Ruído

O clássico como o sim do som

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John Gellman – San Diego (1975)

[/vc_column_text][vc_column_text]O que torna uma música um “clássico”? Perseguindo uma pergunta aparentemente tão simples, Juliano Samways se embrenha no conceito dessa rotulação – tão metafísica quanto simbólica – da qual lançamos mão diariamente.


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“Mas a questão que nos intriga aqui é mais simples e rotineira: qual é a causa de chamarmos uma música de clássico? O que a torna um clássico?”

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Vez ou outra nos perguntamos o que faz uma música tornar-se um clássico. O emprego da alcunha “clássico” remete a um logarítmico campo de denominações, que podem derivar tanto do adjetivo clássico, como referência à Grécia Antiga, a uma qualidade civilizatória avançada daquele povo, bem como uma reutilização do nome dado ao suposto período clássico da música, o bombástico período entre os séculos XVI a XIX, mas que é uma faixa de tempo que não gera consenso para os estudiosos da musicologia. Seriam essas as origens mais elementares do termo cotidianamente utilizado.

 

Mas a questão que nos intriga aqui é mais simples e rotineira: qual é a causa de chamarmos uma música de clássico? O que a torna um clássico? É esta uma grande questão cuja resposta talvez seja improvável, mas não impossível.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O pressuposto para aceitarmos essa determinação de clássico parte de algo ainda mais simples e trivial. Ora, se admitimos a existência de clássicos, admitimos também de que existem “não clássicos”. Existem então dois movimentos distintos, do é e do não é, do ser ou não ser clássico. É por essa diferenciação básica que elegemos algo pelo sim ou pelo não, e que grande parte do pensamento filosófico ocidental briga acerca deste primeiro momento: se veio primeiramente uma afirmação ou uma negação. Quando tratamos de música, parece ser elementar que o clássico (sim) surge antes do (não) clássico. Essa elementaridade para muitos não é tão evidente. Porém, se imaginarmos um possível estado de natureza, num ambiente pré-histórico, onde a humanidade estaria se formando, o primeiro homo sapiens que desenvolveu um batuque teria criado um sim primordial. Toda a comunidade nômade dançou.

 

E dançou por várias e várias gerações. Incorporou ao batuque pequenos gritos, talvez breves palavras, com o tempo frases inteiras. Já aquele outro homo sapiens (outra tribo?), que não batucou direito e não comoveu seu povoado, estaria (não) trazendo um novo som, não desenvolvendo uma nova música, não promoveu um novo clássico.

 

Pelo mesmo argumento desta diferenciação colhemos o momento inferior ao “não clássico” que é exatamente o sim primígeno. Este sim inicial é a criação de algo clássico exatamente pelo seu aspecto genético, renovador, iniciático. É a repetição o elo deste sim original, suas reedições, suas releituras, ecos desta afirmação primeira.

 

O clássico não é então uma quimera, ele é algo alcançável, pois está em cada repetição, desde sua primeira entonação. É o clássico aquilo que ecoa autonomamente, é a repetição que a história das negações não pode apagar! É o triunfo do sim pelo não.

 

Fazendo um paralelo com a História da Filosofia, interessante é lembrar o caso da obra de Aristóteles, cujos originais se perderam em dado momento da história, e só se conhecia este filósofo pelos ecos e repetições de outros autores que citavam partes, explicações, referindo-se sempre aos tratados aristotélicos. A música de Aristóteles nunca deixou de tocar, seu batuque continuou a ressoar. É de pasmar o fato de que mesmo sem o original de suas linhas, tenha Aristóteles se tornado um clássico pelas fofocas, glosas, bate-papos profundos, longas conversas e meditações, burburinhos acerca de sua obra.

 

Um clássico é aquilo que esgota a tentativa de qualquer engavetamento classificatório, pois ele é a própria gaveta que aconchega repetições de si mesmo, e por isso, talvez, ele seja transcendente a todas as camadas sociais, culturais, intelectuais, pois é o sim do som em vários segmentos. O clássico fala a língua imediata da raça humana, balbucia ruídos familiares aos ouvidos de todos, repete-se em cada roda de conversa. Autonomamente o clássico reedita sua essência, ultrapassando as barreiras do não.

 

Aquilo que carimba uma música de “clássico” é a própria repetição da carimbada, carimbo sobre carimbo, classificação sobre classificação, é a retumbante afirmação de um sim primordial que está no âmbito de toda uma cadeia produtiva da própria produção.

 

No embate do “sim” pelo “não”, da aceitação pela refutação, no universo da música, elegemos uma palavra para vangloriar o nome do vitorioso: o clássico.

 

Pergunta de um leitor crítico e atento: e se o não fosse anterior ao sim?

 

Deixaremos esta possibilidade para um próximo ruído.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Juliano Samways
Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

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