Ruído

Musica universalis

[vc_row][vc_column][vc_column_text]A música das esferas e a misteriosa vibração dos espaços infinitos são assuntos que nos acompanham desde a Antiguidade. O belo texto de Bernardo Brandão aborda esse mistério e conta um pouco da história desse pensamento.[/vc_column_text][vc_column_text]

“Plínio parece duvidar: não saberia dizer se o som de tão grande massa de incessantes rotações é alto a ponto de exceder a capacidade de nossos ouvidos, nem se, de fato, existe tal doce música de incrível beleza. Para nós, ele escreve, que vivemos dentro disso, o mundo desliza silencioso dia e noite.”

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          Lendo o magistral estudo de C. S. Lewis sobre a cosmovisão da Idade Média (The Discarded Image, 1964), chamou-me a atenção uma passagem na qual, comentando a astronomia da época, ele afirma que o universo medieval não era escuro, mas iluminado pelo Sol (cf., por exemplo, Isidoro de Sevilha, Etimologias, III, lxi), nem silencioso.

 

          Lewis tem aqui em mente a musica universalis, a harmonia das esferas. A ideia remonta à Antiguidade e, segundo os próprios antigos, a Pitágoras (séc. VI a.C.). Plínio, o velho (séc. I d.C.), na sua História Natural (II, 3), escreve que Pitágoras, utilizando a teoria musical, chamava a distância da Terra à Lua de tom, da Lua à Mercúrio de semitom, tal como a de Mercúrio a Vênus, de Vênus ao Sol de um tom e meio, do Sol à Marte de tom, de Marte à Júpiter de meio tom, de Júpiter à Saturno de meio tom e de Saturno ao Zodíaco de um tom e meio. No total, sete tons inteiros, que os pitagóricos consideravam ser a harmonia universal.

 

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          Plínio parece duvidar: não saberia dizer se o som de tão grande massa de incessantes rotações é alto a ponto de exceder a capacidade de nossos ouvidos, nem se, de fato, existe tal doce música de incrível beleza. Para nós, ele escreve, que vivemos dentro disso, o mundo desliza silencioso dia e noite.

 

          A doutrina, no entanto, fez bastante sucesso na Antiguidade tardia, aparecendo em textos de autores de tendência platônica como Nicômaco de Gerasa, Téon de Esmirna, Ptolomeu, Calcídio, Macróbio, Proclo e Boécio. Daí ela passou à Idade Média, tornando-se parte integrante da visão de mundo da época.

 

          No início da Idade Moderna, teve também grande popularidade, atraindo o interesse de nomes como Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Johannes Kepler e Athanasius Kircher, até ser deixado de lado pelo racionalismo moderno e sua nova visão de mundo, que havia passado, para usar a expressão de Koyré, de um mundo fechado a um universo infinito.

 

          É diante dessa negação da harmonia do mundo que surge o silêncio eterno dos espaços infinitos que assustava Pascal (Pensés, fr. 206 Br.) e que, em nossos dias, ainda nos assusta, nos deixando saudosos dos momentos em que, longe das luzes da cidade, diante do céu aberto, quase podemos ouvi-la.

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Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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1 Comment

  1. […] (Publicado em R. Nott Magazine, n. 21, outubro de 2015). […]

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