Imagem: “La jeune femme au drapeau” – fotografia de Jean-Pierre Rey, maio de 1968
É possível reconhecer posições de direita e de esquerda dentro do universo musical? É o que se pergunta Juliano Samways na coluna Ruído deste mês. Clique aqui e pense no assunto.
Podemos falar em Direita e Esquerda dentro do universo musical? Podemos traçar as ideias de conservadorismo e progresso dentro do mundo da criação artística?
Podemos falar em Direita e Esquerda dentro do universo musical? Podemos traçar as ideias de conservadorismo e progresso dentro do mundo da criação artística? Cunhou-se inicialmente o termo Direita e Esquerda no vocabulário político através dos estudos históricos e relatos da Assembleia Nacional Constituinte Francesa, que se estruturou logo após a Revolução popular daquele país na data de Maio de 1789. A Direita era representada pelos liberais girondinos, já a Esquerda pelos jacobinos que pregavam um Estado centralizador, dominado pelos menos favorecidos. Mais de dois séculos depois, este antagonismo político entre Esquerda e Direita parece ter perdido sua mística ideológica originária, parece ter sucumbido às várias teorias de desconstrução pós-modernas. Porém, deve-se ressaltar a tendência de se estabelecer uma classificação básica, abecedária até, da Direita e da Esquerda: discursos de Direita tendem a prezar muito mais pela liberdade individual e pelo conservadorismo; discursos de Esquerda clamam pela necessidade de uma maior igualdade entre as classes sociais através dos mecanismos do Estado, pregando a necessidade de um novo futuro, uma nova realidade, necessidade da mudança, necessidade de progresso. A partir destas perspectivas podemos delinear de forma geral os posicionamentos políticos, por mais que eles acabem sendo, por várias visões teóricas, impossíveis de categorizar, alguns até mesmo afirmando a inexistência de esquerdismos e direitismos.
O traçado, o deslocamento dos posicionamentos políticos, Direita conservadora e Esquerda progressista, são aqui também, a nosso ver, musicais. Dão-se pela tão desgastada palavra mudança. Muda a música através dos anos de forma relevante? De forma essencial? Músicos e músicas de Direita, em teoria, não apostam na mudança, apostam em uma tradição já estabelecida, idealizam esta tradição como o grande feito musical. A essência do estilo musical não muda para adeptos deste discurso. Talvez no máximo somente repaginem a tradição para subverter a mudança, uma pseudo-mudança, pois ela de fato não existe para eles. Tiram deste traço de imutabilidade seu maior combustível. Na música rock popular do século XX isso se evidencia. Para os músicos conservadores existem certos moldes, modelos que dão gênese a uma tradição que aqui postulamos desta forma: Elvis Presley e The Fab Four.
De forma individual (Elvis) e coletiva (Os garotos de Liverpool), são os moldes que avançam na tradição, mas avançam permanecendo na essência destes modelos: na aparência a beleza branca e europeia, nas ações as transgressões básicas de um rebelde sem causas, uma musicalidade de melodias e harmonias que se encaixam em determinadas formas populares do século XX. Surgem em nossa recente tradição cópias de mais cópias de Elvis beatlestificados, cópias e mais cópias deste estilo visual e musical. A carreira destes artistas é tão vasta e múltipla, que dentro de suas dadas obras podemos observar o blues, gospel, rockabilly, soul, psicodelia, baladas, entre outros. Tomamos aqui o exemplo do rock, mas muitos outros modelos poderiam ser citados.
Músicos de esquerda, músicos progressistas, vez em quando aparecem: são aqueles que na teoria não cumprem ou refazem este modelo que se lança tradicional no século XX e XXI, escapando deste devir branco, europeu (norte-americano), heterossexual, melodias e harmonias de fácil ajuste à audição popular. Estabelecem na música uma subversão destes modelos e estereótipos. Podemos pensar em Johnny Cash, que escapa do modelo preslystico, mais do que isso, uma espécie de mundo bizarro do Elvis. O punk rock dos Ramones, Pistols, Dead Kennedy´s, são também espécies de quebra de um modelo, subvertendo o próprio modelo. Daí as nossas primeiras conclusões:
– A Direita na música é uma forma contrária a traduções, ela aposta no original.
– A Esquerda musical aposta nas novas possíveis traduções.
– Mas tanto a Direita e Esquerda, na música, podem tornar-se populares.
Mas Elvis e os Beatles estavam operando uma verdadeira mudança? Estariam realmente estabelecendo um modelo, uma tradição, para designarmos de Direita e Esquerda? Através de suas capacidades criativas eles operam uma mudança, uma diferença de sentido em um original da música negra, gospel, blues, rockabilly.
Transformam uma minoria musical negra em maioria e neste sentido democratizam a música!
Pois o processo de democracia talvez seja nada mais do que a inclusão do valor de justiça e reconhecimento para uma classe que anteriormente era excluída. E, neste sentido, eles trazem uma voz que era minoria para uma maioria. Trazem a voz dos guetos para o mainstream.
Assim como na política, vivemos a decadência ideológica entre Direita e Esquerda. Vivemos esta decadência porque a indústria, o público, a audiência, não sabem diferenciar o que seria conservador e o que seria progresso na música. A quantidade de artistas que se lançam a cada dia, multiplicados ainda mais com o universo virtual, esvaziam os antagonismos entre Direita e Esquerda, deterioram as possíveis traduções dos modelos no meio musical.
Infinitas traduções das já-traduções destes modelos pulverizam aquilo que antigamente chamávamos de criatividade, anunciando um novo modelo de criatividade que está por vir. Um leitor crítico e atento poderia questionar: a arte está além da política! Mas em coro respondemos: estaria a arte além do conservadorismo e progressismo? Música é revolução. Por isso esperamos pela construção de novos modelos, pelo estabelecimento de uma nova Direita e Esquerda, por uma nova possibilidade do movimento da Democracia na música, esta verdadeira revolução dos sentidos.