e que depois são encaixados, directa ou indirectamente, num universo de banda desenhada ou ficção científica, onde acabo sempre por voltar, mesmo que viaje e explore outros imaginários. Acaba por ser, inconscientemente, um porto seguro, e é engraçado porque só neste momento em que escrevo isto, me apercebo dessa realidade.
No fundo, tento sempre contar uma história e uso o título como complemento e que é, ao mesmo tempo, espinha dorsal dessa mesma história.
Chamo-me Sara e estamos em Janeiro. Artista plástica e kamikaze por defeito.
Fiz dois anos de yoga, sem jeito nenhum mas acompanhada com toda a paciência, carinho e compreensão pela querida Paula. Mas chegava ao atelier e tinha que beber três cafés seguidos para conseguir pintar. (desisti do yoga)
Porque isto não é um exercício de paz e tranquilidade. É uma inquietação, um burburinho interior, extremamente cansativo e desgastante mas que, afinal, é disso que se trata. Não é, de maneira nenhuma, uma cena contemplativa. E só quando se dá a combustão é que chego a esse tal equilíbrio e, por acréscimo, à tão desejada tranquilidade. (quem és tu?)
O importante é afastarmo-nos de tudo o que nos drena a alma.
E Lisboa, que está a desaparecer?