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Conjurando espíritos de filmes perdidos

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Entre o espiritismo e a edição de filmes baseada em experiências individuais e únicas: o estreante Rodrigo Guinski fala sobre o projeto Seances.


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“Essa versão editada foi considerada por décadas uma obra prima do cinema, até a original ser redescoberta, em 1981, no armário de um hospital psiquiátrico na Noruega e substituir a celebrada versão mutilada.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O cineasta canadense Guy Maddin produz seus filmes recriando a estética da era do cinema mudo – entretítulos, efeitos de íris, iluminação tremeluzente, cores aplicadas à mão e degradação de película – em vezes até utilizando tecnologias, condições de produção e exibição do período. No caso do longa metragem Brand Upon the Brain (2006), música, efeitos sonoros e narração foram realizados ao vivo durante a projeção em sua turnê de lançamento. Nos cinemas o filme foi narrado pela atriz Isabella Rossellini e no formato DVD outras possibilidades de narradores foram adicionadas, entre elas, a artista e performer multimídia Laurie Anderson e o ator Elli Wallach, o Feio em The Good, The Bad and the Ugly (Sergio Leone, 1966). A multiplicidade de escolha de narradores foi um indício da exploração das possibilidades narrativas das tecnologias digitais a serem extrapoladas no projeto para internet Seances (http://seances.nfb.ca), finalizado em 2016, financiado e mantido pelo National Film Board of Canada. A incubação do projeto Seances ocorreu com a instalação Hauntings (2010), que consistiu em 11 canais de vídeo apresentando, em loop, curta-metragens com duração entre 10 e 15 minutos. A filmagem desses curtas foi conduzida por Maddin como seções espíritas, colocando os atores em estado de transe e convidando os espíritos de filmes perdidos a possuírem-nos. Seances não evoca apenas o período de pico do cinema mudo nos anos 20, mas também o fim da era de ouro do espiritualismo, ambas as práticas constroem suas narrativas através do ilusionismo. Como era prática comum para curtas no início da indústria cinematográfica, a produção ocorria em apenas um dia, estes foram inspirados pelos filmes perdidos da era do cinema mudo. Aproximadamente 80% da produção de Hollywood durante esse período não existem mais, e a porcentagem é ainda maior em outros lugares. Entre os filmes perdidos dessa época, talvez o mais conhecido seja Greed, de Erich Von Stroheim, com 8 horas de duração. Porém, o que iniciou o interesse de Maddin por essas películas foi a frustração de não poder assistir a obra completa de Alfred Hitchcock, pois seu primeiro filme The Mountain Eagles (1927) já não existe mais, ou não existe mais até que alguém o encontre. Alguns foram encontrados, como The Unknown (1927), de Tod Browning com o ator Lon Chaney, o “homem de mil faces”, encontrado em 1968, na Cinémathèque Française. Henri Langlois, diretor da cinemateca explicou que a demora ocorreu pela instituição ter centenas de latas de filmes marcadas como “desconhecido”. Outro caso foi o da versão original de La Passion de Jeanne d’Arc (1928), de Carl Dreyer, que sofreu cortes de censura realizados pelo Estado e pela igreja francesas. Essa versão editada foi considerada por décadas uma obra prima do cinema, até a original ser redescoberta, em 1981, no armário de um hospital psiquiátrico na Noruega e substituir a celebrada versão mutilada. Existem as amputações permanentes, como a versão original de The Wicker Man (Robin Hardy, 1973), que teve 20 minutos cortados antes de seu lançamento, que foram considerados desaparecidos por décadas, até uma cópia ser encontrada no arquivo da universidade de Harvard. Contudo, essa cópia também não continha todo o conteúdo cortado. Em 2013 o filme foi relançado na versão chamada de final cut, sendo essa a mais completa possível existente no momento. A existência de diversos cortes e versões levanta a possibilidade de se criarem filmes sem uma versão definitiva, e foi isso que Maddin fez em Seances.

 

O projeto interativo Seances reúne 18 filmes produzidos para uma instalação chamada Spiritisms (2012) e mais 12 produzidos posteriormente. Esses curtas, com duração entre 15 e 20 minutos, foram filmados nas mesmas condições de Hauntings. O projeto para internet funciona como uma invocação de espíritos de filmes perdidos. Para iniciar o processo se deve apertar o botão de inicialização como se segura a mão de um médium, nesse momento ocorre o processo aleatório que utiliza os planos dos curtas como unidades que são recombinadas por um algoritmo de cinema generativo que produz infinitas permutações online, e quando o botão é solto o processo de combinação aleatória é definido e o filme começa. Esse processo propicia uma possível experiência única para cada expectador, sem versões definitivas. Seances não tem pretensões narrativas no sentido tradicional, abraçando a característica da arte generativa de produzir conteúdos imprevisíveis sem buscar coerência narrativa, mas possuindo unidade de estilo e atmosfera. De certa maneira, cada filme gerado é incompleto, como se montado apenas com os trechos sobreviventes de uma película degradada pelo tempo e sem indicação da ordem de projeção de seus rolos. Cada possibilidade tem o potencial de ser uma experiência única que será perdida, com a chance de ser reencontrada, talvez décadas depois e por outro expectador.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Rodrigo Guinski
Mestre em Visualisation Sciences. Artista audiovisual.

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