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Imagem: homem triste em um trem – duchamp 1911
[/vc_column_text][vc_column_text]A coluna R.You! deste mês traz dois contos de Aline Cordeiro. Bom, talvez sejam três se contarmos a sua apresentação, uma biografia envolta nesse nosso curioso mistério da existência.
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“Estou sentada sobre a cama. Estou vivendo mais um dia. Pelas minhas costas há também uma janela. Dela vem um vento, a brisa de uma quarta feira cinza.”
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Biografia – Aline Cordeiro
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E gosto disso, das circunstâncias, da realidade paralela e à esquerda do mundo. Sou terrivelmente feliz no meu inferno e escrevo enquanto os demônios me rondam por trás dos ombros dançando um tango. Vivo e escrevo ameaçada por essa simultaneidade verdadeira. Esse estar sempre um pouco mais confusa ou nesse querer ir mais ao fundo do lugar ou do poço e tudo o que encaixe-se regularmente em mais um dia de vida sem conflitos e lides e processos judiciais.
Há um bom tempo realizei uma viagem para um mundo à parte e onde quase ninguém transita. Algumas pessoas são atraídas por este mundo bizarro e estranho. Um mundo onde alguém sente prazer em isolar-se e ou que não vê problema algum em refugiar-se na companhia de um gato e dos livros.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Quando adolescente, descobri que minha ligação e paixão pela literatura era mais do que a leitura obrigatória durante as aulas, projeto implementado pela escola, chamado Círculo do Livro, era o início do que me levaria à vida ou à morte.
Assim como os exames da disciplina de Português não denotavam maiores complicações, a afinidade com a língua já me atraía de certa forma. Ao contrário da disciplina de Matemática.
Além da estranheza em perceber as transformações de meu corpo e a necessidade do isolamento, percebi ali haver um sinal anunciador de uma admiradora da arte. E a arte cresceu e transformou-se com a descoberta dos surrealistas Júlio Cortázar, André Breton e Bioy Casares. E também de outros escritores cujo estilo me agradam, como Roberto Bolaño, Sthendal e Jane Austen.
Com o passar do tempo, também descobri que cadernos podiam ter outra finalidade que não a de apenas guardar o conteúdo das disciplinas escolares, como também ensaiar frases, letras de músicas, reproduzir poemas, desenhos, textos de escritores ou simples pensamentos descobertos ao acaso, o que motivou a criação do blogue www.falsoceudegesso.blogspot.com.br.
Desde então a necessidade de escrever e desenhar me acompanha. Escrever me protege deste embate que vai além da lateralidade de minha condição. O de resistir à dissimulada deformação que o cotidiano sagaz monta em minha consciência, como a um boiadeiro sobre o lombo de sua montaria. E o outro de sempre estar afiando minhas armas para que nada nem ninguém penetre neste mundo, esse setor indefinível, reduzido a fenômenos de ordem estética e poética. A luta é insana. O jogo é obscuro. Mas tenho um manifesto no bolso e um jazz na vitrola. Rá.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”1/6″][/vc_column][vc_column width=”2/3″][vc_column_text]
Da teia que sustenta a vida
[/vc_column_text][vc_column_text]É um broto que salta dos olhos a flagrar um cisco e tudo tudo tudo que balança a aranhazinha em sua teia o vento e suas perninhas pedipaldos a dançar a dança da vida esta costura de um imenso espiral e que brilha brilha brilha em reflexo a luz sustentando gotas da chuva além de insetos. E podese ir a qualquer lugar sustentando tal fio da vida, a menos que o espiral arrebente durante o rapel pela falta de um melhor empreendimento coisa que pouco importa porque importante mesmo é estar pendente neste qualquer momento sem que seja preciso manter os pedipaldos no chão ou cair com as quelíceras estateladas, porque dói.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”1/6″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”5/6″][vc_column_text]
Quebra-cabeça
[/vc_column_text][vc_column_text]Pelas minhas costas, há um tempo lá fora, não é o meu. Quem sabe um falso céu de gesso. Por que escrevo isso? Não sei. Impulso. Estou sentada sobre a cama. Estou vivendo mais um dia. Pelas minhas costas há também uma janela. Dela vem um vento, a brisa de uma quarta feira cinza. Uma quarta feira quase de cinza. Deveria sair e pescar o indício desta melancolia. Pela janela? Pois bem, neste mesmo tempo, sonhei e vi estrelas. Como sei? Uma dorzinha chata no supercílio direito. Seria possível dormir, sonhar e mexerse tanto a ponto de bater a própria cabeça no mezanino ao lado da cama? Não há espanto algum em entrar num novo dia, um novo dia batendo a cabeça. As pessoas batem a cabeça todo dia, quebram suas cabeças e as espalham ao chão como peças incompletas. Quebra-cabeças. Há peças que encontram quem as recolha, quem as encaixe. Por vezes vai uma vida tentando encaixes. Há também quem seja cuidadoso o bastante para não pisar nelas ou quem as ignore. E não sei se bati a cabeça enquanto sonhava e a quebrei ou se dantes a quebrei e passei a sonhar. Não importa. Por certo nasci batendo a cabeça, de maneira que meu sonho, o sonho verdadeiro, situase numa área indefinida, ali entre o esquecido e a saudade, aguardando aninharse no aconchego da essência. Mas as minhas peças eu perdi nos sonhos e quem quiser encontrálas que sonhe comigo.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”1/6″][/vc_column][/vc_row]