Ruído

Música slow, motion?

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Imagem: Salvador Dalí – Apparition of Face and Fruit Dish on a Beach (1938) 

[/vc_column_text][vc_column_text]Leia devagar: existe música slow-motion? Juliano Samways discute na maior calma do mundo o processo do slow, a possibilidade contemporânea de se entregar à verdadeira contemplação da música nos nossos dias.


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“Sua verdadeira ejaculação slow é assistir um dinossauro do rock que passa por sua cidade quase metrópole em um show de eternas duas horas e quinze minutos, verdadeiro kamasutra com a arte montada no cavalo napoleônico de Hegel: o espírito de uma épica!”

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]A existência do movimento provocou, e ainda provoca, perplexidade nas mais variadas mentes e distantes culturas em toda nossa história. Tendemos ao movimento ou à imobilidade? Essa questão é também fundamental na música.

 

O pensador grego Zenão de Eleia apostava que o movimento era apenas uma bruma, uma ilusão, pois tudo era na verdade estático, e para isso lançou uma série de paradoxos. Talvez o mais conhecido, o paradoxo de Aquiles, utilizava o argumento básico de que se existem infinitos pontos em um segmento de reta, como poderemos atravessar o infinito de uma rua? Se nada se move, como explicar o fenômeno musical, que possui em essência a vibração das frequências como causa? Como atravessar a infinidade de partículas de um ruído? Zenão não imaginava, mas passados quase dois milênios e meio, suas considerações ressurgiriam. Retornam alinhavadas com uma superpovoação de conceitos orientalizados no poente do ocidente na figura dos mais variados yôga’s na superfície do yin-yang. Este congelamento das imagens, solidificação das estruturas em movimento, primazia do estático em detrimento do móvel, a troca do verbo pelo substantivo: é o manifesto do modelo slow![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]É a tentativa, segundo seu coletivo de fundadores, de uma desaceleração da dinâmica do capital, minimização da perplexidade das mercadorias e sua alta influência na velocidade de nossas ações cotidianas, e principalmente, uma nova forma de tratar nossa relação com o tempo. Criam-se várias perspectivas deste slow:

 

Slow travel é a popularização das viagens sabáticas em deslocamentos não fundamentados em um tempo a cumprir, mas sim na contemplação das paisagens, vivência pormenorizada dos lugares, residir em detalhes o espaço da viagem. Slow city é o olhar mais enraizado sobre a cidade em que se habita. Fora do complexo movimento do devir trabalho-casa. Ir caminhando ao trabalho, explorar as ciclo-faixas como veias abertas da cidade, um movimento não-movimento que ruma para uma qualidade maior da vida, desacelerando. Slow parenting é tentar gerir a formação das crianças de forma mais leve. Não criar uma série de tarefas semanais, ocupar seu tempo com diversas atividades, mas sim ficar mais tempo com elas em casa, talvez nada fazer, praticar com elas o ofício do ócio. Entrando no ambiente das artes, o Slow photography visa diminuir a necessidade de todos os movimentos serem captados pelas lentes artísticas. É colocar o celular ultra HD no bolso e voltar a fotografar com sua velha câmera de filme, olhar, pensar, contemplar muito antes de clicar. O movimento slow é um slow no movimento.

 

Poderia existir tal correlato na música? Falar-se-ia de uma tal de slow music.

 

O contexto da slow music seria um apanhado geral destes fragmentos conceituais na criação e contemplação da música: no sentido de quem cria, que produza isso com muito tempo; no sentido de quem contempla, que utilize muito tempo para isso. Para os adeptos da slow music, a produção da indústria fonográfica já teve seu auge, e agora tudo pode ser depurado com o filtro do tempo. Para quem cria, sabe da impossibilidade comercial através das falecidas gravadoras, e arquiteta sua produção com todo tempo que lhe é necessária.

 

Um manifestante do slow music prega a calma e o ritual da estaticidade para a verdadeira contemplação musical, uma audição em slow do motion da música. “Não precisamos de mais do novo!”, gritaria de forma pausada, e não rápida, pois já está comprometido com um vasto material para metabolizar. Uma apreciação tântrica dos acordes, uma pseudo-meditação nos solos de guitarra, um nirvana no cotejo asceta das notas musicais. Este militante não escuta música no celular: ele gasta horrores nos sebos e lojas de discos usados, ele bebe da fonte sonora original, parcelou sua radiola retrô em dez vezes no cartão.

 

Sua verdadeira ejaculação slow é assistir um dinossauro do rock que passa por sua cidade quase metrópole em um show de eternas duas horas e quinze minutos, verdadeiro kamasutra com a arte montada no cavalo napoleônico de Hegel: o espírito de uma épica!

 

Observa nos detalhes, nas entrelinhas e entre-notas da dialética ruído-silêncio, o universal e infinito de cada grande artista, e ali vaga neste slow do tempo, uma crítica slow da música. Para os adeptos da slow music que são mais progressistas, a contemplação não fica apenas no passado, mas é da mesma forma ritualizada na sacralidade slow do tempo. Porém, conservadores e progressistas comungam a técnica de retornar ao puro no congelamento dos instantes, geleira do escutar. Sabem que a música sempre será movimento, mas a velocidade deste movimento é dada pela mecânica de que escuta.

 

Zenão curtia a vida slow, desacelerava até a verdade visceral do imóvel. Se o atento e investigativo leitor for buscar o verbete <slow music> no wikipedia e banco de dados afins, não achará nada. A música slow é um conceito que só existe na cabeça deste autor, que através do tempo depura desacelerando suas motions sonoras. Afinal vivemos todos perdidos em nossos próprios paradoxos slow motion.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Juliano Samways
Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

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