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A sordidez do conteúdo desses dias maquinais

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capa: Brassaï – série de Graffitis (1933-44)

[/vc_column_text][vc_column_text]A grande poesia de Renan Porto, natural de Jequié, Bahia, aterrissa na R.Nott. Fizemos uma seleção de cinco textos, acompanhados de uma bela introdução, exclusiva e fundamental.


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“Todo mundo tem direito de não amar quem lhe ama

e sem dolo e maltrato lhe causar o sofrer.”

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][vc_column_text]Alugar o corpo para um poema. Pagar o aluguel do próprio corpo com um poema. O poema como um outro regime corporal. Um outro corpo. Não um outro ‘eu’, mas um outro. Escrever poemas como se arranca costelas para germinar o pecado no mundo. Não o pecado, mas a possibilidade de conhecer o inviolável e possibilitar mil outras experiências. Os riscos da novidade ou uma monotonia eterna. O estrago feito pelo poema me tirou de um paraíso, paradeiro, paralisia. Não havia mais mundo, mas outros mundos se recompondo e se destruindo a todo momento. Se eu tivesse me rendido àquela alegria original da brisa suave de um poema, nunca teria escrito mais do que marcas de morte fantasiada de vida. Os poemas produzem oxigênio e é possível respirar com eles. É possível mastigá-los. É possível responder as acusações com poemas e assim não respondê-las. “Meu corpo”, Artaud, “meu corpo”, a questão que se coloca, “no meu corpo não se toca nunca”, para acabar com o julgamento de Deus. E é preciso destruir-se como ‘eu’ para realmente encontrar a solidão. A possibilidade. A possibilidade. A possibilidade. Os possíveis. Os possíveis. Os pus os pus os pus & foi isso a poesia. Não foi nunca. Nunca houve. Eu escrevi trezentos poemas. Eu apaguei muitos. Eu apaguei. Eu apaguei eu e e e à cada poema. Escrevi esse texto em torno de outubro de 2015: O texto do fim do texto: A escrita diante do espelho. A escrita contra si. Um perspectivismo e um multinaturalismo de si. São os mundos que são outros e não as formas de significa-los, como na metafísica canibal de Eduardo Viveiros de Castro. Foi naquele ano foi o ano que li quase tudo de Waly Salomão ouvindo Jards Macalé. Foi o ano que conheci o Pércio e conhecer o Pércio foi como ter um encontro com Cristo. A poesia tirou a religião de mim para que eu pudesse encontrar a fé. Foi o ano que fiz minhas primeiras aventuras no Rio de Janeiro. Agora eu moro no Rio de Janeiro e parece que This must be the place: home is where i want to be. Em 2015 eu ainda estava em Uberaba. Não suportava mais a faculdade e só queria terminar logo aquilo e vazar. Cada poema que eu escrevia era uma forma de dar essa vazão. Em 2015 eu desisti de publicar um livro e apaguei mais de 80% de tudo que havia escrito. Foi com o Pércio que conheci Artaud, Lautreamont, Herberto Helder. Citação: Poemacto IV, de Herberto Helder. Eu já era apaixonado por Fernando Pessoa. O poema ‘Tabacaria’ do Álvaro de Campos foi um dos maiores rasgos de 2013. Uma outra vida começou ali & era escabroso. Não houve coisa melhor do que se permitir algumas doses de caos & foi horrível & foi maravilhoso. Em 2015 eu conheci o Nícollas Ranieri. O Nícollas foi uma escola sem paredes. Não havia quadro negro. Por mais que fosse negra a nuvem que já cobria o céu. Parecia que eu só tinha a poesia contra o mundo, mas tive o Nícollas também. E aqueles terzinhos quando aconteciam me permitiam continuar quebrando mato. Dentre os rasgos de junho de 2013, eu já lia os textos do Bruno Cava e foi também em 2015 que o conheci na minha primeira viagem ao Rio. A poesia sempre foi um exercício de exploração nas bordas do pensamento. A dobra. Cadê a dobra? Caía-se em outro lugar. Na minha primeira semana morando no Rio fui nas primeiras aulas dos cursos do Bruno sobre os Mil Platôs de Deleuze e Guattari e sobre Henri Bergson e Deleuze. Eu consegui respirar ali. Era possível dar risada. Eu odeio o fato de que a edição brasileira dos Mil Platôs é dividida em 5 volumes. No volume 2 li sobre as máquinas de enunciação que provocam as transformações incorpóreas das coisas do mundo. Não era sobre o mundo que se escrevia. A poesia cria seus outros mundos deste mundo. Se é que se pode falar de “este”. Se é que se pode falar. A poesia foi então a possibilidade de continuar falando e de poder dizer algo e acreditar que algo realmente estava sendo dito; de que havia um dizer que era já um dito. Mil ainda é um número muito pequeno. Eu quero poder pensar números tão grandes quanto pensou Srinivasa Ramanujan. Os cálculos dele são usados para analisar o comportamento dos buracos negros. A poesia produz buracos negros. Especula possíveis conexões com outros espaços-tempos. “Poesia: procura de um agora e um aqui”, Octavio Paz, O arco e a lira. É aqui e agora que eu posso estar em outro tempo e em outro lugar. Foi abismante quando soube que Pasolini era realista. Não sabia que a realidade podia tanto. A poesia como prática de tensionar os limites. O limite a lide do possível. Em 2016, quando tantos mundos acabaram para tanta gente, inclusive para mim, aprendi a acreditar de novo. E é preciso acreditar nas coisas para vivê-las. Neste sentido, o milagre é possível. Me interessam agora os textos que conseguem multiplicar os pães e transformar água em vinho. Tornar a vida possível. Resistir contra os tribunais da má consciência e suas crateras de ressentimento.

 

Renan Porto, 11/03/17[/vc_column_text][vc_empty_space height=”62px”][vc_text_separator title=”♦♦♦”][vc_empty_space height=”62px”][vc_row_inner][vc_column_inner][vc_single_image image=”4997″ img_size=”full” alignment=”center”][vc_empty_space height=”62px”][vc_column_text]


–Todo mundo tem direito de não amar quem lhe ama

e sem dolo e maltrato lhe causar o sofrer. Manter contato,

compartilhar poemas, mandar nudes sem neura, passar na rua e não ver

ou beijar sem abraço ou antes do aperto partir ou dar um amasso e

lhe deixar saboreando um pedaço de língua na boca. Marcar rolê e sumir

manter uma distância, dizer que sente falta, chamar no whats

perguntar o que acha da roupa que vai usar pra sair com outra pessoa,

amar outra pessoa, nunca lhe contar sobre a outra pessoa, encher a cara, doces & vodka,

cair de boca na piroca no banheiro da balada enquanto você estava em casa

batendo siririca, ligar no outro dia, rir e contar o quanto se divertiu, ocultar os fatos,

deitar no colo e receber seu cafuné com o cú assado da noite

passada que foi a noite da sua pior punheta. Todo mundo tem o direito

de conhecer uma pessoa muito mais interessante

e fazer tudo isso sem deixar de dispor a mais bela amizade e lhe apertar

o orgulho contra o peito. E te comer. Metendo com força,

fazendo carinho, massageando, rebolando na pica dura,

passando a língua no trago da orelha, o hálito, o estalo da saliva,

morder o trapézio te comendo de quatro, os peitos na cara, a vibração,

os dedos, o membro envolto, a boca cheia, deitar abraçado, ficar te olhando

passando a mão no seu cabelo, as notificações, responder as mensagens, chamar

um Uber, te largar sozinho no motel e não ajudar a pagar.[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][vc_row_inner][vc_column_inner width=”1/4″][/vc_column_inner][vc_column_inner width=”3/4″][vc_empty_space height=”82px”][vc_column_text]_o verso milagreiro q cola deuses nas paredes q chuta uma pedra na rua e bate na querência de deus q num gozo pirotécnico experimenta cada metafísica e metalógica e metaética e metasigno e broxa por cada uma delas vem lançar a palavra-fundamento da peregrinação da teoria calva q quer provar a existência do mundo_

 

I

 

Na beirada da minha cabaça de silêncio
onde trepam as muriçocas – abana
a asinha de Akhmátova
já sem carne para a morte
as costelinhas destroçadas da andorinha
na fina sombra do poste
peito colado no chão
sangue de grude no asfalto quente
– gorjeia

 

II

 

No canto da esquina
zunia a febre do coqueiro
num calafrio a alma duvida
–          o corpo-sem-mundo  –
da hóstia babada pela cadela
signo desterrado pela fome

 

III

 

__a fala gargareja o ritmo
___(a palavra
__se bate
na garganta) a boca cospe o signo dissoluto
revigora a fé na palavra-doutro-mundo:
transmundar os cacos da realidade no poema
_a iminência                              na fala
: o silêncio se conserva : na linguagem
vibrante – profunda fervidade – fermenta
guarnecida de som  e  imagem  //   rompe
o hímen-carapaça da descrença[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column width=”2/3″][vc_empty_space height=”62px”][vc_column_text]


SAPOS FÉTIDOS

[/vc_column_text][vc_column_text]_a cidadania nas sociedades capi

talistas modernas se dá factual

mente pelo consumo como me

io de inclusão na comunidade_

 

 

 

Consumo sobretudo de sapos:

Uma dieta coletiva a base de sapos:

Sendo o bom cidadão aquele bocudo,

degustador de anfíbios, que falta lamber

as costas do bicho ou até mesmo deixá-lo

ficar chupando sua língua antes de engolí-lo:

o sapo sugando a ponta da língua de um homem branco,

mas, sem engolí-lo. O homem, por sua vez, antes de metê-lo

na boca, sabe bem como prepará-lo: futuca o animal

até ele inchar e joga uma leve pitada de sal por cima.

 

Talvez você nunca tenha visto

um cidadão de bem asfixiado

com o nariz cheio de sal,

normalmente esta espécie

usa coisa mais pesada, como

Globo, Veja e Rivotril. Todavia,

sua digestão se dá nas redes sociais.

 

 

O cidadão emérito é então aquele que

diante de um lamaçal escorrendo pela

goela do Rio Doce ou de um corpo morto,

entupido de lama, sente sensações libidinosas

pela quantidade de sapos que vêm submersa.

 

 

Dele não há de se esperar muita coisa,

mas, os sapos, quem sabe um dia, se revoltem

e escavando intestino abaixo saiam rasgando

as pregas do cu deste sujeito racional a priori

ou numa fuga pela uretra arrebente sua glande.

 

 

Os sapos, rebeldemente fétidos,

irão, como sempre, apenas sair pulando de volta

ao esgoto ou à lagoa, onde passarão a eternidade

com seus pés sujos e fétidos. O duro é apelar

para sapos messiânicos nos salvarem

de nossa própria tragédia.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_row_inner][vc_column_inner width=”1/2″][/vc_column_inner][vc_column_inner width=”1/2″][vc_empty_space height=”62px”][vc_column_text]


IMPORTÂNCIA PERDIDA

[/vc_column_text][vc_column_text]a liberdade do esquecimento,
da memória capenga, óh mundo
do descontrole tal qual
a fuga do controle tal qual
todos os controles se percam

 

mais importante q 1 artigo importante
q eu deveria ler é a importância da contínua
óh mundo continuamente desvelado
e continuar descobrindo coisas esquecidas
e continuar – importantes a serem esquecidas
dando lugar ao desimportante sumo de ócio
tempero da paz deste corpo agitado

 

desmesurado apego da-
óh mundo desmesurado
e todas as almas se percam
nunca mais achadas pelo
adobe reader caçador de
escapar traçar linhas de fu
deu pau tela azul óh liberté

 

fulano de tal fodão referência forte
vou fazer 1 parada com base
no baseado daquele artigo baseado
em fulano de tal fodão referência forte
q não resolve meu problema
com a prisão de ventre
quero dizer: fulano de tal
ñ libera bosta do cu

 

desmesurado apego do
– óh espírito de polícia
engasgando com informações
o ventre preso de informações
___________informações
________informações
_____informações
crosta de informações
excesso de informações
congestionando meus buracos
– controle: acalmar o mar com as mãos

 

forte rebento na memória
estraçalhá-la com alzheimer
até ser possível novamente
a infância & aí talvez
contínuo deslumbramento
saber alguma coisa
sobre a eterna
novidade do mundo[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_row_inner][vc_column_inner width=”1/2″][vc_empty_space height=”62px”][vc_column_text]


LEGENDA

[/vc_column_text][vc_column_text]para Pércio Faria Rios

 

 

Esse poema que não pede recato

Legenda como chiclete a bermuda

Que diz: calçada, pedra, cansaço

Jantar de pipoca em beira de rua

Goles de catuaba, tragos de fumo

Por entre baforadas e dilemas

Marcando o cenário do nosso rumo

À cada corpo nas ruas de Ipanema

Vazia de graça e cheia de desdém

Foi lá que ouvi tua primeira lição

“Quem tem, não dá. Só dá quem não tem”

Como deu a viúva seu último tostão

Voltamos pra casa tratando a lástima

De que a falta talvez seja uma dádiva[/vc_column_text][/vc_column_inner][vc_column_inner width=”1/2″][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row]

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