Visuais

A paixão de JL

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“Carlos Nader nos mostra como a ausência pode ser a chave para novos descobrimentos linguísticos, estéticos e narrativos.”

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          O filme de Carlos Nader, intitulado A paixão de JL, documentário atualmente em exibição, mostra novamente o método de construção de vanguarda deste diretor em perspectivas documentais com pontos de vista e enfoque sempre diferenciados. Neste filme específico, vemos como a dificuldade (e ao mesmo tempo, pluralidade volumosa) de conteúdo disponibilizado ao diretor fez emergir uma nova forma audiovisual, possibilitada através da escassez de formas visuais que tenham relação direta com o tema, o próprio artista JL, por exemplo, visto que o filme trata de suas relações homoafetivas e a dor da não-realização, do não-encontro e do não-pertencimento a um parceiro, suas irrealizações amorosas e a co-existência com o vírus degenerativo da AIDS.

 

          Inexistem imagens do retratado, o que difere por si só convencionalmente da forma documental mais comum, mas há apenas uma quantidade imensa de fitas de áudio, gravadas diariamente, como registros afetivos, emocionais, profissionais, enfim, muito pessoais e profundos do artista JL, que, em um determinado momento, tomou uso de um gravador e começou a relatar suas experiências, construindo um diário sonoro de seus pensamentos, inicialmente voltados a auxiliar no processo criativo, e posteriormente ampliado para toda e qualquer experiência cotidiana, tomando um caráter muito subjetivo, que por sinal, ao ser ouvido, nos aproxima do seu locutor, dado sua condição humana estar ali tão expressa.

 

          Carlos Nader consegue trazer esta empatia a nós espectadores ao construir um filme fundamentado estruturalmente sobre um material extenso de gravações sonoras, que inexistem enquanto imagens, mas que, por estar parcialmente em uma dimensão documental, visto tamanha pessoalidade, sua construção pelo próprio individuo retratado, e não por outrem, e pela ausência de formas visuais inerentes ao próprio registro, algo tão comum à nossa sociedade, muito mais visual do que sonora em toda sua percepção de si e do outro, potencializa a dimensão pessoal, poética e sensorial do filme.

 

          Como forma de ilustrar o áudio, lança mão de legendas animadas em meio à imagens extraídas de diversas fontes. Utiliza material da televisão alemã sobre a quada do muro de Berlin, da Rede Globo sobre o governo Collor e imagens da guerra do Golfo, como forma de contextualizar a produção de obras e a experiência pessoal retratada nos áudio-diários do artista JL. Utiliza imagens de clipes musicais, telenovelas e filmes de ficção científica, todas já produzidas mas que, devido ao uso que o diretor construiu na montagem, carrega um novo sentido. Como tratam-se de imagens já muito visualizadas, obviamente trazem para o filme uma bagagem visual e semiótica já construída em décadas de transmissão, mas que ao serem mescladas ao retratao de JL, ganham novo sentido e se potencializam enquanto ilustração da condição humana daquele artista em um momento de sua vida.

 

          Desta forma, Carlos Nader nos mostra como a ausência pode ser a chave para novos descobrimentos linguísticos, estéticos e narrativos. A existência maçica de material sonoro e a falta de imagens que a sustentem para a realização de um filme fez com que o diretor utilizasse imagens citadas pelo artista JL em suas gravações, mas fez também com que a equipe de produção do filme encontrasse imagens que contextualizasse o tema, sobretudo quando sendo tão enfático sobre o vírus da AIDS e o temor que isto causava na sociedade brasileira na primeira metade dos anos 90. Imagens que, teoricamente, em nada se relacionam com o depoimento gravado, também quando bem utilizadas, trazem um sentido transcedental para a obra, como quando ouvimos JL com uma voz abatida, sua última gravação quando fala sobre viagem e morte, e vemos imagens do fundo do mar, mescladas a outras laboratoriais de células, as quais ao serem somadas, compõem a tecitura agonizante do retratado naquele momento de sua vida, elevando o filme à sensorialidade latente do audiovisual experimental.

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Rodrigo I. Freitas

taran.arte@gmail.com

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Rodrigo Freitas
Historiador, professor e artista, tem publicações e pesquisas na área do audiovisual. Se volta ao estudo das relações humanas e da arte como manifestação. Tem particular interesse no cinema do Leste Europeu e já dirigiu alguns filmes de categorias e metragens diversas. Integrou o Núcleo de Crítica de Cinema.

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