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Imagem: Michael Sowa – Grande cigarra
[/vc_column_text][vc_column_text]Apresentamos nesse mês a literatura de Augusto César, um jovem mineiro sofrente, que materializa na figura da cigarra o divino – e humano – sofrimento.
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“Olhem à nossa volta. Tudo o que temos são memórias. Perdoem-me os físicos, mas o mundo não é feito de quarks e mais quarks. O mundo é feito de histórias.”
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Mineiro adicto em tristeza e sofreguidão, nascido em 1997.
Nunca me disseram que a vida é fácil
Eu também nunca quis esse “é” da coisa
Ser por ser me limita demais!
Prefiro não ser a ser eternamente “a coisa”.
O verbo “estar” é mais livre.
Ensinaram-me a entender o mundo
Ensinaram-me com detalhes a estrutura atômica
E o que eu mais queria era me entender.
Minha mente é um turbilhão de informações
Raras pessoas apontaram-me caminhos
Rumo ao meu próprio entendimento
Mas… para cada direção há sentidos opostos.
Errei o caminho…
Perdi-me em mim mesmo
A trajetória foi calidamente dolorosa, disforme
As lágrimas entraram em calefação
Enveredei por caminhos desconhecidos
Farejei minha felicidade como
o cão fareja o caminho de volta à casa
depois de um triste abandono
Farejei por mim e aspirei minha
essência
Tenho momentos felizes
Controlo-me para não me perder…
em um simples espirro
Eu vivo!
É só isso![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]P.S.: Dias em que me perco andando para o meu próprio quarto alternam-se com outros dias nos quais vejo através do mundo como um cristal. Com isso, anseio na literatura por uma descoberta de mim mesmo, visando a paz antes da morte.
[/vc_column_text][vc_text_separator title=”♦♦♦”][vc_column_text]Estou tentando… Estou tentando entender o frenesi imposto pelos vendedores de sonhos. Detectaram em mim uma covardia abusiva, sem respiração. Alimento-me de vírgulas, pontos matam-me a indecência. Não me entendem. Sou uma pluma leve – levíssima –, que paira no ar à procura de um pouso delicado e seguro. Entrego-me de corpo e alma ao vento. Vejo nele uma liberdade que não entendo, mas o vivo. Fadado a um sistema precário e desestimulante, minha heresia maior é contestar, querer ser livre.
Estão transformando-me em números pouco complexos e qualitativos in extremis.
Busco, dia após dia, o elo perdido entre mim e a nação holandesa. Há um pouco de T’Hooft em meu ser. Há em mim a faísca da loucura. Sinto minha Babel desintegrar-se em átomos miúdos. Dela restam-me apenas algumas lembranças de esperanças mortas, secas e indigestas. Sinto um frio na barriga que me faz ranger os dentes. Neste instante, a vibração quase imagética da amálgama solitária dos meus dentes atiça o canto de uma cigarra amarelada, esverdeada… Não, ela é de um verde-vômito que me dá nojo. Seu canto estremece as pontas dos meus axônios que de quantum em quantum chocam-se contra a minha testa. Desconhecemos tanto o ouvido humano. Para que serve mesmo o tímpano? Só sei que hoje de manhã minha labirintite revelou-me ao mundo. Sou tão fraco e inábil. Sou tão severamente insignificante. Inventei Deus para a crença de ser especial. Sou? Olhem à nossa volta. Tudo o que temos são memórias. Perdoem-me os físicos, mas o mundo não é feito de quarks e mais quarks. O mundo é feito de histórias. Voltando à cigarra, quero dizer que esse bicho canta em um tom libertino que me salva a vida. A libertinagem da cigarra me dá um tipo de liberdade, frustrada – sim! –, mas chama-se liberdade. O que há dentro da cigarra que a faz cantar tão alto para o mundo? O que ela tenta nos comunicar? Será a cigarra uma espécie de Deus? Mas que Deus teria esta cor de verde-vômito que enoja seus súditos crentes? De Dó a Dó não há apenas uma oitava e seus respectivos acidentes. Há mais do que isso, muito mais. E é em uma fração desses intervalos que a cigarra nos canta o segredo do mundo. As cordas do meu violão semitonam ao tentarem, em vão, encontrar a frequência sublime do canto improvável da cigarra. Tenho a imprecisão de que seja entre um Ré e um Mi. Remame? Rema-me em direção ao desconhecido, ao desencontro do mundo e ao encontro do EU. Mas a cigarra… a cigarra… a cigarra… cigarro? Acendo um cigarro em nome do perigo e da fragilidade da vida. Cigarros vêm com uma dose extra de perigo, eis o meu vício. A cigarra em um movimento digno de prêmios olímpicos salta para a haste da porta sem sequer dar-se ao luxo de interromper o seu canto. Em um típico pensamento da barbárie humana, penso em fechar a porta e esmagar a cigarra e ver o seu líquido derramado no chão e bebê-lo e misturá-lo com meu sangue vermelho. Cigarras têm sangue? É também verde? Vermelho com verde: Medo!!! Chego à conclusão de que as cigarras não foram criadas, mas vomitadas por Deus. Elas compõem uma parte desajeitada e confusa da mente divina. Elas trazem ao mundo um complexo de ira: a vontade que Ele tem de morrer. SILÊNCIO. Deus não pode saber que eu disse isso. Mas a imortalidade é a cruz que Deus carrega. Ele, por um instante, quereria estar morto… como nós o somos. Assim, vomitam-se milhões de cigarras na Terra para que elas, que são uma parte não digerida do sentimento pernóstico e mortal, desçam à Terra e anunciem a morte de Deus! Meu cigarro já está pela metade. Fumo a transformação da cigarra no atrofiamento de Deus, assim como a transformação do cigarro em minha própria morte. Mas eu sinto, eu tenho um coração vermelhusco e freneticamente pulsátil. Deus não. Eu morro. Deus, eu morro! Cigarras matam Deus assim como cigarros matam humanos? O cigarro já está no filtro e o fôlego deste animal suicida, no finito. Estou repleto de uma felicidade imprópria e ridícula. O cigarro se apaga e minha vida é engolida disfarçadamente pela terra. A cigarra se apaga e a vida ascende aos céus em um comunicado de profunda tristeza e solidão: Deus, coma-me e vomite-me novamente. Você é vivo! Sua cruz é a imortalidade, intransferível. Você não pode tudo se então não pode livrar-se da imortalidade. Quem mata Deus? Cigarras? A eternidade seria outro Deus superior ao nosso? Tenham piedade de nós.
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[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”1/2″][vc_single_image image=”5776″ img_size=”” alignment=”center”][/vc_column][vc_column width=”1/2″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”1/2″][/vc_column][vc_column width=”1/2″][vc_column_text]por Augusto César da Silva[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]