Visuais

Crítica de cinema: uma entrevista com Sérgio Alpendre

[vc_row][vc_column][vc_column_text]

“Quando escrevi textos negativos sobre um punhado de filmes ou sobre algum filme específico, fui saco de pancada nas redes sociais. Mas muitos, em número que me surpreendeu, vinham me parabenizar pela coragem em privado (raros o fizeram em público). Por que em privado? E por que coragem?”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Rodrigo Freitas retorna à R.Nott para falar um pouco mais de cinema. Confira abaixo a entrevista com o crítico Sérgio Alpendre, onde o assunto é a própria crítica de cinema e arte no Brasil dos dias atuais.[/vc_column_text][vc_empty_space][vc_column_text]

  • Olá Sérgio, primeiramente gostaríamos de agradecer sua disponibilidade em colaborar com a revista nos dando esta entrevista. Você é um pesquisador do cinema e possui larga experiência na crítica, circulando entre os mais importantes periódicos do assunto. Como você vê o papel da crítica de cinema no Brasil nos dias de hoje? Sabemos que ela já não passa nem perto de ser aquela crítica dos anos 60 ou 70, mas como você a vê e, em sua opinião, a que devemos a sua sobrevivência?

 

Vejo, hoje, como um trabalho de amadores, mais do que qualquer coisa. Amadores no bom sentido. Não existe mais crítico profissional. O crítico pode buscar outros caminhos como o jornalismo ou a academia, mas não é nesses espaços que ele vai fazer crítica. Não entendo um acadêmico ou um jornalista como críticos. E me sinto bem livre para dizer isso, porque sou os dois (ou os três, visto que ainda faço crítica, amadoristicamente, na Interlúdio).

Sua sobrevivência eu credito à possibilidade de se escrever textos em blogs ou sites ou outros espaços. Se houver canais para que a crítica amadora sobreviva, ela sobreviverá. Paixão pelo cinema nunca morre. E novas gerações surgem com novos apaixonados.

 

 

  • Se olharmos para a história do cinema nacional, vemos com clareza a transformação com o passar do tempo, tanto sobre o fazer-cinematográfico quanto sobre a escrita e a publicação da crítica, a prática cineclubista, os suportes de exibição fílmica, e o consumo dessas obras. Você acredita que fomentar o ressurgimento de cineclubes e circuitos independentes de exibição no país possa alavancar, quantitativa e qualitativamente, a crítica?

 

Penso que sim. É o tipo de espaço de que falava na resposta anterior. Cineclubes acompanhados de debates e de textos críticos são um catalizador importante para que os críticos melhorem com a prática.

 

 

  • Por que a crítica está se tornando, cada vez mais, notas de rodapé nos jornais e revistas? Há alguma posição comum dos críticos nos dias de hoje frente a esse desaparecimento da crítica, sua liberdade de pauta e abordagem, nos veículos tradicionais? Ou o pessoal tem se mantido silencioso frente a isso?

 

 Creio que haja um sentimento geral dos críticos de que é inevitável esse sumiço, uma vez que o pensamento propriamente dito perdeu muito espaço nos veículos tradicionais. Com a internet, o jornalismo impresso, por exemplo, deveria se fortalecer no pensamento, nos articulistas, na opinião. Mas o que acontece é o contrário. Por receio de perder leitores, os jornais tendem a se limitar a acompanhar a internet, dando um pouco mais de reflexão sobre os fatos, mas de maneira insuficiente porque não há espaço. Na internet, o furo. Nos jornais e revistas, as reportagens de maior fôlego. Nas artes isso está ainda mais longe de acontecer. Cinema continua sendo visto como entretenimento, e nós somos guias do que o público deve escolher para ver no fim de semana.

 

 

  • Você sabe dizer se esse fenômeno é global ou local?

 

Acredito que é global. Mas afeta menos países em que o jornalismo sempre foi forte no pensamento (Inglaterra, França e EUA, por exemplo.

 

 

  • Há uma crítica que não só não apedreja os filmes nacionais, como se fosse uma heresia fazê-lo, como enaltece tudo que é produzido e celebrado nos festivais. Qual a sua visão sobre a subserviência da crítica ao mercado e ao ego de jovens realizadores? Será que carecemos tanto de heróis que cultuamos filmes e cineastas sem passá-los por um crivo minucioso?

 

Esse, a meu ver, é o maior problema. Ou um dos maiores. Muitos têm receio de falar mal de filmes brasileiros, o que é péssimo para o cinema brasileiro. Já conversei com vários diretores que dizem sentir falta de críticas mais diretas, sem muitos desvios (como se o crítico estivesse pedindo desculpas por problematizar um filme). Quando escrevi textos negativos sobre um punhado de filmes ou sobre algum filme específico, fui saco de pancada nas redes sociais. Mas muitos, em número que me surpreendeu, vinham me parabenizar pela coragem em privado (raros o fizeram em público). Por que em privado? E por que coragem? Entendo assim que há um receio de parte dos críticos. Quando detestam um filme brasileiro, silenciam. Quando precisam escrever profissionalmente, suavizam a crítica. Acho isso um erro. Procuro ser fiel ao que senti vendo o filme, por respeito ao diretor, ao leitor e a todos os envolvidos.

Em todas as épocas o número de filmes ruins é maior do que o número de filmes bons. Se hoje a impressão é a de ter mais filmes bons do que ruins nos anos 30, 40, 50, ou 60 é porque a crítica fez um trabalho competente no passado, levando para a vala o que não merecia a posteridade. Parece duro dizer isso, mas é o que acontece com a arte, não só com o cinema. Mas no cinema tende a haver uma condescendência, os filmes são tratados como coitadinhos, todos dignos de atenção, o que é uma bobagem. Claro que nesse trabalho existem injustiças, que a própria crítica trata de reparar (e às vezes não consegue). O que acontece hoje é que criou-se um cânone todo equivocado e formado por filmes medíocres como os de Alejandro Iñarritu ou Xavier Dolan. Basta ver as listas de melhores de todos os tempos. As escolhas mais recentes são sempre mais equivocadas em sua maioria. Isso porque a crítica se pulverizou, mas também porque os parâmetros formais foram praticamente abandonados, enquanto deveriam estar sempre presentes.

 

 

  • Em uma lista publicada na Revista Paisà, na qual você foi editor, foi divulgado o seu top list de filmes nacionais conforme a relação abaixo. Hoje, cerca de 8 anos depois, você mudaria essa lista? Quais filmes seriam trocados por outros contemporâneos e quais entrariam?

 

  1. São Paulo S/A
  2. Limite
  3. Sem Essa Aranha
  4. Bang Bang
  5. Terra em Transe
  6. Meu Nome é Tonho
  7. O Império do Desejo
  8. A Hora e a Vez de Augusto Matraga
  9. Rio Zona Norte
  10. A Agonia, de Júlio Bressane
  11. Ganga Bruta
  12. A Mulher de Todos
  13. O Vampiro da Cinemateca, de Jairo Ferreira
  14. Deus e o Diabo na Terra do Sol
  15. Muito Prazer
  16. Amor, Palavra Prostituta
  17. Serras da Desordem
  18. O Signo do Caos
  19. O Despertar da Besta
  20. São Bernardo

 

Mudaria pouca coisa. Acho que só as posições de alguns filmes. Sem Essa Aranha, por exemplo, foi meu primeiro na recente lista da Abraccine. Isso (de não mudar nenhum filme) é raro de acontecer. Precisava arrumar um lugar para A Ostra e o Vento, talvez para O Viajante. Mas o que tirar? Não sei.

 

 

  • Atualmente você escreve para o seu Blog sergioalpendre.com e edita a Revista Interlúdio. O que te dá mais trabalho e prazer? Editar ou redigir as críticas? Continua publicando seus textos em outros jornais e revistas?

 

Escrevo para a Folha de S. Paulo também, desde 2008. É um trabalho que muito me orgulha. Mais jornalismo do que crítica, apesar de conter algo de crítica (pelo menos na minha intenção). E para revistas acadêmicas, porque faço doutorado em cinema. Produção é uma exigência na academia.

Não tenho muito tempo de editar propriamente a Interlúdio. Meu trabalho se resume a revisar os textos, e mesmo assim passam erros (nos meus textos também). Resume-se também a propor e ajeitar pautas, embora muitas vezes essa seja uma tarefa de todos na redação.

Sei que sou um bom editor porque na única vez que trabalhei como editor remunerado, pagando também os redatores, fiz um ótimo trabalho. Foi na Programadora Brasil. Editei dois catálogos para mostras também, mas a burocracia era tanta que não sobrava tempo para editar de fato. Ainda assim, acho que o trabalho foi bom, os textos publicados ficaram de alto nível.

No blog a regra é simples: laboratório de ideias, sem perder muito tempo. É mais para praticar a escrita rápida, a resposta rápida a filmes que vi ou acontecimentos do mundo cinematográfico.

 

 

  • Bem, agradecemos pela colaboração e esperamos continuar lendo suas críticas. Abraço e até a próxima!

 

 

***

 

 

Sérgio Alpendre é crítico de cinema, pesquisador e professor, mestre pela ECA-USP, e atualmente é doutorando em comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. Colaborador da Folha de São Paulo e professor na Escola de Cinema e Artes Inspiratorium, foi redator na Contracampo, editor da revista impressa Paisà, colaborou com a Bravo e a Movie, e, atualmente edita a Interlúdio. Foi curador da Retrospectiva do cinema paulista (2009) e da mostra Tarkovsky e seus herdeiros (2010), no CCBB.

 

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Rodrigo Freitas
Historiador, professor e artista, tem publicações e pesquisas na área do audiovisual. Se volta ao estudo das relações humanas e da arte como manifestação. Tem particular interesse no cinema do Leste Europeu e já dirigiu alguns filmes de categorias e metragens diversas. Integrou o Núcleo de Crítica de Cinema.

You may also like

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

More in Visuais