InterrogatórioPor aí

Interrogando George Alfa

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Imagem: Pedra Asteca do Sol exibida no Museu Nacional de Antropologia – Cidade do México. Foto © Mauricio Marat, INAH

[/vc_column_text][vc_column_text]Em 1960, um interrogatório com George Alfa, pseudônimo de um dos maiores traficantes de arte pré-colombiana. Uma aula fascinante e bastante curiosa sobre o mercado ilícito e o tráfico internacional de obras de arte.


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“Uns poucos meses depois vi Alfa novamente, e dessa vez ele me mostrou o seu apartamento, levando-me até um quarto interior em que todo canto parecia ter um jugo pré-colombiano esculpido, um ídolo funerário ou um pote incrivelmente pintado.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]“Primeiro, uma digressão pessoal. Minha investigação sobre o mercado ilícito começou com uma reunião casual, em abril de 1960, com um traficante que chamarei aqui de George Alfa. Ele opera de dentro de casa e vende apenas obras de suprema qualidade. Tal como muitos traficantes, é um homem agradável, poliglota e despreocupado com a ética de sua profissão. Um amigo nos reuniu para um almoço. Alfa não demonstrou nenhum tipo de relutância em falar sobre o seu ofício, e eu, encorajado por causa disso, perguntei se ele estava preocupado com a Convenção da UNESCO que estava sendo proposta por essa época, e que, em teoria, tornaria ilegal o contrabando de arte. Me olhou como se a minha inocência o causasse pena. ‘O que significa procedência?’, disse. ‘Não significa nada. Tenho uma adega na Europa (mencionou a cidade) e conservo muitas coisas ali. Se por acaso ratificam essa Convenção da UNESCO, e aí? Conheço vários condes indigentes aos quais encantaria, por um preço, jurar que qualquer peça minha foi parte da coleção de sua família durante séculos. Eu trago minhas coisas da Europa, e quem vai negar? O tratado não acabará com o comércio, apenas trará mais problemas.’[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Falamos sobre o problema da destruição de sítios arqueológicos. Alfa não se preocupou de maneira nenhuma. ‘Deixa eu te dizer’, expressou, ‘que eu cuido melhor do meu material do que os arqueólogos; os arqueólogos são, certamente, os piores saqueadores. Você deveria ver como trabalham os meus homens, tudo é feito com cuidado, e se não acredita eu te levarei comigo pra que veja você mesmo. O que eu estou fazendo está salvando a arte, salvando das selvas e da ignorância dos arqueólogos.’

 

 

Uns poucos meses depois vi Alfa novamente, e dessa vez ele me mostrou o seu apartamento, levando-me até um quarto interior em que todo canto parecia ter um jugo pré-colombiano esculpido, um ídolo funerário ou um pote incrivelmente pintado. Em nosso papo, surgiu o nome de um proeminente funcionário de um museu. Alfa disse que queria me mostrar algo, e tirou do seu arquivo um documento com um impressionante papel timbrado, e me convidou a lê-lo. Era o recibo de venda de uma peça pré-colombiana, que terminava com a interessante anotação de que uma das condições da venda era de que não se divulgaria nem o nome do traficante, nem o preço. ‘Veja a data’, disse Alfa. ‘Era a mesma semana em que o nosso amigo estava pronunciando um discurso manifestando que seu museu nunca compraria arte contrabandeada.’

 

Durante a mesma reunião, Alfa fez uma observação que me impressionou fortemente. Perguntei a ele se não preferia um mercado de antiguidades completamente legal, aberto, de maneira tal que pudesse trabalhar tão honrosamente quanto um gerente de banco. Pensou um momento, me olhou intensamente e respondeu: ‘Não se deve esquecer de uma coisa. Sou um pirata. Gosto de sê-lo. Gosto do momento no aeroporto quando veem o meu passaporte [tem vários] e observam a minha bolsa de mão, porque sempre levo as melhores peças comigo, no avião. Sabe, não me agrada X [nomeou a um traficante mais conhecido na atividade], mas o respeito. Se parece comigo, não confiará a um mensageiro uma peça que seja realmente de qualidade primeira. Ele mesmo a leva. Numa ocasião nos encontramos no mesmo aeroporto, cada um com a sua bolsa nas mãos, e fingimos que não nos conhecíamos.’

 

Essa conversação me persuadiu de que uma investigação sobre o mercado ilícito poderia ser útil, com toda a certeza resultaria interessante, e possivelmente nos diria algo sobre o comportamento humano. Durante o ano seguinte fiz três viagens ao México, e no curso dessas viagens escutei muitas histórias estranhas, e uma das mais estranhas se tratava de uma notável máscara maia.”[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”1/2″][vc_column_text]


[/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”1/2″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]MEYER, Karl E. El saque del pasado: historia del tráfico internacional ilegal de obras de arte. Traducción de Roberto Ramón Reyes Mazzoni. México, Fondo de cultura económica, 1990, pp. 32-33.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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