Literatura

Arg. 2.1-100

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Imagem: detalhe do Boxeador de Quirinal (ou ‘Boxeador em repouso’), um dos poucos exemplares restantes da escultura em bronze do período Helenístico (sua data é estimada entre 330 e 50 a.C.). Foi descoberta numa escavação em Roma no ano de 1885. Hoje está no Museu Nacional de Roma.

[/vc_column_text][vc_column_text]Apresentamos uma tradução para os 100 versos iniciais do canto segundo das Argonáuticas, poema épico helenístico escrito por Apolônio de Rodes no séc. III a.C. Introdução e tradução por Vinicius Ferreira Barth.


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“Tal era o filho de Zeus, quase inda um imberbe,

com fresco brilho em seu olhar. Mas força e fúria

tinha como selvagem besta.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O segundo livro – ou Canto – das Argonáuticas de Apolônio de Rodes se abre com o barco dos heróis alcançando a Bitínia, terra habitada pelos Bebrícios, onde reina o arrogante Amico, filho da ninfa Mélia e de Posêidon. De acordo com o rei, ninguém que tenha tocado a terra dos Bebrícios poderá partir sem disputar com ele próprio uma luta de boxe. Entre os heróis, o irmão de Castor, Pólux (também conhecido como Polideuces, versão que usamos na tradução abaixo, ou Tindárida, referência a Tíndaro, seu pai adotivo), apresenta-se para a luta, e a cena que segue descreve o combate.

 

As Argonáuticas (séc. III a.C.) são o único exemplar restante da poesia épica do período Helenístico, que estava centrado culturalmente em Alexandria, Egito, principalmente em torno de sua famosa Biblioteca. Ainda não existe uma tradução poética integral feita no Brasil – fato que estamos trabalhando para resolver =) . Segue abaixo uma primeira versão, ainda passível de algumas revisões, para os cem primeiros versos desse segundo canto.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”1/6″][vc_column_text][/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”2/3″][vc_column_text]


Argonáuticas 2.1-100

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Lá estavam as estalas e as tendas de Amico,

o rei altivo dos Bebrícios, que uma ninfa

gerou deitando-se com Posêidon Genétlio,

Mélia, a Bitínia, ao mais arrogante dos homens;

pois mesmo aos estrangeiros pôs decreto indigno,

de não partir ninguém sem antes confrontá-lo

no boxe, ele que assim matou muitos vizinhos.

E também foi à nau na frequente soberba,

sem dignar-se a inquirir da viagem ou quem eram,

quando falou em meio a todos tais palavras:Nautas errantes, escutai o que vos cabe.

É a lei que nenhum gringo tenha a permissão,

depois de vir até os Bebrícios, de partir

sem punhos combater contra os meus próprios punhos.

Escolhei dentre a turba o vosso melhor homem

para afrontar-me e neste ponto boxearmos.

E se acaso, em desprezo, pisoteais a regra,

vereis que cruéis e atrozes são as consequências.”

Assim falou, soberbo. Uma selvagem cólera

tomou-os, com mais força inflando a Polideuces;

ligeiro pôs-se em frente aos outros e falou:Refreia-te, e não lança a nós tua estupidez

sejais quem fores; cumpriremos tuas leis.

Eu mesmo, pois, contigo ponho-me aos negócios.”

Tal disse, brusco; o outro direto encarava-o

como um leão ferido por um dardo, quando

cercam-no os caçadores na montanha; e preso

ignora a turba, isola apenas o homem tal

que entre todos primeiro o feriu, sem vencê-lo.

O Tindárida despe o manto fino e nobre,

que uma das Lêmnias deu, lembrança da hospedeira.

E por sua parte, a capa escura dupla-face

das fivelas o rei solta, e o nodoso báculo

da montanhosa oliva feito, tira ao lado.

Buscaram por um ponto adequado, próximo,

na areia p’ra que em duas filas os parceiros

observem; em tamanho e porte os dois divergem.

Se um parecia o bruto filho de Tifeu,

ou terrível criação de Gaia, parida

em ira contra Zeus, um astro no infinito

era o Tindárida, cujos raios mais belos

brilham no céu noturno sobre o entardecer.

Tal era o filho de Zeus, quase inda um imberbe,

com fresco brilho em seu olhar. Mas força e fúria

tinha como selvagem besta. Agita as mãos

p’ra conferir se seguem ágeis como outrora

e não, pela remada e pela estafa, trôpegas,

enquanto Amico nada prova; longe e quieto

coloca em seu rival os olhos, e em seu âmago

revolve a febre em lhe arrancar do peito o sangue.

Entre eles, Licoreu, escudeiro de Amico,

botou, aos pés de cada, um par de luvas feitas

de couro cru, desidratadas e inflexíveis.

E o rei falou ao outro com soberba fala:O que quiseres, sem sorteio nem estorvo,

escolhe, p’ra que não me culpes no futuro.

Envolve as mãos; aprende bem e aos outros conta

do meu talento em rasgar peles de bovinos

e salpicar de sangue as faces de outros homens.”

Falou, mas o outro não replica tais pirraças.

Sorrindo leve, as luvas que aos seus pés estavam

alçou sem mais; ao seu encontro vieram Castor

e o grande Talau, filho de Biante; velozes

atam os laços, e o exortam a ser forte.

Ao outro Ornito vem, e Areto, pobres tolos:

não mais o fado lhes permitiria atá-lo.

Estando separados e vestindo as luvas,

erguendo em frente ao rosto as carregadas mãos,

os dois se lançam um ao outro em violência.

Ali, o Bebrício rei, como furiosa onda

que vem do mar, crescendo em crista contra a nave

ligeira, que por pouco escapa por perícia

do nauta, prestes a atingir-lhe o baluarte,

assim persegue ao Tindárida, sem lhe dar

fôlego. O outro, incólume, com ligeireza

se esquiva; e já do rei entende o boxear rude,

sabendo quando é infalível, quando é fraco,

e sem parar devolve punho a punho os golpes.

Como acontece quando os carpinteiros náuticos

martelam na madeira da nau pregos finos,

uma à outra juntando: um pulso de estampidos;

assim bochechas e mandíbulas chocavam-se,

e os dentes murmuravam indizíveis chiados,

e não pararam de bater-se intervalados,

até que os dominasse a exaustão completa.

Limparam, afastados, o abundante suor

das frontes, respirando com dificuldade.

Voltaram a enfrentar-se em carga, como touros

em torno de uma jovem bezerra no pasto.

Amico então levanta-se no seu limite,

na ponta de seus pés, qual matador de bois,

e a mão despenca intensa; ágil o outro esquiva-se,

desvia sua cabeça e a mão atinge o ombro.

Avança um pouco e joga célere co’ os joelhos,

golpeando-o abertamente sobre a orelha; os ossos

partem por dentro. O outro em agonia cai.

Os Mínias vibram, e a alma dele escorre e perde-se.

Mas honra ao próprio rei mantinham os Bebrícios;

ergueram todos clavas, ergueram suas lanças,

p’ra ir direto a combater com Polideuces.

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Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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