Literatura

Os Gregos não tinham uma palavra para isso

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“O que nós (e há questões aqui a respeito de quem somos ‘nós’) incluímos sob o termo ‘homossexualidade’ pode ser completamente diferente do que era incluído há apenas dez anos atrás. E isso se aplica também à heterossexualidade: as expectativas mudam.”

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         Homossexualidade, heterossexualidade, identidade, gênero, violência e hierarquia. Esses são termos que convivem dentro do nosso atual vocabulário de debate social. São assuntos que até há pouco tempo não discutíamos, pelo menos não abertamente, e eles não tomavam parte em discussões políticas e decisões de estado. Esse cenário vem mudando gradativamente, na direção uma mudança que eu não chamaria necessariamente de evolutiva, mas simplesmente de social.

 

         Quando pensamos em questões sociais e sexuais a respeito do mundo antigo, tendemos a assumir uma série de preconceitos e estereótipos não necessariamente verdadeiros, esquecendo que a história é um percurso em constante mudança, tal como vemos acontecer em nossos dias.

 

         Por isso, na coluna de Literatura deste mês, eu trago o texto intitulado ‘The Greeks didn’t have a word for it’, escrito por Helen King e publicado no blog Shared Conversations, e traduzido por mim. O link para a matéria está disponível no final da página.

 

         Espero que, com essa reflexão, possamos derrubar alguns conceitos-concretos levantados em torno da sexualidade dos antigos gregos, e também da nossa própria, coisa que penamos tanto em entender.

 

Vinicius F. Barth

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          Pode-se encontrar muitas afirmações sobre os antigos gregos, os romanos, e a sexualidade em websites cristãos, e elas dão a impressão de que há uma aura de absoluta certeza nesses comentários. Por exemplo, sobre os gregos ‘tolerando a homossexualidade’, tratando do assunto como se fosse uma ‘coisa’ historicamente consistente. Mas o fato é que ainda há muito debate na comunidade científica de onde se originam os argumentos que viajam pela web. Participei no começo dessa semana, por causa do trabalho, do evento de lançamento da reedição de um dos livros mais influentes dos meus dias de estudante: A homossexualidade na Grécia Antiga, de Sir Kenneth Dover, publicado pela primeira vez em 1978. A capa da reedição, mostrada aqui, usa a mesma imagem que a edição original, de Ganimedes com um aro (e um galo¹ – sim – um presente de Zeus), mas com um zoom maior; o aro convida o espectador a olhar para a genitália do garoto, coberta, convenientemente, pela letra ‘O’ nessa nova edição. Isso, por si só, já seria um comentário interessante a respeito do que podemos, ou não, ‘ver’ no passado.

 

          A respeito dos gregos terem ou não ‘uma palavra para isso’, eles tinham muitas palavras para quaisquer ‘issos’ que tenhamos em mente. Por exemplo, o significado do verbo laikazein foi desvendado apenas em 1980, quando Harry Jocelyn publicou uma discussão teórica em Proceedings of the Cambridge Philological Society²; em resposta a isso, na reimpressão de A homossexualidade na Grécia Antiga lançada em 1989, Dover corrigiu devidamente a sua tradução que trazia antes ‘ter relação sexual’ para ‘realizar a felação’³. Isso parecer fazer diferença. Mas mesmo lá atrás, em 1978, o próprio Dover notou que não há substantivos no grego antigo para ‘heterossexualidade’ e nem para ‘homossexualidade’.

 

 

já que eles presumiam que (a) virtualmente todos respondiam, em horas diferentes, tanto para estímulos homossexuais quanto heterossexuais, e (b) virtualmente nenhum homem penetrava outros homens e se submetia à penetração de outros homens na mesma fase de sua vida.

 

 

          Como demonstraram outros teóricos, o primeiro registro da palavra ‘homosexuality’ no inglês é apenas de 1869.

 

 

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          Dover fez uma distinção entre ‘comportamento episódico em nível superficial’ (normal na antiga Atenas) e ‘orientação fundamental da personalidade’ (o que hoje em dia chamamos de ‘homossexual’). Há aí uma divisão interessante entre ações/orientações que hoje em dia acabam em discussões sobre o que é e o que não é permitido ao clérigo da Igreja Inglesa. O livro de Dover está focado no sistema convencionado em Atenas em que um homem mais velho atua como um erastes para um jovem, seu eromenos, num relacionamento onde o homem corteja o garoto com presentes até que ele se renda. Quando o garoto começava a desenvolver algum pelo facial, ou barba, ele era deixado de lado, porque o relacionamento deveria ser temporário. O garoto seguiria então o seu rumo para se tornar ele mesmo um erastes, e também para casar-se com uma mulher. Dover compara esse modelo de comportamento masculino, incluindo o que talvez chamássemos de ‘cortejo’ ou ‘namoro’, com a ‘busca heterossexual na sociedade britânica nos anos 1930’. Algumas mensagens familiares a nós se aplicariam aqui: um homem ateniense diria ao seu filho de quatorze anos para evitar homens estranhos na rua, mas ficaria contente caso o seu filho de vinte “pegasse” o vizinho de quatorze.

 

          Na minha cabeça, há um efeito lamentável em ser esse o aspecto da sexualidade do homem grego sobre o qual os sites cristãos tendem a convergir: isso leva a uma elisão entre a homossexualidade e a pederastia que hoje não é apropriada.

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¹ Em inglês: cock, o que é significativo. (n.t.)

 

² Em português: ‘Procedimentos da Sociedade Filológica de Cambridge’.

 

³ Em inglês: to fellate.

 

⁴ Em inglês: sidekick. Evitei usar aqui a palavra parceiro para não cairmos numa conotação sexual. Eu adicionaria o par Batman e Robin aqui, sendo Robin o sidekick, o sócio. (n.t.)

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Tradução: Vinicius F. Barth do artigo original ‘The Greeks didn’t had a word for it’, de Helen King, publicado em:

https://sharedconversations.wordpress.com/2016/06/03/the-greeks-didnt-have-a-word-for-it/

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Vinicius F. Barth
Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Tradutor das Argonáuticas de Apolônio de Rodes. Escritor e ilustrador. Autor do livro de contos 'Razões do agir de um bicho humano', (Confraria do Vento, 2015) e do livro de poemas e ilustrações '92 Receitas Para o Mesmo Molho Vinagrete' (Contravento Editorial, 2019). Ilustrador de Pripyat (Contravento Editorial, 2019). Estudante de saxofone.

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1 Comment

  1. Bizarro!!!

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