[vc_row][vc_column][vc_column_text]Imagem de capa:
“O rapto de Europa” (1654/56), por David Teniers, o Jovem, a partir da obra de Giorgione (Zorzi da Castelfranco): ao fundo, exemplo do poder de Eros; no primeiro plano, segue (ensimesmado?) o mundo bucólico. A música é mais importante… (The Art Institute of Chicago)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
“Não reino à força, mas por gentil persuasão.
Me obedece Céu brônzeo, toda a Terra, mesmo fundo Mar.”
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Olha: sou rei da Terra de amplo seio, expulsei Urano do trono.
Não te assustes se sou tão pequenino e já tenho buço:
Nasci quando reinava agra Necessidade
e tudo se dobrava a seus desígnios:
bichos terrestres e os que andam
no éter.
Do Caos
sou cria, não da deusa Cípria
e de Ares; sou chamado o asa-rápida.
Não reino à força, mas por gentil persuasão.
Me obedece Céu brônzeo, toda a Terra, mesmo fundo Mar.
Tomei o velho cetro e para os deuses profiro sentenças, juiz.[/vc_column_text][vc_column_text]Apresento aqui um exemplo notável de technopaignion (ou poema-figura), modalidade poética que começa a ser praticada na época helenística. Embora certas fontes indiquem Teócrito como autor, o texto é, ao que tudo indica, de Símias de Rodes, ativo no início do século III a.C. Os technopaignia gregos (um total de seis poemas) foram transmitidos por duas vias: os manuscritos da poesia bucólica e a Antologia Grega. Esta é, em grande parte, uma coletânea de epigramas, isto é, de poemas feitos para servir como inscrições (por exemplo, em pedestais e túmulos, ou acompanhando obras de arte e oferendas votivas) ou que fingem ser inscrições. Alguns filólogos, inclusive, acreditam que os technopaignia foram efetivamente concebidos para ser inscritos em objetos a cujo formato se moldavam; ou seja, aquele intitulado “Machado”, por exemplo, teria (ao menos em algum momento de sua existência) sido gravado sobre a lâmina de um machado, enquanto as “Asas” que aqui traduzimos teriam sido criadas para cobrir as asas de uma escultura de Eros alado.
A outra via de transmissão, os manuscritos bucólicos, é a dos livros medievais que conservam os poemas de Teócrito, Mosco e Bíon. A conexão desses carmina figurata com a poesia bucólica é um tanto misteriosa, pois a produção atribuída a esses três poetas não é de poesia visual, e os technopaignia não abordam os mesmos temas da poesia pastoril. A grande exceção é a “Siringe”, poema amplamente atribuído a Teócrito que imita uma flauta de Pã, divindade protetora dos pastores e dos rebanhos. Possivelmente a simples atribuição de um poema-figura a Teócrito, nome tão relevante, levou à associação de todos os demais technopaignia à obra idílica do poeta de Siracusa e ao desejo de reuni-los nos mesmos manuscritos que contêm a produção bucólica dele e de seus epígonos.
As “Asas”, contudo, na sua decidida afirmação do império do Amor, retomam a enorme importância que a temática erótica tem no bucolismo. Por outro lado, os technopaignia são obras de um vituosismo extremado, que na sua delicada artificialidade têm muito a ver com os altamente elaborados Idílios de Teócrito e com grande parte da literatura alexandrina em geral. As “Asas” são uma boa amostra desse virtuosismo: o desenho que fazem na página não é obtido por simples diferenças no número de sílabas, palavras ou letras a cada linha, mas por uma manipulação do número de pés métricos, ou seja, de unidades rítmicas, de tal forma que, embora com extensões diferentes, as linhas têm todas a mesma base musical, e a poética visual une-se a uma melopeia rigorosa. Isso se dá no grego, na primeira linha, com cinco pés coriambos (quatro sílabas: duas breves com uma longa de cada lado) seguidos de um báquio (uma breve antecedendo duas longas). Cada uma das linhas seguintes é diminuída em um coriambo, até que a sexta fica apenas com o báquio. Após a sétima, que repete um báquio isolado, da oitava em diante acrescenta-se a cada vez um coriambo, até que se atinja a mesma medida do primeiro verso. É difícil produzir o mesmo efeito em português. Mas tentei algo aproximado começando, na primeira linha, com um decassílado de acento na sexta sílaba (heroico) somado a um octossílabo com acento na quinta; o segundo verso usa o mesmo tipo de decassílabo, mas reduz a segunda parte a uma redondilha menor com acento na terceira. O terceiro verso é um dodecassílabo com acento na sexta, enquanto o quarto se reduz a um decassílabo (novamente heroico) e o quinto, a um octossílabo de acento na quarta. Finalmente, a sexta linha é verso de duas sílabas, e da sétima em diante o esquema se repete, mas na ordem inversa. Sigo o texto editado por Gow.[/vc_column_text][vc_single_image image=”3802″ img_size=”large” add_caption=”yes” alignment=”center” onclick=”link_image”][vc_column_text]* Alessandro Rolim de Moura, além de ser o tradutor que vos fala acima, é professor do departamento de Letras Clássicas da Universidade Federal do Paraná.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]