A incapacidade do novo artista em ser nada. Juliano Samways discute a arte-produto e a hipsterização do que seria a arte contemporânea, essa forma disforme e infantilizada incapaz de adentrar os verdadeiros mistérios do Nada.
Pois bem, deixemos de lado estas questões que já beiram o limite do pedantismo e coloquemos um verdadeiro problema, uma real lacuna filosófica acerca do ser da arte: a arte dos nossos dias demonstra uma incapacidade de levar ao nada. Demonstra a épica conquista do mercado em não nos deixar esvaziar o campo de sentido de uma experiência artística.
Muita coisa já se disse acerca da relação arte-produto. Muitos vão mais longe ao descrever esta relação com uma proposição mais contundente: não existe arte para além do produto! Dizem que, desde que haja um substrato material, a obra sempre poderá ser colocada em valores de mercado. E por mais que o artista em muitas vezes não vise o lucro, a obra se torna um algo de valor, um ser do mercado. Essa visada mercadológica da arte, e também da música, parece sugar toda essência espiritual que talvez ainda lá exista. Espécie de ectoplasma artístico, o sobrenatural das grandes e pequenas obras são comercializados nos e-markets da vida online. Mais do que isso, o mercado aposta ainda em uma vasta sobrevida das mercadorias artísticas. Um tema que é resgatado pelo meio publicitário e retorna (de novo) como hit. Jogos de videogames, nuvem de músicas para ouvir e pagar, vinculações em séries de televisão, a aplicação de reutilização de uma obra possui vários desdobramentos. As pessoas continuam a se emocionar, dentro desta sobrevida de uma música. É nesta perspectiva que surge outro substrato, o virtual, que se acopla a outros substratos materiais. O mercado sempre se reinventa. A mercadoria é digitalmente eterna e sempre pronta a ser vendida,
Por isso, há muito tempo, já falamos da necessidade em que os artistas, grande e pequenos, têm encarado a apresentação ao vivo, mas notem, sempre com o valor do ingresso. A questão que em muitas vezes colocamos em nossos breves escritos é a seguinte: como ainda se comover com o sobrenatural da música? Com as novidades da arte?
Pois bem, deixemos de lado estas questões que já beiram o limite do pedantismo e coloquemos um verdadeiro problema, uma real lacuna filosófica acerca do ser da arte: a arte dos nossos dias demonstra uma incapacidade de levar ao nada. Demonstra a épica conquista do mercado em não nos deixar esvaziar o campo de sentido de uma experiência artística.
O espaço digital expandiu ainda mais essa conquista do mercado. Hipsters e suas barbinhas criam logaritmos de buscas, novas formas de streaming, juntam seu primeiro bilhão com menos de 22 anos, aprendem mandarim, e posam de artistas com seus bigodes picassos.
O mundo digital acirrou ainda mais o debate sobre a função pragmática da arte, é a lacuna, o vazio que anteriormente nos reportamos.
Acredito que o grande debate acerca desta questão arte-produto parte daí. O fundo do poço é a luz no fim do túnel.
O mercado da arte nos priva do soberano nada. O dinheiro das obras nos afastam do prazer da não compreensão, da não inteligência, do nada revigorante que pode revolucionar. O pensador Geoge Bataille falava de algo assim, do sistema capitalista como a última profanação.
Pensadores das artes visuais apontam essa tão sonhada profanação pela via do anonimato. Banksy é um de seus maiores paradigmas. Tomar os espaços urbanos, se diluir no anonymous, é uma sagrada profanação através do coletivo
.
Selvagem é o coração dos novos artistas em busca de novos templos de profanação. Sabem eles que a internet é somente o agente passivo da divulgação, sabem que a nova música é aquela que não será reaproveitada, que não será arquivada na gaveta de um sentido qualquer.
Explorador e ativista espacial que é, o novo artista apresenta seu show solo sugado por um cosmo-buraco negro, para ninguém assistir, pois lá banda larga não há.
É um incansável pela incapacidade de ser nada.